A liturgia da Igreja tem como fim principal a honra e a glória de Deus, e com isso a santificação de nossas almas, levando-nos a uma intimidade sempre mais profunda com Jesus Cristo. Ao perseguir esses fins, ela favorece a fraternidade entre os homens; na verdade, ela mesma cria essa fraternidade, pois é só na adoração em comum do Pai, através de seu divino Filho, que os homens são de fato irmãos. O problema com a noção contemporânea de “fraternidade” não é só a sua completa falsidade, mas o fato de ela ter sido retirada do único contexto em que fazia algum sentido e separada da única fonte da qual ela realmente poderia se originar.

É comum que as pessoas de convicções “liberais” ou “progressistas” acusem os católicos tradicionais de enfatizarmos sobremaneira o aspecto divino e transcendente da liturgia, a ponto de negligenciarmos seus aspectos imanentes e humanos — a saber, que Deus nos deu a liturgia para nosso próprio benefício (“o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”), e que se trata de um ato comunitário que expressa e consolida nosso vínculo social uns com os outros.

Ora, que a liturgia seja um ato público e coletivo, e que ela redunde em nosso benefício, são coisas de que não restam dúvidas: Deus é a perfeição absoluta, a bondade imutável e nada do que fizermos acrescentará ao que Ele é. Ao mesmo tempo, é bom e conveniente que nós, enquanto povo de Deus, nos dirijamos a Ele e tenhamos consciência de nosso próximo como um concidadão da casa de Deus. (De qualquer modo, o caráter público da liturgia não se manifesta pelo número de pessoas nela presente, mas sim pela ação, que se estende no tempo e no espaço, de Cristo como Sumo Sacerdote e Cabeça de seu Corpo Místico; é por isso que mesmo uma “Missa privada”, só com a presença do sacerdote, é ainda assim um ato público e coletivo.)

Dito isso, precisamos tomar cuidado ao menos para que a nossa compreensão do sentido de comunidade esteja em sintonia com a real natureza da Igreja.

Primeiro e acima de tudo, a liturgia nos coloca diante de Deus e de seus anjos e santos. Reverência, solenidade e majestade são características do culto divino precisamente porque não se trata de mera aglomeração de pessoas, mas sim de um momento em que nosso mundo se abre à vida e à graça da Jerusalém celeste. Na liturgia, nós nos unimos a todos os santos que adoraram a Deus no passado, a todos que O adoram no presente (estejam eles perto de nós, nos bancos da mesma igreja, ou em qualquer outro lugar do mundo) e também, de uma forma só por Deus conhecida, em sua onisciência e amor de predileção, a todos que O adorarão nos séculos vindouros. Portanto, não é apenas a “nossa” liturgia, o ato de uma comunidade local particular; há sempre, associada a ela, uma dimensão cósmica, universal e eterna.

Essa gloriosa realidade da comunhão dos santos deve transformar de maneira definitiva o modo como nós prestamos culto público a Deus. A liturgia em si mesma não é — e só se depreciaria se se tornasse isto — uma reunião para acenar aos circundantes, compartilhar notícias, apertar-lhes as mãos, “dialogar” de improviso com um padre ou coisa do gênero. Esse tipo de coisa pode ter o seu lugar apropriado antes e depois da Missa, e fora do lugar de culto, mas certamente não é da sua essência e mui frequentemente constitui um sério obstáculo para participar dos santos mistérios e atingir os fins inerentes a toda liturgia.

A experiência de comunidade própria da liturgia é uma experiência de adoração em comum, com todos os rostos e corações voltados para o sacrário, atentos às verdades divinas que estão sendo anunciadas e ao sacrifício divino que está sendo renovado. Em um paradoxo bem conhecido na vida dos santos, é geralmente quando mais nos esquecemos de nós mesmos e dos mais próximos, concentrando-nos com intensidade na Missa, que as sementes da verdadeira caridade para com o próximo e para com nós mesmos são plantadas com mais profundidade em nossas almas.

Observações semelhantes podem ser feitas quanto ao papel da palavra e da música. É inquestionável que nossas almas se elevam e a nossa consciência de unidade se fortalece na igreja quando, por exemplo, o povo responde dignamente e em uníssono na Missa, ou quando cantamos juntos músicas piedosas e ricas em doutrina, como são os cantos gregorianos, sempre recomendados pela Igreja. Tudo isso são formas apropriadas de nutrir e expressar a fé.

O ideal da participação plena, verdadeira e ativa na liturgia tem como meta formar a alma católica, forjar o caráter do cristão. Isso nos sugere também como não devem ser a palavra e a música na liturgia: a abordagem não pode ser do tipo “eu tenho de dizer ou cantar alguma coisa o tempo todo”, pois isso acaba se tornando uma espécie de agitação, que distrai e impede a espiritualidade.

“Falar” não significa preencher o espaço de ruído, assim como “cantar” não significa formar um coro animado cujas vozes precisam todas ser ouvidas. As palavras a ser pronunciadas devem ser uma resposta a algo que já se teve a oportunidade de escutar no silêncio da alma; as canções a ser entoadas devem antes enriquecer e instruir, e não simplesmente ser “qualquer coisa” para ocupar o espaço e o tempo.

Dessa perspectiva, só o que se pode fazer é esperar pelo dia em que os sacerdotes, bem como os demais encarregados do ministério de liturgia, começarão a prezar pelo silêncio, a meditação, a reflexão sobre os veneráveis textos que nos legou a nossa fé e a escuta das arrebatadoras melodias do canto gregoriano. Não seria difícil (e incontáveis seriam os benefícios de) substituir músicas banais por melodias gregorianas que tivessem um tom mais doce nos lábios e uma influência mais duradoura na mente. Não seria difícil (e um grande passo seria) se pudéssemos ter uma igreja em silêncio antes da Missa, uma santa quietude durante a Oração Eucarística e uma atmosfera de paz após a Missa para os que desejassem estender sua ação de graças (com o celebrante dando primeiro o exemplo). Ficar sentado e recolher-se por cinco minutos com a mente em Deus é algo que exige e promove mais maturidade espiritual do que cantar por uma hora.

Nossos antepassados, na liturgia romana tradicional, compreendiam bem o valor do recolhimento: “‘Parai e sabei, conhecei que eu sou Deus, que domino as nações, que domino a terra!’ Conosco está o Senhor do universo! O nosso refúgio é o Deus de Jacó!” (Sl 45, 11-12). Os silêncios da liturgia antiga dão à alma tempo para absorver os mistérios e refletir tanto sobre a Palavra de Deus a nós revelada e transmitida quanto sobre a sua vinda até nós através da Eucaristia. A alma tem a ocasião de ganhar profunda consciência da misericórdia, da glória e da presença divinas. “Conosco está o Senhor do universo! O nosso refúgio é o Deus de Jacó!”

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