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Texto do episódio
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Com grande alegria celebramos hoje a Festa de Nossa Senhora de Guadalupe, Padroeira de toda a América. Embora muitas vezes invocada apenas como padroeira da América Latina, vale ressaltar que ela é padroeira do continente americano como um todo — no próprio manto sagrado da Virgem, na imagem de Guadalupe, aparece tanto o céu do hemisfério sul quanto o do hemisfério norte. Portanto, Deus quis manifestar esse grande prodígio para toda a América. E, como a Igreja reconhece na antífona do missal antigo: “Non fecit taliter omni natione”, ou seja, “Deus não fez isso com todas as nações”; Ele fez conosco, e o extraordinário sinal sagrado de Nossa Senhora de Guadalupe demonstra isso.

Quando a Virgem Maria apareceu pela primeira vez naquele sábado, dia 9 de dezembro de 1531, ao índio camponês Juan Diego Cuauhtlatoatzin, em primeiro lugar ela fez com que ele tivesse uma pequena experiência do paraíso no alto do morro do Tepeyac. E a presença de Deus foi assinalada de tal forma naquele momento, que São Juan Diego por um momento não sabia mais se estava vivo ou  morto, se estava acordado ou sonhando naquele lugar maravilhoso onde apareceu Nossa Senhora.

A narrativa original das aparições, o Nican Mopohua, escrito em náhuatl (a língua nativa daquela região), descreve, ainda que com limitações, todo o brilho, glória e esplendor da presença de Nossa Senhora de Guadalupe. Era um brilho tamanho que também irradiava na vegetação ao redor quando ela apareceu. Em primeiro lugar, antes de ter a experiência visual da aparição da Virgem, Juan Diego ouviu um maravilhoso canto que enlevou seu coração. E aqui está, meus queridos, a primeira lição: hoje, neste mundo, embora nós possamos ver a sagrada imagem impressa naquele manto em Guadalupe, também não vemos a Virgem Maria diretamente — até o dia em que a veremos no Céu. Mas, por enquanto, ainda neste mundo podemos ouvir o seu canto, a sua mensagem.

É interessante também notarmos o seguinte: Maria aparece no México como uma jovenzinha grávida. Historicamente, estima-se que ela esteve grávida de Jesus por volta de aproximadamente doze anos de idade; era uma menina. Juan Diego, por outro lado, já era um senhor de quase sessenta anos na ocasião da aparição. Desde o início, toda a narrativa é marcada por essa espécie de contradição, em que a mãe é aparentemente mais jovem do que o filho — marcando que Nossa Senhora é realmente a mãe de todos nós. E então ouvimos a Virgem perguntando com todo esse carinho próprio de mãe: “Escuta, Juanito, o menor de meus filhos. Aonde vais?” 

É belíssimo notar o que Juan Diego, que estava indo para a Cidade do México para participar da Missa, diz sobre o papel dos sacerdotes ao responder a Maria. Ele diz que vai para a Cidade do México “para seguir às coisas de Deus que nos dão e nos ensinam aqueles que são imagens de Nosso Senhor: nossos sacerdotes”.

E então Nossa Senhora se identifica: “Fica sabendo, e tem por certo, menor de meus filhos, que eu sou a Perfeita Sempre Virgem Santa Maria, Mãe do Verdadeiríssimo Deus, por quem se vive, o Criador dos povos, o Senhor destas terras e de suas imediações, o Senhor do céu e da terra. Muito quero e desejo que aqui ergam para mim minha casinha sagrada…” É interessante notarmos que, no relato, sempre que se menciona o palácio do bispo, fala-se com suntuosidade — “Então, Juan Diego foi ao palácio do bispo” —, mas quando se fala de igreja, é sempre a “casinha sagrada”.

Mas para que Nossa Senhora quer essa casinha? Vejam a finalidade própria de uma mãe:  “...onde o mostrarei e o exaltarei ao manifestá-lo, onde o darei aos povos com todo o meu amor pessoal, meu olhar compassivo, meu auxílio e minha salvação. Porque eu, em verdade, sou vossa mãe compassiva…”

A Virgem Santíssima quer nos dar o seu olhar compassivo; e curiosamente, anos mais tarde os cientistas verão que na imagem milagrosa de Nossa Senhora de Guadalupe os detalhes do olhar são o que há de mais fantástico. Eis a mensagem principal: Maria quer olhar para nós, “Para realizar o que pretende meu compassivo olhar misericordioso”. Ela deseja que, nestas terras e entre todos os demais povos, “que me amem, clamem por mim, me busquem e em mim confiem. Porque ali lhes escutarei seu pranto, sua tristeza, para remediar, para curar todos os seus diferentes sofrimentos, suas misérias e suas dores”.

E então, para realizar tudo isso que ela pretende fazer, Nossa Senhora pede que Juan Diego vá ao palácio do bispo e peça que lhe provejam esse templo. O piedoso vidente então vai até o prelado que, naturalmente, não acredita nele. Voltando ao lugar da aparição, o índio se desculpa com Nossa Senhora, dizendo que o bispo: “Recebeu-me amavelmente e escutou perfeitamente, porém, pelo que me respondeu, parece não ter entendido nem acreditado”.

É notável também vermos a grande humildade de Juan Diego, que diz: “Minha Senhora, eu sou apenas um animal de carga, que precisa ser levado pelo cabresto”, perguntando se não haveria alguém mais nobre a quem Maria Santíssima poderia encarregar daquela missão tão nobre. A resposta de Nossa Senhora é enfática: “Escuta, menorzinho de meus filhos, e tem por certo que não são poucos o número de meus servidores e mensageiros, a quem poderia encarregar de levar meu alento e palavra para que efetuem minha vontade. Porém, é necessário que tu vás pessoalmente” — eis aqui o mistério da eleição! A Rainha do Céu escolhe quem ela quer, ainda que sejam aqueles que talvez, humanamente, não tenham as qualidades que gostaríamos ou escolheríamos.

A Virgem de Guadalupe então reforça novamente: “Rogo-te encarecidamente, menor de meus filhos, e te ordeno firmemente que tornes a procurar o bispo amanhã.” Outro ponto que devemos observar, para afastar a tendência de pensarmos que o bispo era simplesmente um incrédulo, é o seguinte: qualquer um de nós agiria virtuosamente se também não acreditasse imediatamente. Ora, temos a obrigação de agir com prudência. Nós, bons católicos, não cremos em qualquer relato, mas na Revelação, porque Nosso Senhor Jesus Cristo assim o disse, assim o fez e assim o quis. Quanto às outras revelações privadas, nós cremos nelas se — e tão somente se — houver sinais contundentes que as comprovem.

Podemos, portanto, ver como uma ação da Providência divina, determinada desde a eternidade, o fato de Nossa Senhora ter escolhido um servo pobrezinho e humilde, exatamente para provocar no bispo a reação que era seu dever. Afinal, se o prelado tivesse crido logo na primeira tentativa de Juan Diego, não haveria o portentoso milagre das rosas e da impressão da sagrada imagem que viria em seguida.

Juan Diego então volta ao palácio episcopal no domingo e, novamente, o bispo não crê e diz “que era muito necessário algum outro sinal para poder ser crido como enviado da própria Rainha do Céu”. Simples assim.

Neste momento, acontece algo que muitos não compreendem com exatidão. Quando Diego volta mais uma vez a Maria, a terceira, ainda no domingo (dia 10 de dezembro, após a segunda recusa do bispo), ela diz a ele para que volte ao topo do Tepeyac na segunda-feira (11), quando lhe daria outro sinal. Só que Juan Diego não voltou no dia 11! O que aconteceu é que, demonstrando ser um bom católico, ele foi detido por um dever maior do que ir encontrar a própria Mãe de Deus: cuidar de seu tio doente, Juan Bernardino. Não havia quem mais pudesse amparar aquele senhor que estava gravemente enfermo; e entre os motivos que nos fazem venerar aquele índio vidente como São Juan Diego, está essa correta decisão: em seu coração, ele sabia que Nossa Senhora poderia esperar um pouquinho, uma vez que em sua casa era preciso cuidar primeiro do Cristo enfemo e moribundo, impelido pelo dever de caridade para com o próximo.

Quando a doença do tio finalmente se torna gravíssima e não há outro jeito a não ser sair de casa para ir buscar um sacerdote para ministrar ao moribundo os últimos sacramentos, no dia 12 (terça-feira), Juan Diego mais uma vez evita o encontro com Nossa Senhora, preferindo passar por outro caminho em vez de seu habitual trajeto pelo alto do morro, onde houve a aparição.

O narrador do Nican Mopohua diz que Juan pensou consigo: “Se eu fosse direto pela estrada, esta Senhora me veria e, seguramente, me deterá para que leve em seu nome o sinal ao bispo, como me ordenou”. No entanto, o olhar de Nossa Senhora não lhe escapa: “Piensa que por donde dió la vuelta no lo podrá ver la que perfectamente a todas partes está mirando?” (“Pensa que aquela que perfeitamente todos os lugares não terá visto por onde deu a volta?”). Meditemos sobre isso: perfeitamente, em todas as partes, Maria Santíssima olha por nós. “Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”. Que grande consolação! E o bendito São Juan Diego, providencialmente, cortou aquele caminho para que pudéssemos ouvir essa verdade de fé.

Então Nossa Senhora aparece para seu mensageiro “fora do lugar” que ele imaginava, e diz: “Que se passa, menorzinho de meus filhos? Aonde vais, para onde se diriges?” E Juan Diego, um pouco encabulado mas também espantado e temeroso, diz com terna intimidade à Mãe do Céu: “Minha jovenzinha, menorzinha de minha filhas, minha menina, espero que estejas bem. Como amanheceste? Teu amado corpinho se sente bem, Senhora minha, minha menina? Infelizmente angustiado teu rosto e teu coração: faço-te saber, minha menininha, que um servidor teu, meu tio, está muito doente. Abateu-se sobre ele uma grande enfermidade e asseguro que em breve irá morrer.” E então Juan Diego mais uma vez se refere com grande reverência aos sacerdotes: “Vou depressa à tua casinha no México para chamar algum dos amados de Nosso Senhor, um de nossos sacerdotes, para que vá confessá-lo e preparar-lhe. Porque em verdade nascemos para isto e viemos a este mundo para esperar o trabalho de nossa morte”.

Mais uma vez, vemos o grande sensus fidei de São Juan Diego: nós viemos a este mundo para nos prepararmos e esperarmos o dia do “trabalho de nossa morte”, como um “trabalho de parto” para a vida eterna. Ele sabe o quanto é importante levar a mensagem da Rainha do Céu a respeito de sua casinha sagrada, mas tem consciência de algo ainda mais urgente: os sacramentos para um moribundo que está sob seus cuidados! Precisamos compreender esse ato: é mais urgente um sacerdote na hora de nossa morte do que a aparição da Virgem Santíssima. Eis um dos motivos pelos quais Juan Diego é um santo canonizado, e essa atitude profundamente católica mostra o porquê.

Nossa Senhora, evidentemente, não se aborrece com seu mensageiro e diz a Juan para que não se preocupe: “Escuta e põe em teu coração, menor de meus filhos, pois não é nada o que te assusta e aflige. Não se perturbe teu rosto e teu coração, e não temas esta enfermidade nem enfermidade alguma ou qualquer angústia ou aflição. Não estou eu aqui, que sou a tua mãe? Não estás debaixo de minha sombra e proteção? Não sou eu a fonte de tua alegria? Não estás sob o meu manto e envolto em meus braços? Tens necessidade ainda de outra coisa? Que nada te aflija ou te perturbe. Que não te angustie a enfermidade de teu tio, porque ele não morrerá por causa dela. Não tenha dúvidas de que já está bom.” E, de fato, o tio Juan Bernardino foi curado.

Na sequência, a Rainha Celestial insiste para que Juan Diego suba ao alto da colina, como haviam combinado desde o início, pois ali estaria o sinal que o mensageiro deveria levar ao bispo: “Ali verás variadas flores: corta-as, reúne-as e ponha-as todas juntas; e desça aqui para trazê-las à minha presença.” E lá no alto do Tepeyac o índio encontrou grandes e maravilhosas rosas de castilha, e isso em pleno dezembro, um mês frio naquela região, quando inexistia vegetação florescente.

Juan Diego colheu as rosas e as colocou sobre sua tilma, o manto típico que trazia amarrado ao pescoço, fazendo uma “bolsa” para carregá-las. Ao pé do monte, Nossa Senhora, que ali o esperava, pega as rosas e as entrega de volta ao mensageiro, abençoadas por suas mãos santíssimas. E ele então finalmente vai ao palácio do bispo, e ao longo do caminho vai degustando o aroma agradabilíssimo daquelas flores. Ao chegar ao seu destino, há uma grande espera, pois não queriam deixar que ele entrasse, mas quando o povo vê as rosas, fica admirado. Neste momento, alguns empregados do bispo tentam pegar algumas rosas mas não conseguem, pois toda vez que põem a mão em uma delas, a rosa desaparece e vira uma estampa no manto.

Quando São Juan Diego finalmente consegue se apresentar ao bispo, primeiro narra toda a história da aparição, para que o sucessor dos Apóstolos ouça a mensagem de Nossa Senhora; e então finalmente abre o manto para mostrar as rosas. Quando as rosas caem no chão, milagrosamente se convertem num sinal ainda mais prodigioso: desenha-se diante de todos a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. O bispo então cai de joelhos, chora e pede perdão por não ter acreditado antes.

Esta mensagem belíssima de Nossa Senhora de Guadalupe não precisa de comentários, apenas a sua narrativa já é para nós um grande evangelho. Peçamos à nossa Mãe bendita, com grande confiança, que nos mantenha sempre debaixo de seu olhar, pois foi para isso que ela apareceu naquela colina do México. Recordemos a finalidade dessa aparição! Ela quer, de sua casinha sagrada, derramar sobre nós todo o seu amor pessoal, olhar compassivo, auxílio e salvação. Estamos aqui debaixo deste santo olhar que nos vê perfeitamente, ao qual não escapa lugar algum. Vosso olhar a nós, volvei, Santa Mãe de Deus!

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