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Não inveje os eleitos de Deus!

Assim como o amor de Deus move a história de nossa salvação, a história da perdição humana também tem um motor: a inveja. Para combater este pecado capital, é preciso um coração grato: pois, quando favorece uma pessoa, Deus está querendo agraciar a todos nós por meio dela.

Texto do episódio
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Para que o Evangelho de hoje (Mt 20, 1-16a) seja bem compreendido, nós precisamos entender o que é a miséria de um pecado terrível chamado inveja. Ao concluir a parábola, o patrão pergunta ao empregado: “Estás com inveja porque estou sendo bom?” Esta é a chave de leitura para toda a parábola e para aplicarmos sua lição em nossa vida.

Podemos dizer que a inveja é um dos dois pecados capitais que o demônio, Satanás, pode realizar. Ao verificarmos a lista dos sete pecados capitais, constataremos que o diabo não é capaz de fazer quase nenhum deles no sentido próprio da palavra. Por exemplo, preguiça, luxúria e gula: o diabo não tem corpo para entregar-se à preguiça, para sucumbir à luxúria ou para ficar bêbado e comer demais, cometendo a gula. Mas esses espíritos angélicos caídos podem realizar os pecados da soberba e da inveja. É exatamente a inveja que move toda a história da perdição. Existe uma história da salvação, que vem de Deus, e também uma trajetória da perdição, que é a história do reino de Satanás entre nós.

A inveja consiste na tristeza que uma pessoa sente quando vê que o outro foi abençoado, agraciado, que o outro está sendo bem sucedido, está recebendo coisas boas. Sentimo-nos invejados quando recebemos algo e nosso irmão, que não recebeu, fica triste ao invés de se alegrar conosco. Este é o primeiro aspecto: um descontentamento, uma rejeição da alegria do outro, da bênção que o outro está recebendo.

Qual é a raiz da inveja? Por que, ao vermos uma pessoa que é mais inteligente, mais talentosa, que tem mais saúde e beleza, que tem mais bens materiais, isso pode nos incomodar? Por que, quando vemos que um colega recebeu um cargo acima do nosso, ou quando está claro que uma pessoa recebeu de Deus um dom que não recebemos, isso pode nos causar um mal-estar? Porque existe em nós uma má inclinação: é uma vontade de singularidade, ou seja, de sermos diferentes e especiais.

Recordemos dos filhos de Jacó. Desses doze filhos, dez olhavam com inveja para José (o caçula Benjamin não estava no meio da confusão), porque José era agraciado pelo pai, que o amava mais do que aos outros. E não somente: o ingênuo José tinha certos sonhos que contava aos seus irmãos, alimentando ainda mais aquele ódio. Em um desses sonhos, José disse: “...vi que o sol, a lua e onze estrelas se prostraram diante de mim.” (Gn 37, 9c). Os irmãos ficaram perplexos: “Então quer dizer que até mesmo nossos pais se inclinarão diante de você? Quem você pensa que é?”, e ficaram cheios de inveja, porque José tinha mais do que eles.

José possuía uma belíssima túnica colorida que ganhara do pai, que o amava mais do que aos outros. Alguém pode questionar: “Padre, isso é injusto! Jacó não deveria amar igualmente aos doze filhos?” Ora, quem disse que esta deve ser a lei? Deus não é assim! Deus privilegia, sim, certas pessoas. Não podemos pensar que o Senhor deu a Nossa Senhora o mesmo que deu a cada um de nós. Algum de nós nasceu imaculado? Maria nasceu! Desde o momento de sua concepção, Satanás jamais lhe pôs as mãos. Nós, por outro lado, vivemos diariamente “brigando” com o diabo.

Maria Santíssima recebeu mais graças e bênçãos, mais dons de Deus, desde o momento de sua Imaculada Conceição, do que todos os anjos e santos juntos. Deus tratou Nossa Senhora de forma diferente e privilegiada, e não temos o direito de achar isso injusto. Devemos querer corrigir Deus? Dizer que Ele está errado, que deveria tratar a todos com igualdade?

Devemos compreender que não há injustiça quando Deus dá privilégios a alguém. Quando Ele deu mais a Maria, Ele deu a nós também; Ele fez isso para a nossa salvação: por isso, nós temos Nossa Senhora, nossa Mãe protetora e intercessora. Certa vez, perguntaram a Santa Teresinha: “Irmã Teresa, se Deus lhe desse a possibilidade de escolher ser Maria, Nossa Senhora, Mãe de Deus, ou de ser Teresinha, quem você preferiria ser?” Teresinha parou, pensou e disse: “Eu preferiria ser Teresinha.” Isso gerou espanto dos presentes, que então lhe disseram: “Ora, mas por que você não quer ser Nossa Senhora, que é mais agraciada?” E Teresinha concluiu: “É porque Nossa Senhora não tem uma mãe tão boa.”

Quando Deus deu mais a Nossa Senhora, Ele o fez para que isso redunde em bênçãos para todos nós. Deus privilegia alguém para que isso abençoe os outros. Por que Deus privilegiou José, filho de Jacó? Porque José foi fonte de salvação para os outros irmãos. Deus privilegiou José porque, tornando-se escravo no Egito, depois ele foi alçado a vice-rei, salvando todo o reino da fome e, consequentemente, todo o povo de Israel. Portanto, aquele privilégio, aquele amor que Deus deu a José transbordou, o que redundou em bênçãos para os outros irmãos, que num primeiro momento não haviam compreendido isso: que, quando Deus privilegia uma pessoa, cobrindo-a de bênçãos e dons especiais, essa pessoa “é para nós”.

Maria é Nossa Senhora. Louvado seja Deus porque a privilegiou. José foi salvação para todos os irmãos e para o povo eleito. Que bom que Deus o privilegiou! Ao longo da história, Deus privilegiou muitas pessoas. Satanás é aquele que um dia quis ser o privilegiado, quis ter uma singularidade. E por isso ele odeia a Deus; é mau e assassino desde o princípio.

Foi por inveja de Satanás que o pecado e a morte entraram no mundo. O diabo e os seus demônios sabem que um dia todos nós poderemos ver a Deus, algo que eles nunca poderão. Os demônios nunca viram e nunca verão a Deus, mas lá no Céu há um trono com o nome de cada um de nós, e poderemos ter a indescritível visão beatífica. Por isso, Satanás morde-se de inveja e quer fazer tudo o que estiver a seu alcance para impedir que tenhamos esse privilégio.

Foi por inveja de nossos primeiros pais — e, portanto, inveja de todos nós, seres humanos — que o pecado entrou no mundo. Satanás sabe que fomos feitos para ser santos e que nosso destino é o Céu. Por isso, ele combate para que caiamos com ele no Inferno. Assim como os irmãos de José o jogaram numa cisterna seca e depois o venderam como escravo, assim também os demônios nos jogam no poço do pecado, mantendo-nos escravos de nossas misérias, de nossa falta de amor e de generosidade.

No entanto, Deus quer nos tirar desse poço, e quer fazer de nós “vice-reis do Egito”. Aqui está a luta da humanidade. Deus quer que nós o vejamos face a face no Céu, e os demônios, por inveja — assassinos, maus e mentirosos —, querem que nós pereçamos nesta jornada.

Foi por inveja que o pecado e a morte entraram no mundo. Foi por inveja que Caim matou Abel. Vejam: o primeiro ser humano que morreu, não morreu velhinho e em paz numa cama, rodeado por seus netinhos. Abel morreu jovem e solteiro, assassinado por seu próprio irmão. Foi por inveja que Caim o matou. Foi por inveja que os irmãos venderam José para o Egito. Foi por inveja que Saul quis matar Davi. Foi por inveja que os fariseus entregaram Jesus à morte. O Evangelho de São Mateus diz com toda a clareza que os fariseus tinham inveja de Jesus (cf. Mt 27, 18).

A inveja, portanto, é um pecado assassino. É importante enxergarmos isso. Não estamos falando de um “pecadinho qualquer”, algo do qual podemos dizer: “Ah, é uma invejinha”, “Eu tenho uma ‘santa’ inveja”. Não existe “santa” inveja. Toda inveja é pecaminosa. Uma coisa é vermos uma pessoa santa e desejarmos ser santos como ela. Isso não é inveja, é uma aspiração. A inveja acontece quando vemos uma pessoa santa, ficamos tristes e dizemos: “Desgraçado! Como é que você foi ser santo e eu não sou?” E fazemos isso por desejarmos a singularidade, por querermos ser especiais.

Quando Deus disse a Lúcifer que ele deveria trabalhar para que Nossa Senhora fosse a primeira e mais gloriosa de todas as criaturas, o anjo invejoso teve um indescritível ódio disso e então viu que a sua singularidade — pois ele queria ser o primeiro — estava sendo ameaçada. A inveja está baseada nesse desejo soberbo de pensar que devemos ser especiais. Para fazer um exemplo jocoso, eu sempre brinco a respeito da minha careca. Eu olho para os cabeludos, e digo: “Miseráveis! Eles têm cabelo, eu não tenho. Eu quero a singularidade de ter cabelo mais bonito do que todos.” Mas vejam a cegueira, a soberba. Milhões de seres humanos são carecas, e nunca me importei com esse fato. Mas quando a calvície acontece comigo, começo a lamentar: “Ah, por que eu?” Milhões de pessoas sofrem o que cada um de nós sofre, e isso há muitos séculos.

Bilhões de pessoas já sofreram o que sofremos, e nunca nos importamos. Mas quando o sofrimento vem até nós, ficamos feridos, dizendo: “Onde está Deus nesta hora? Por que eu? Logo eu, o ‘grande eu’, o ‘maravilhoso e único eu’?” Vejam a soberba! E aí vemos que o outro tem o que não temos e sentimos inveja. A inveja é assassina porque, para que aquilo que me incomoda pare de me incomodar, eu preciso eliminar de alguma forma quem é agraciado, quem recebeu os dons de Deus.

O que aprendemos hoje? Nós aprendemos a importância e a gravidade do satânico pecado inveja. É um pecado que está em todos os lugares. A inveja, por exemplo, estava entre os doze Apóstolos. Quando Tiago e João, os filhos de Zebedeu, pediram os primeiros lugares para Jesus, os outros dez, “muito virtuosos”, ficaram com inveja e começaram a discutir, e Jesus então disse: “Entre vós não será assim” (cf. Mc 10, 35-45). E, no entanto, a inveja clerical é uma das realidades mais constantes em toda a história da Igreja: a inveja entre padres e bispos causou desgraças, mortes e a destruição de muitas obras de Deus.

Todos nós, seres humanos, fomos “picados pela serpente”. E o que devemos fazer para curar essa inveja? Precisamos alimentar a gratidão em nosso coração por tudo o que recebemos de Deus, e por tudo aquilo que nossos irmãos recebem de Deus, sabendo que, se o nosso irmão recebeu e tem mais, isso é um dom para todos nós, é uma coisa boa. Que Deus abençoe o nosso irmão!

Nós celebramos ontem a Memória do Santo Padre Pio de Pietrelcina. No site do nosso apostolado, lançamos um curso sobre o Padre Pio. São vinte aulas, longas e detalhadas mas muito interessantes, de um estudo que eu fiz ao longo de alguns anos a respeito da vida do Santo Padre Pio. Eu já era um devoto, mas o estudo a seu respeito nestes últimos tempos levou-me a enxergar a importância e a grandeza do Padre Pio na história da Igreja recente. Repito aquilo que sempre digo a respeito deste grande santo: “Por que Deus mandou o Padre Pio neste mundo? Para humilhar a nós, padres.” Não pode ser outra coisa! O homem foi dotado de uma enorme santidade, uma heroica capacidade de amar a Deus, de uma imensa generosidade ao assumir a penitência, as dores, as chagas, o sofrimento, a perseguição — todo tipo de desgraça caiu sobre ele, que seguia alegre, fazendo piada.

No momento mais trágico da vida do Padre Pio, em que ele estava prisioneiro —não podia atender ninguém e nem celebrar Missas em público —, ele chorava porque seus filhos espirituais estavam passando necessidade e ele não podia ajudá-los. Então o seu diretor espiritual, depois de um mês vendo-o sofrer com aquilo tudo (e ele ficou assim durante dois anos), perguntou: “E então? Como o senhor está vivendo?” E o Padre Pio dizia: “Eu estudo, eu rezo e faço confusão”; “Como assim ‘faz confusão’?”; “Ah, eu faço piada e pego no pé dos outros frades mais do que antes”. Um homem que sabia que é preciso levar com leveza os dramas da vida. O Padre Pio sofreu — e muito! —, mas sabia carregar seus fardos com leveza.

Ora, quando eu vejo a santidade do Padre Pio, preciso entender: o Padre Pio é meu! Deus deu o Padre Pio para nos agraciar quando o privilegiou. Eu não tenho a santidade dele nem seus estigmas. Eu não tenho a missão de São Pio de Pietrelcina nem seus carismas, mas ele é meu porque Deus me deu o Padre Pio para iluminar o meu sacerdócio e, por isso, eu tenho um farol: agora eu sei o que é ser um padre.

No momento em que a Igreja vive a maior crise de identidade do sacerdócio, Deus nos manda um padre que é um farol luminoso a indicar: “Olhem, padres, é isso aqui um sacerdote.” A nossa atitude diante dos agraciados, dos eleitos de Deus, deve ser nos alegrarmos. Como é bom termos o Padre Pio! Como é bom termos Nossa Senhora! Termos Santa Teresinha! Termos São José! Que bom termos essas pessoas que receberam graças muito mais abundantes do que nós, porque eles são nossos. Deus os privilegiou para nós.

Por que Deus privilegiou seu Filho encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo? No dia do batismo de Jesus, abriu-se o céu, desceu o Espírito Santo e Deus disse: “Eis o meu Filho muito amado, no qual eu coloquei toda a minha complacência” (Mt 3, 17). Deus privilegia Jesus por nós. Jesus é nosso! Então, nós temos de nos alegrar com o privilégio dos outros. Deus não nos trata todos igualmente. “Mas, padre, as Escrituras dizem que Deus não trata as pessoas com discriminação!” E está certo: as graças e privilégios que o Senhor concede a alguém não são uma forma de discriminação, mas eleição.

A discriminação seria uma forma de distinção injusta das pessoas. Quando digo que o ministério de música tem vozes muito mais bonitas do que a minha, não estou me discriminando, mas simplesmente reconhecendo a graça dada por Deus a eles, e não a mim. Ao constatar que, neste momento, a única pessoa que pode consagrar o Corpo e o Sangue de Cristo sou eu (o Padre Overland também pode, mas estou celebrando a Missa e ele está atendendo no confessionário), isto é um privilégio — mas é um privilégio para os paroquianos, que têm um padre para perdoar os pecados no confessionário, um padre para lhes dar a Eucaristia. Satanás tem uma raiva imensa do privilégio que os sacerdotes possuem, e por isso avança vorazmente contra os padres, que são os filhos prediletos de Nossa Senhora.

Portanto, meus queridos, a parábola do Evangelho de hoje nos ensina que Deus trata todos igualmente — dando-lhes o mesmo salário —, mas ao mesmo tempo privilegia alguns — uma vez que a quantidade de trabalho não foi igual entre aqueles contratados. E então Nosso Senhor ensina que quem não foi privilegiado não deve reagir com inveja, mas com a gratidão, reconhecendo que essas pessoas agraciadas por Deus são uma bênção para todos nós. Esta é a catolicidade da Igreja, a maravilha de sabermos que somos membros do mesmo Corpo: quando um membro é honrado, o corpo inteiro se alegra.

Quando a cabeça de um rei recebe uma coroa cravejada de jóias, é o corpo inteiro do rei que se alegra. Jesus é a Cabeça privilegiada de um só Corpo, que somos todos nós membros da Igreja. Portanto, quando Deus honra um dos membros do corpo e coloca um anel precioso em um dedo, os outros nove dedos não devem ficar com inveja, mas se alegrar. O que Satanás faz? Vê a singularidade daquele dedo que tem um anel precioso e quer cortá-lo. É assassino. Mas nós devemos nos alegrar, porque somos membros do mesmo Corpo e, quando um padece, todos padecem; quando um é honrado, todos são honrados. Eis o Evangelho deste domingo!

Vejam como foi longo o caminho que percorremos, da criação dos anjos, passando por Adão e Eva, até chegar em nossa vida concreta. Mas tudo isso foi uma luz, uma chave de leitura importante para entendermos o que o Evangelho quer nos ensinar. E, sobretudo, para vivermos a gratidão de saber que Deus tem seus eleitos, e que isso é uma grande graça para todos nós, membros do mesmo Corpo.

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