Os extremos da Quaresma são marcados por duas alegrias: a do Carnaval e a da Páscoa. A primeira é uma alegria carnal que, nos dias atuais, chega a ser pecaminosa. E, mesmo nas décadas passadas, quando se festejava apenas a "joie de vivre" (a alegria da vida), como dizem os franceses, a festa do Carnaval era marcada por uma alegria mundana.
Todavia, festejar a vida biológica, criada por Deus, de certa forma, é salutar. Comemorar a alegria do dia a dia, as coisas simples e boa que confortam a vida é sinal de saúde. A ausência desse júbilo, por conseguinte, pode significar uma doença, um desequilíbrio.
A alegria da vida cotidiana, porém, é ligada antes de tudo à parte animal do homem que sente prazer ao encontrar um bem, muitas vezes material. Santo Tomás de Aquino ensina que este tipo de prazer está ligado a um bem, enquanto a tristeza a um mal. A alegria do homem é sempre correspondente ao bem que se está festejando. Assim, se o bem é passageiro, a alegria também o será.
Apesar de efêmeras, as alegrias deste mundo não são necessariamente más. E quando existe o saudável ordenamento no homem, elas serão indicações das alegrias eternas. Existem coisas que libertam o homem da tristeza, como um banho quente e um copo de vinho, diz Santo Tomás de Aquino. Todavia, por causa do pecado original, as alegrias mundanas tendem a substituir a alegria de Deus.
Do outro lado da Quaresma existe a alegria pascal. Ela não é baseada na bios, mas sim, na zoe, que é a vida eterna, a "outra" vida. E a verdadeira alegria espiritual reside nela.
Quando Jesus, a cabeça, ressuscita, introduz a humanidade na vida divina. Seu corpo ressuscitado não tem mais somente a vida biológica, embora muitos confundam ressurreição com reviver, Ele não voltou à vida antiga, mas sim, a Sua vida divina (Ele é Deus) transbordou para Sua humanidade e Ele começou a participar da vida de Deus. Esta é a alegria pascal: encontrar a nova vida, a zoé, que está em cada um.
No dia em que se celebrou o Sábado Santo, a Igreja recordou também os 500 anos do batizado de Santa Teresa de Jesus, uma grande mulher que alcançou o ápice da santidade e deu a conhecer ao mundo tantas nuances da vida espiritual que a tornam deveras especial.
Santa Teresa de Jesus, após 20 de vivência de oração intensa, de profunda amizade com Deus, ao adentrar na sétima morada, descobriu um mundo completamente novo. Antes, ela cria que os fenômenos místicos que experimentava eram oriundos do céu, porém, quando mergulhou na última morada, entendeu que tudo estava dentro dela. Entendeu que é no homem interior que habita a Trindade, e passou a viver da Trindade dentro dela.
Embora o seu corpo estivesse sofrendo muito, ela tinha paz e a alegria espiritual durante todo o tempo. Ela não era capaz de pecar, pois já estava enraizada no Amor, já gozava da plena liberdade daqueles que amam.
São Paulo, em sua Carta aos Gálatas (cap. 5), ao listar os frutos do Espírito Santo, aponta também a alegria. É justamente a alegria que vivia Santa Teresa, a alegria espiritual. Santo Tomás de Aquino afirma que a alegria é a consequência mais óbvia do amor.
O amor-caridade produz naquele que ama duas situações: a primeira é a constatação de que Deus é a fonte de todo bem. Portanto, alegrar-se com tal bem-aventurança é motivo de grande alegria. A segunda, provém do fato de que a alegria é a reação diante de um bem presente e possuído, que não suporta a ausência. A alegria é estar na presença do Sumo Bem.
A alegria pascal é muito diferente da alegria do carnaval. De nada adiantam as alegrias efêmeras, com prazo de validade. Melhor são aquelas que não passam. E não passam porque Aquele que as inspira também não passa.
Esta alegria está ao alcance de todos, e claro, estando nas últimas moradas a vivência é plena, completa, como Santa Teresa. Mas, aos outros, basta estar em estado de graça, em amizade com Deus, para experimentar a alegria de se saber amado e amar Aquele que não passará. Amar e servir. Esta é a verdadeira alegria espiritual.
As duas alegrias, portanto, são muito distintas. A primeira é passageira, mas a segunda, é a alegria dos santos e que a todos é permitido gozar. É por isso que, na Páscoa, a Igreja canta à Virgem Maria, a alegria do seu coração:
Regina coeli, laetare, Alleluia!
(Rainha dos céus, alegrai-vos, aleluia!)
Quia quem meruisti portare, Alleluia!
(Porque aquele que merecestes carregar em vossos braços. Aleluia!)
Resurrexit, sicut dixit, Alleluia!
(Ressuscitou como disse, aleluia!)
A alegria de Nossa Senhora por saber que Aquele que ela amava não estava ausente e que a pedra fechando o sepulcro não havia sido o ponto final. Jesus morreu em sua natureza humana, é verdade, mas continuava vivo como Deus. A grande alegria de ver que no meio da maior tragédia, embora tudo diga o contrário, permanece a certeza de ser amado.
Ao receber o cadáver de Seu Filho em seus braços, não teria o demônio tentado Maria? Sim, mas ela não vacilou, pois tinha certeza da presença do Deus-amor diante da catástrofe iminente.
Assim, que os próximos cinquenta dias sejam, para cada um de nós, dias de grande alegria espiritual. A certeza de que se é amado por um amor que não passa.
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