O Catecismo da Igreja Católica ensina que “a existência dos seres espirituais, não-corporais, que a Sagrada Escritura chama habitualmente de anjos, é uma verdade de fé” (§ 328). Os anjos não são uma invenção mitológica. Trata-se de seres reais, que estão sempre diante de Deus (cf. Mt 18, 10), mas agindo em meio aos homens. Por isso, pode-se dizer que, estando na presença dos anjos, os seres humanos nunca estão sozinhos. Deus colocou aquelas criaturas ao seu lado, não só para os guardarem (§ 336), mas também para se relacionarem com eles — de fato, são muitas as personagens das Escrituras que recebem a assistência e a visita dos anjos de Deus (cf. Gn 3, 24; 19; 21, 17; 22, 11; Ex 23, 20-23; 1 Rs 19, 5; Jz 6, 11-24; 13; Is 6, 6; Lc 1, 11.26).
Ao contrário do que se pensa hoje, os anjos não são figuras piegas de contos românticos, mas criaturas realmente terríveis que, se aparecessem diante de nós, incutiriam não só paz e alegria, mas também um grande temor. Como Aslam, a personagem das Crônicas de Nárnia que é uma alegoria de Jesus Cristo, eles são bons e terríveis ao mesmo tempo [1]. Como Gandalf, da saga O Senhor dos Anéis, eles são “perigosos” [2]. Embora tenham grande poder, este se manifesta, sobretudo, em suas inspirações. Os hobbits da Terra-Média — Frodo, Merry, Pippin e Sam — sequer sabiam manusear uma espada. Mas, no fim, eles terminam como heróis, pois foram treinados e capacitados por Gandalf, que é, segundo o próprio Tolkien, uma espécie de anjo.
Os anjos são assim: eles nos protegem, mas também querem nos capacitar. Eles são, sim, nossos companheiros, mas são muito maiores do que nós, e o seu serviço, mais do que um simples “fazer a nossa vontade”, é instigar-nos e incomodar-nos, a fim de que façamos a vontade de Deus. Muitas vezes, achamos que os anjos foram colocados ao nosso lado apenas para resolver os nossos problemas materiais ou dar-nos uma certa segurança neste mundo. É verdade que eles podem agir como “ministros dos milagres de Deus”, mas seu trabalho principal é inspirar-nos para o serviço de Cristo, com a sua presença ativa e poderosa — “presença virtual”, para usar a linguagem escolástica (cf. STh I 52 1c.) — junto de nós.
A Igreja, por meio de São Jerônimo, ensina que “grande é a dignidade das almas, pois ao nascer cada uma tem um anjo delegado a sua guarda” [3]. No combate desta vida, no qual o céu e o inferno disputam para ganhar as almas, seria desproporcional que elas não tivessem protetores perto de si. Se seria inconcebível manter um carro-forte sem segurança, quanto mais as almas dos homens, que custaram o sangue de Nosso Senhor! É o que ensina Santo Tomás:
O homem, na vida presente, encontra-se em uma espécie de caminho que deve tender para a pátria. Nesse caminho, são muitos os perigos que o ameaçam, dentro e fora [...]. Por isso, aos homens que andam por caminhos não seguros são dados guardas. Assim também a cada homem em sua peregrinação terrestre é delegado um anjo para sua guarda (STh I 113 4c.).
É verdade que Deus, sendo onipotente, poderia muito bem agir de modo direto para proteger os homens. Mas a pedagogia divina está desde sempre escolhendo colaboradores para exercer o seu plano de salvação. É preciso que os católicos se libertem da visão arrogante do protestantismo, que despreza a ação de intermediários na Redenção humana, quando o próprio Senhor escolheu fazer-se um de nós, submeter-se a Nossa Senhora e a São José e criar a Igreja visível para dispensas as suas graças em meio aos homens.
“A cada homem”, portanto, “é delegado um anjo para sua guarda”, ensina Santo Tomás (STh I 113 2c.). Respaldando a opinião de São Jerônimo, o Aquinate afirma ainda que o anjo da guarda é dado ao homem desde o seu nascimento, ao contrário da opinião de quem diz que “o anjo é delegado à guarda do homem desde o batismo”. Ele explica:
Os benefícios que o homem recebe de Deus pelo fato de ser cristão começam com o batismo; por exemplo, a recepção da Eucaristia e outros semelhantes. Todavia, os benefícios que Deus dispõe para o homem pelo fato de ele ter uma natureza racional lhe são concedidos desde o momento em que, pelo nascimento, adquire tal natureza. Ora, esse benefício é a guarda dos anjos [...]. Portanto, tão logo nasce, o homem tem um anjo delegado para sua guarda (STh I 113 5c.).
O Doutor Angélico explica, na mesma questão, que, por mais que o homem peque, isso não afasta dele o seu anjo da guarda, que nunca o abandona totalmente (cf. STh I 113 6c.). E também que os pecados dos homens, embora ofendam os anjos, não os fazem sofrer, já que eles “são perfeitamente bem-aventurados” e, portanto, “nada sofrem” (STh I 113 7c.).
A doutrina católica tem como bastante sólida a fé nos anjos da guarda. Não se sabe, por outro lado, se existe um “demônio específico” para tentar a cada pessoa e levá-la para o inferno. (É este o pressuposto da obra The Screwtape Letters, as famosas “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz”, de C. S. Lewis.) A verdade é que também os anjos da guarda, embora pertençam aos graus inferiores da hierarquia celeste, lutam contra os anjos maus, pela nossa salvação.
Quanto ao modo como os anjos agem em nossa vida, Santo Tomás dedica outra questão inteira da Suma Teológica a esse propósito: é a questão 111 da primeira parte. Aí ele explica que, das várias potências do homem, os anjos agem mais nas faculdades sensitivas — no sentido interno da imaginação e nas paixões, sobretudo. Eles atuam, por exemplo, quando uma pessoa está trabalhando e tem uma ideia criativa, ou quando está rezando e vem à sua mente alguma cena ou inspiração. Só que têm poder de atuação tanto os anjos bons quanto os demônios. Enquanto estes são intrusivos, os anjos da guarda agem quanto maiores forem a docilidade e a abertura a eles.
Por isso, importa cultivar uma constante devoção aos nossos anjos, aprendendo a viver em sua presença, não indo aonde um deles não iria e evitando toda ação que ofenda a sua dignidade angélica.
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