Santa Marta, mencionada mais de uma vez nos Evangelhos, era de família ilustre. Seu pai era da Síria, sua mãe da Judeia e, depois da morte deles, herdou a casa e a propriedade de Betânia. Exercitou-se livremente nas boas obras, especialmente nas de caridade, e foi uma das primeiras mulheres que, assistindo às instruções de Cristo e aos seus milagres, reconheceram nele o verdadeiro Messias. A partir daquele momento, seu coração foi tomado pelo mais profundo amor ao Senhor, o qual, segundo os Evangelhos, retribuiu seu piedoso afeto. A conversão de sua irmã Madalena [i], relatada na vida desta santa, deveu-se em grande medida a ela, que a convenceu a ouvir os sermões de Cristo. Depois da conversão de Madalena, ela e Marta acompanharam Cristo por todos os lados, a fim de não perder nenhuma de suas divinas instruções.
Marta teve muitas vezes a graça de receber Nosso Senhor em sua casa, e de vê-lo sentado à sua mesa. Tendo sido honrada dessa forma, certo dia preparou com suas próprias mãos tudo o que poria diante de nosso Salvador, desejosa de que Ele fosse bem servido. Porém, vendo que sua irmã Madalena sentava-se tranquilamente aos pés de Cristo, sem ajudá-la, ela, queixando-se com brandura, disse ao Salvador: “Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado só com o serviço da casa? Diz-lhe, pois, que me ajude” (Lc 10, 40). Com estas palavras, carregadas de profundo sentido, Cristo censurou-a um pouco por sua excessiva solicitude com as coisas temporais: “Marta, Marta, tu afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas. Entretanto uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada” (Lc 10, 41-42). Marta recebeu humildemente essa amável repreensão, essa salutar lição, e quando Cristo estava à mesa com Lázaro e Madalena, serviu-o pensando acertadamente que essa era a maior honra que lhe poderia ser concedida.
Pouco antes da Paixão do Salvador, Lázaro, seu irmão, ficou muito doente. Imediatamente enviou um mensageiro a Cristo para lhe anunciar o fato, com as seguintes palavras: “Senhor, aquele que amas está enfermo” (Jo 11, 3). Ambas as irmãs pensaram que isso seria suficiente para convencer Cristo a ir curá-lo. Mas, como nosso Senhor desejava, ao ressuscitar Lázaro dos mortos, dar uma prova ainda maior de seu poder, Ele só compareceu após o sepultamento de Lázaro. Maria foi ter com Ele quando soube de sua chegada e disse-lhe:
“Senhor, se tu estivesses cá, meu irmão não teria morrido. Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus o concederá.” Cristo disse-lhe: “Teu irmão há-de ressuscitar.” “Eu sei”, disse Marta, “que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia”. “Eu sou a ressurreição e a vida”, disse Cristo; “aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá eternamente. Crês tu nisto?” Ela respondeu: “Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo, que devia vir a este mundo.” (Jo 11, 21-27)
Depois de ter dito isto, entrou em casa e anunciou à irmã a chegada de Cristo. Levantando-se rapidamente, Maria foi com ela ao encontro dele. O que se passou depois é relatado na vida de São Lázaro. Basta dizer aqui que nosso Salvador, profundamente comovido com as lágrimas e orações das duas irmãs, chamou novamente à vida Lázaro, que estava no túmulo havia quatro dias. A alegria de Marta e Madalena foi incomensurável, e a expressão de sua gratidão, comovente e humilde.
Nada mais se diz de Marta no Evangelho, mas não há dúvida de que ela estava, com as outras mulheres piedosas, no Monte Calvário, no momento da Paixão do Salvador, e mais tarde também presente em sua Ascensão e na vinda do Espírito Santo. Todos os biógrafos dela concordam com o fato de que, na perseguição aos cristãos, ela foi colocada pelos judeus, com o irmão e a irmã, numa barca sem vela nem remo, e lançada à deriva em alto mar para perecer.
Mas Deus foi o condutor deles e guiou-os até Marselha, na França, onde desembarcaram em segurança. Madalena, algum tempo depois, foi para um deserto, onde levou uma vida penitente por trinta anos. Marta, no entanto, depois de ter convertido muitas virgens à fé cristã com suas amáveis exortações e de lhes ter incutido o amor à castidade virginal, escolheu um lugar isolado entre Avinhão e Arles, onde construiu uma casa. Aí viveu com a sua criada Marcela e várias virgens, que tal como ela desejavam passar seus dias longe do tumulto do mundo, em castidade e paz, e levar uma vida monástica; daí que Santa Marta seja considerada por muitos, se não a primeira fundadora, ao menos um modelo de vida religiosa.
Ela era uma guia para todos, e seu exemplo servia-lhes de regra para disciplinar a conduta. Durante trinta anos viveu assim, com grande austeridade, abstendo-se de carne e de vinho. Era devota da oração, e está escrito a seu respeito que se punha de joelhos para rezar cem vezes durante o dia e outras tantas durante a noite. Conservou a castidade virginal até a morte, cuja hora lhe foi revelada um ano antes de partir.
A febre que a acometeu, e que durou até a hora de sua morte, foi considerada por ela como um meio de se tornar mais semelhante ao seu Salvador e de ampliar os seus méritos. Por isso, estava sempre alegre em seus sofrimentos, suportando-os com uma paciência angélica. Oito dias antes de morrer, ouviu uma melodia celestial e viu a alma de sua irmã subir ao céu na companhia de muitos anjos, o que não só encheu sua alma de alegria divina, mas também do desejo ardente de unir-se em breve com Cristo. O próprio Salvador dignou-se aparecer-lhe, dizendo: “Vem, amada; como me recebeste em tua casa na terra, assim te receberei agora em minha mansão celestial.”
Santa Marta foi tomada de alegria e, quanto mais se aproximava a hora de sua morte, mais fervorosas se tornavam suas orações e seu desejo de estar com Deus. Pouco antes de morrer, ela desejou que lhe deitassem no chão, que estava coberto de cinzas, e depois de ter dado as últimas instruções aos que estavam sob sua responsabilidade, elevou os olhos ao céu e entregou sua alma virgem ao Todo-Poderoso, enquanto pronunciava as palavras que seu amado Salvador tinha dito: “Senhor, em tuas mãos entrego meu espírito.” Seu túmulo foi glorificado por Deus com muitos milagres e é conservado com grande veneração.
Considerações práticas
I. Não há dúvida de que você considera Santa Marta muito feliz por ter tido a grande honra de receber em sua casa nosso Senhor e servi-lo.
Mas por que não considera muito maior a sua própria felicidade? Quem é aquele que você recebe na Sagrada Comunhão, de maneira muito mais excelente do que Marta o recebeu? Não é o mesmo Jesus que entrou na casa dela? Com frequência, muito mais vezes do que visitou Marta, Ele vai até você — ou está pronto a fazê-lo. Reconheça esta grande bênção e use-a para sua salvação.
Prepare-se também com toda a diligência para receber seu Senhor e servi-lo bem, a fim de que Ele possa um dia recebê-lo em seu Reino. Receber a Sagrada Comunhão é um dos meios mais eficazes para obter a salvação. “Aquele que comer este pão viverá eternamente” (Jo 6, 51), diz o Cristo. Viva, pois, em estado de graça neste mundo, a fim de viver, no Céu, na presença do Todo-Poderoso.
II. Marta levou uma vida austera durante trinta anos, rezando dia e noite, conservando a castidade, praticando constantemente boas obras e sofrendo as doenças com alegre paciência. Quem vive assim poderá muito bem dizer no fim de seus dias: “Senhor, em tuas mãos entrego o meu espírito.”
Mas quem não emprega nem a mente, nem o corpo, nem a alma no serviço de Deus, quem satisfaz todos os desejos do corpo e mancha a alma com o pecado, sem buscar purificá-la de novo, quem é indolente em fazer boas obras, quem usa os membros do corpo e as faculdades da mente mais para ofender a Deus do que para servi-lo; quem não manifesta paciência na doença e na provação, quem detesta a penitência e as austeridades; quem raramente reza e é pouco casto, enfim, não poderá verdadeiramente dizer com confiança em seus últimos dias: “Senhor, em tuas mãos entrego o meu espírito.”
Sim, pois como poderá esperar que Deus receba em suas mãos uma alma que, durante toda a vida, esteve mais nas mãos de Satanás do que nas do Todo-Poderoso, uma alma que viveu mais de acordo com a vontade de Satanás do que com a vontade de Deus, e, finalmente, uma alma que não entregou o corpo, que a revestia, ao serviço do Altíssimo? “É demasiado arrogante”, escreve São Gregório de Nissa, “aquele que, tendo durante sua vida guerreado constantemente contra o Todo-Poderoso pelo pecado e pelo vício, espera, como outro Moisés, morrer nos braços do Senhor”.
Portanto, se você quiser, no momento derradeiro, entregar sua alma nas mãos do Salvador com a esperança bem fundada de que Ele a receberá, empregue agora sua mente e todas as faculdades de sua alma no serviço de seu Deus, como fez Marta. É disso que trata a admoestação de São Pedro: “Praticando o bem, [aqueles que sofrem segundo a vontade de Deus] encomendam as suas almas ao Criador fiel” (1Pd 4, 19). Se entregarmos agora nossa mente, nossa alma a Deus com boas ações, poderemos entregá-la no final de nossas vidas a Ele, com a esperança certa de salvação. Ora, enquanto estivermos nesta terra, devemos servir a Deus de corpo e alma, porque Deus prometeu a vida eterna aos seus servos. Se não fizer isso, a promessa de Deus não foi feita para você. “Quem não cumpre os mandamentos do Senhor, espera em vão o que o Senhor prometeu”, diz São João Crisóstomo.
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