Publicamos abaixo um belo poema, escrito por Dom Francisco de Aquino Corrêa em 1917, como homenagem a mais um aniversário de descobrimento do Brasil. 

Os lusíadas foram recebidos em nossa terra a 22 de abril de 1500, numa Oitava de Páscoa, e foi aí que se deu “O Natal da Pátria” — título desta poesia —‚ ou seja, o nascimento do Brasil. 

Para quem não sabe, Dom Aquino Corrêa foi arcebispo de Cuiabá de 1921 a 1956. Chegou a governar o estado de Mato Grosso, numa época de conflitos políticos na região. Foi também poeta e escritor, e o primeiro mato-grossense a pertencer à Academia Brasileira de Letras.

Já publicamos aqui outros textos da pena de Dom Aquino: os poemas “Independência ou Morte” (1917) e In extremis (1944); trechos do discurso Elevação da mulher (1934) e de uma Mensagem aos Homens de Letras (1937); e o belo texto em prosa O Tabor e o Altar.


O Natal da Pátria

Quando te sonho, ó minha doce Pátria,
A surgires da espuma cor-de-rosa
Dos vespertinos mares, mais formosa
Do que Afrodite, a olímpica e gentil,
Minha alma afoita, qual dourada e fúlgida
Galera ideal, para o infinito zarpa,
E, pelo azul, te vou cantando na harpa,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Dormias no silêncio dos teus séculos,
E a música selvagem dos coqueiros,
Embalava-te os sonhos feiticeiros,
Sob a doçura do teu céu de anil…
E acordaste ao rumor das quilhas múrmuras [i],
Ao trapejar fatídico das velas [ii],
E dos brancos pendões das caravelas,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Quão linda foste aos olhos dos Lusíadas,
Sorrindo, à flor do oceano imenso e liso,
O teu primeiro rútilo sorriso [iii],
Naquela tarde histórica de Abril!
Vibrava um hino festival de Páscoa,
Nas alturas diáfanas, macias [iv]…
E tu, com o Deus Mártir ressurgias,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

“Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500”, por Oscar Pereira da Silva.

Sim! renascias para a luz da História,
Num berço de esmeraldas e diamantes,
Que arfava dos teus bosques tão gigantes,
Na eterna floração primaveril.
E nessa hora, qual plácido horoscópio [v],
No céu, no mar, na terra, em toda parte,
A Cruz raiava para abençoar-te,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Salve, meu verde Pindorama flórido [vi]!
Salve, terra mimosa dos palmares!
Das conquistas do século dos mares,
Tu foste a mais sagrada e senhoril!
Viram-te os navegantes, e saudaram-te,
Qual novo éden de eternas primaveras,
Tão deliciosa e incomparável eras,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Escuta, ó Pátria, o canto genetlíaco [vii],
Que o coração do poeta hoje murmura,
Ao te beijar, em ondas de ternura,
A mão materna sempre juvenil:
Deus te abençoe! e a cada sol justíssimo,
Que ilumine, como este, as serranias,
Te inove as bênçãos dos primeiros dias,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Eras a terra das palmeiras vírides [viii],
Quando abraçaste a Cruz, e também ela
Gravou seu nome, em tua fronte bela,
Sagrando-te a mais santa dentre mil.
Palmas e Cruz! Oh! que os dois grandes símbolos
De realeza, de paz e de vitória,
Coroem sempre tua heróica história,
Terra de Santa Cruz, ó meu Brasil!

Referências

  • Dom Francisco de Aquino Corrêa, “O Natal da Pátria”. In: Nova et Vetera, Poética, v. 1, t. III, Edição do Centenário: Brasília, 1985, pp. 69-70.

Notas

  1. Quilha: s. f. || (náut.) peça de madeira comprida e muito forte, que se estende desde a proa até à popa, ou a reunião de peças justapostas sobre que estão fixas pelo meio as outras peças curvas em que se pregam as tábuas que formam os costados do navio. [As peças curvas e a quilha constituem como que as vértebras e o esterno do esqueleto do navio]. Múrmuro: adj. || (poét.) que murmura. || Que produz murmúrio; sussurrante, rumoroso.
  2. Trapejar: v. || tremular (um pano) sob a força do vento. || Produzir som seco e rápido; estalar. 
  3. Rútilo: adj. || (poét.) o mesmo que rutilante; cintilante; que tem a cor de ouro muito ruiva; que brilha vivamente; resplandecente, brilhante.
  4. Diáfano: adj. || diz-se dos corpos, através de cuja massa compacta se vê a luz, sem contudo se distinguirem as formas dos objetos; translúcido. || Transparente; límpido.
  5. Horoscópio: s. m. || prognóstico do que há de suceder a alguém por fatos relativos ao instante do seu nascimento ou ao planeta sob cujo influxo nasceu; horóscopo.
  6. Pindorama: s. m. || país ou região das palmeiras. || Nome que os ando-peruanos e populações indígenas dos pampas dão ao Brasil.
  7. Genetlíaco: adj. || relativo ao nascimento, natalício.
  8. Víride: adj. || (poét.) o mesmo que verde.

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