No seu livro Apelos da Mensagem de Fátima, a Irmã Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, uma das videntes de Fátima, apresenta o sacrifício como um dos apelos urgentes de Deus à humanidade.
Em primeiro lugar, Lúcia esclarece que o sacrifício não é um apelo desvinculado das Sagradas Escrituras, dos Mandamentos de Deus e da Igreja. São Paulo já dizia que devemos completar em nossa carne o que falta aos sofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Cl 1, 24). Todos nós somos enfermos, temos muitos defeitos e pecamos. Por isso, em união com a Vítima inocente, que é Cristo, nós, católicos, devemos nos sacrificar pelos nossos pecados e pelos dos nossos irmãos, pois somos todos membros do mesmo Corpo místico.
Na mensagem de Fátima, o Anjo da Guarda de Portugal dá o seguinte mandato aos pastorinhos e a cada um de nós: “De tudo o que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele (Deus) é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores” [1]. Segundo Lúcia, os sacrifícios podem ser de bens espirituais, intelectuais, morais, físicos e materiais. O que importa é aproveitar as ocasiões de oferecer algum sacrifício, principalmente quando se trata de uma exigência para o cumprimento de nossos deveres para com Deus, com o próximo ou com nós mesmos.
Em muitos casos, o sacrifício é uma obrigação, como a renúncia aos prazeres ilícitos: a luxúria, a fornicação e o adultério; o abuso no consumo de bebidas alcoólicas ou de alimentos. Tais renúncias, apesar de serem obrigações, podem ser oferecidas a Deus como ato de reparação e súplica. Quantas famílias tornam-se insensíveis e infelizes por causa do pecado da gula, do excesso na comida e na bebida! Ademais, os caprichos do orgulho, da vaidade, da cobiça, da avareza, das comodidades exageradas podem tornar-se faltas graves se nos levam a faltar com a caridade e a justiça para com o próximo.
Mas, além de fazer o estritamente obrigatório, por que não ir além, com ânimo generoso? Quando Deus nos pede para fazer renúncias e sacrifícios, não se trata somente de não fazer o mal, mas também de exercitar as virtudes, de fazer o bem ao próximo. Por exemplo: com o que temos, devemos socorrer aquelas pessoas que não têm o necessário para viver, que estão morrendo de fome e de frio. No juízo final, seremos julgados não somente pelo mal que praticamos, mas também pelo bem que deixamos de fazer (cf. Mt 25, 41ss), pois todas as vezes que deixamos de praticar a caridade para com os mais necessitados, foi ao Senhor que o deixamos de fazer.
A vidente de Fátima indica uma série de pequenos sacrifícios que podemos oferecer. Por serem pequenos, não deixam de ser agradáveis a Deus e, além disso, muito meritórios e proveitosos espiritualmente. Com eles, provamos nossa fidelidade e amor a Deus e ao próximo. Essas práticas enriquecem-nos na graça, fortificam-nos na fé, na esperança e na caridade, dignificam-nos diante de Deus e do próximo e libertam-nos das tentações, do egoísmo, da cobiça, da inveja, do comodismo... Alguns dos pequenos sacrifícios indicados pela Irmã Lúcia são:
- Rezar com fé e atenção, evitando, o quanto for possível, as distrações; com respeito, dando-nos conta que falamos com Deus; com confiança e amor, porque tratamos com quem nos ama e quer o nosso bem; com humildade, pois somos débeis, fracos na prática da virtude, tropeçamos e caímos a cada instante, e precisamos do auxílio de Deus para trilhar o caminho da santidade. Muitas vezes, será necessário sacrificar um pouco do nosso descanso, levantar um pouco mais cedo ou dormir um pouco mais tarde; desligar o rádio e a televisão (hoje podemos acrescentar o celular e o computador), para participar da Santa Missa, fazer nossa oração pessoal ou rezar o Santo Rosário;
- Deixar de comer algo de que gostamos muito, de modo que não prejudiquemos a nossa saúde e não nos faltem as forças físicas necessárias para o trabalho. Podemos trocar uma fruta de que gostamos por outra da qual não nos agradamos; suportar a sede por algum espaço de tempo; tomar uma bebida que não nos é agradável ao paladar; abster-nos do álcool ou, pelo menos, não beber em excesso; à mesa, não escolher o melhor, mas deixá-lo aos outros;
- No vestuário, suportar um pouco de frio ou de calor, sem nos queixar; vestir com decência e modéstia, sem nos deixar levar pelas modas e recusá-las quando não estiverem de acordo com essas duas virtudes, lembrando-nos que somos responsáveis diante de Deus pelos pecados que outros cometem por nossa causa. Sendo assim, devemos nos vestir em conformidade com a moral cristã, a dignidade pessoal e a solidariedade com o próximo, oferecendo o sacrifício do exagero da vaidade. Neste ponto, podemos oferecer o sacrifício dos adornos, das jóias, relógios e acessórios caros e, com seu valor, socorrer as necessidades dos que vivem na pobreza ou até mesmo na miséria;
- Suportar com serenidade as contrariedades: uma palavra desagradável ou irritante, um sorriso irônico, um desprezo, uma falta de consideração, uma ingratidão, uma incompreensão, uma censura, uma falta de atenção, um esquecimento, uma rejeição… Suportar com paciência os sofrimentos da vida: um acidente, uma separação, uma doença ou até mesmo a perda de um ente querido. Todo sacrifício, grande ou pequeno, tem um imenso valor, desde que oferecido por amor a Deus e ao próximo. Suportar de boa vontade a companhia das pessoas com quem não simpatizamos, que nos desagradam, que nos contradizem, chateiam e fazem perguntas indiscretas ou até mal-intencionadas; responder-lhes com um sorriso, um serviço, um favor, perdoando e amando, com o nosso olhar voltado para Deus. Esta renúncia de nós mesmos é talvez o sacrifício mais difícil para a nossa pobre natureza humana, mas é também o mais agradável a Deus e o mais meritório;
- Fazer sacrifícios e penitências voluntários. Há sacrifícios que são obrigatórios, como a abstinência de carne, que devemos observar em toda sexta-feira, exceto nas solenidades. Mas o apelo de Deus ao sacrifício nos conscientiza da necessidade de sermos generosos, de não nos limitarmos aos sacrifícios obrigatórios e fazer também sacrifícios voluntários. Os instrumentos de penitência, usados por muitos santos que, com o uso das disciplinas e dos cilícios, uniam-se a Cristo flagelado, amarrado com cordas e coroado de espinhos, infelizmente caíram em desuso. Mas, em espírito de penitência, podemos rezar com os braços abertos em cruz, unindo-nos a Cristo crucificado, ajoelhados ou prostrados com o rosto em terra, humilhando-nos na presença de Deus, a quem nos atrevemos a ofender. Podemos ainda fazer muitos outros sacrifícios voluntários, como jejuns e abstinências; falar menos e ouvir mais; realizar obras de misericórdia, como visitar os idosos e os doentes; rezar mais, especialmente diante do Santíssimo Sacramento.
Jesus Cristo, sendo Deus, não podia pecar. No entanto, deu-nos o exemplo de vida de oração, penitência e sacrifício. Antes de começar sua vida pública, passou quarenta dias em jejum e foi tentado pelo demônio. Na sua vida pública, a austeridade do Mestre era extrema, tanto que disse não ter onde reclinar a cabeça (cf. Lc 9, 58). Por vezes, Jesus e seus discípulos não tinham tempo nem para comer (cf. Mc 6, 31). Ainda assim, Jesus procurava retirar-se em lugares desertos para rezar (passagens nesse sentido abundam nos Evangelhos) e, pouco antes de sua Paixão, conforme o seu costume, Cristo dirigiu-se para o monte das Oliveiras para rezar (cf. Lc 22, 39). Se o próprio Senhor, Deus feito homem, viveu uma vida de oração e sacrifício, nós, que somos tão pobres e pecadores, não podemos escolher outro caminho.
Quando Jesus Cristo nos pede para entrar pela porta estreita (cf. Mt 7, 13s), indica-nos a grande necessidade que temos de nos sacrificar. Pois sem sacrificar a nossa vida por amor a Cristo e ao seu Evangelho, não nos santificaremos nem alcançaremos a salvação (cf. Mc 8, 35).
Ouçamos, pois, o premente apelo da mensagem de Fátima e façamos sacrifícios, em reparação dos pecados com que Deus é ofendido e pela conversão dos pobres pecadores.
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