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Em que cremos e por que cremos?

Os Apóstolos são as colunas da Igreja, seja porque nos transmitiram aquilo em que devemos crer, seja porque eles mesmos foram agraciados por Deus com o dom de crer. Nesta homilia, Padre Paulo Ricardo faz uma catequese justamente sobre essa dupla característica da fé.

Texto do episódio
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Com alegria celebramos hoje a Festa do Apóstolo São Bartolomeu. Conforme antiga tradição, Bartolomeu é o mesmo Natanael que aparece no Evangelho de hoje (Jo 1, 45-51). Ele teria pregado o Evangelho no Oriente Médio e terminou morrendo esfolado: uma tortura muito dolorosa, em que seus algozes, com facas afiadas, retiraram a sua pele. Suas relíquias hoje se encontram numa catedral no sul da Itália e na Ilha Tiberina em Roma.

Tomaremos para a nossa reflexão a belíssima profissão de fé São Bartolomeu (Natanael) no Evangelho: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel” (v. 49). A partir dela, vamos meditar a respeito da Igreja que é fundada sobre a fé dos doze Apóstolos, como ouvimos na primeira leitura, do Apocalipse (Ap 21, 9b-14). O que isso quer dizer?

Em primeiro lugar, é necessário distinguir que existem dois aspectos da fé. Primeiro, a fé como conteúdo: precisamos crer nas coisas que Deus nos revelou. E qual o objeto de nossa fé? Nós cremos na revelação de Deus, que é o próprio Jesus. Cristo não é somente um mensageiro do Céu. Ele é a própria mensagem, Deus que se fez homem. Portanto, antes de tudo, cremos em Jesus num sentido profundo: cremos no que Ele disse e, sobretudo, em quem Ele é.

Na profissão de fé de Natanael, desde o primeiro momento, ele crê que Jesus é o Filho de Deus — “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por Ele todas as coisas foram feitas” —, e então Nosso Senhor diz: “Natanael, você crê nisso só porque eu disse que conheço os teus pensamentos íntimos, os teus segredos, o que pensavas debaixo da figueira? Tu verás coisas maiores. Tu verás aquilo que acabaste de professar!”

O que Natanael havia acabado de professar? Que Jesus é a escada que une o Céu e a terra; por ser “Filho de Deus”, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. E então Jesus completa essa imagem.“Verás os anjos subindo e descendo sobre o Filho do Homem.” Eis aí! Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele une o Céu e a terra.

Então essa é a primeira realidade da fé dos Apóstolos: o objeto da fé. Aquilo que em Teologia chamamos de fides quæ creditur, “a fé que se crê”. Existe um conteúdo imutável em nossa fé, com artigos definidos, como “Jesus é Deus”. Esta é a fé na qual creram os Apóstolos, entre os quais estava São Bartolomeu. É a mesma fé dos concílios ecumênicos, dos papas e dos santos ao longo dos séculos.

Citamos acima um trecho do Credo Niceno, definido no Concílio de Niceia, no ano 325: Jesus é “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por Ele todas as coisas foram feita”. Esta é a nossa fé, este é o conteúdo. Cremos em quem Jesus é, mas que Ele não é simplesmente um homem que nasceu em Belém, cresceu em Nazaré e morreu em Jerusalém. Nós cremos que Jesus é não somente um homem, mas o próprio Deus que se fez homem. Isso não é mutável! E é exatamente isso que está sendo atacado hoje em dia.

No mundo atual — e até mesmo dentro da Igreja — há pessoas querendo “conciliar” todas as religiões, dizendo que cada uma delas vê um aspecto da verdade de Deus: o cristianismo viu um aspecto, o judaísmo outro, os muçulmanos, budistas, e assim por diante. Desse modo, todas estariam certas em alguma medida. Mas isso só faria algum sentido se não existisse o cristianismo.

O fato é que existe uma única religião na qual o próprio Deus veio ao mundo e se fez homem de verdade — e está no sacrário de cada igreja, vivo! Ainda que outras religiões possam ter colhido “aspectos” de Deus, nós católicos temos a pessoa divina do Filho que veio e nos falou. 

Os muçulmanos não acreditam que Maomé é Deus. Os confucionistas não pensam que Confúcio é Deus. Os budistas não defendem que Buda é Deus. Portanto, o argumento de que todas as religiões estão no mesmo nível por colherem um determinado aspecto de Deus pode até valer para todas essas crenças. Mas não tem o menor sentido para o cristianismo, porque Jesus não é um profeta: Ele é, como diz Natanael, o Filho de Deus. Ele é a escada entre o Céu e a Terra. O único mediador entre Deus e os homens.

Nesse momento, os protestantes podem argumentar: “Sim, Cristo é o único mediador! Não existem santos”. De fato, Nosso Senhor Jesus Cristo é única escada e mediador, mas a imagem está incompleta: a escada é Jesus, mas a visão descreve “os anjos de Deus  subindo e descendo sobre o Filho do Homem”. Ora, esses anjos também são mediadores, mas não são a escada. Nesse sentido, por que os santos não poderiam também interceder através da mediação de Jesus? Afinal, se um pastor protestante pode rezar pelo seu fiel, “em nome de Jeus”, porque Santa Teresinha não poderia rezar por mim? Toda oração se vale da única escada, que é Jesus, que entrou neste mundo por uma porta chamada Maria, que também é mediadora por meio desta mesma escada, Cristo Nosso Salvador.

Cremos em Jesus, e esta é a nossa fé — fides quae. Um conteúdo imutável de fé. Jamais existirá, portanto, um Papa que lançará uma versão “revisada” do Catecismo, afirmando que antes críamos que Jesus era Deus, mas que agora a Igreja crê que Nosso Senhor é apenas um aspecto, uma metáfora, um símbolo, uma lembrança de Deus. Isso jamais acontecerá, porque a Igreja é fundada sobre a fé dos apóstolos. E isso quer dizer que aquilo em que os Apóstolos creram, aquela fé professada por Natanael — isto é o conteúdo da nossa fé — nunca irá mudar. Não há “versões atualizadas” para o objeto de nossa fé.

Nós cremos que, no mundo real, na própria essência do ser, Jesus é Deus e é homem. E a Igreja usa um termo próprio para deixar claro que isso não se trata de um um “jogo de linguagem” ou metáfora. Num outro momento de crise da Igreja, em que essa verdade era relativizada ou desacreditada, naquele Primeiro Concílio de Niceia, em 325, a Igreja usou a palavra grega ὁμοούσιος (homoousios, “consubstancial”) para indicar que Jesus é da mesma substância do Pai: “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”.

Cristo também é consubstancial a nós, porque Ele é homem, assim como nós também somos. E Ele é consubstancial a Deus porque o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. O Filho se encarnou e tem duas naturezas em uma só pessoa. Tudo isso é uma descrição ontológica, própria do ser, não uma figura de linguagem, metáfora ou poesia — apenas a descrição da verdade. Uma verdade viva, presente no sacrário para ser adorada.

Fica então evidente que temos, na Santa Igreja Católica, algo que nenhuma outra religião tem. E é por isso que, uma vez conhecida a verdade, é ilegítimo afirmar que as outras religiões têm o mesmo valor. A partir desta conclusão, a Igreja torna-se pedra de tropeço para muitos. E é exatamente por isso que os paramentos da liturgia de hoje são vermelhos. Caso São Bartolomeu tivesse relativizado a sua fé em Jesus Cristo, negando a sua divindade ou admitindo que César também poderia ser considerado um deus, o Apóstolo não teria sido martirizado.

Há também um segundo aspecto da nossa fé. É aquele que não diz respeito ao conteúdo, mas ao ato de fé. É aquilo que a Teologia chama de fides qua: a fé pela qual se crê. 

Nesse sentido, não basta termos como certo o objeto de fé, é preciso também fazermos um ato de fé. A Igreja vive porque somos capazes de fazer um ato de fé tal qual o de São Bartolomeu. Quando o futuro Apóstolo encontra-se com Jesus e diz: “Tu és o Filho de Deus”, este ato de fé, expresso em palavras, aconteceu na própria alma de Bartolomeu. Aconteceu também na alma de São Pedro, na alma de São Paulo e de todos os Apóstolos. Esse ato de fé precisa, sim, ser realizado por nós, quando de livre vontade dizemos “sim” a Deus. Mas é, sobretudo, um ato agraciado, fruto de um toque de Deus em nossa alma.

No ato de fé, nossa inteligência humana é iluminada por uma luz divina, e a nossa vontade é convidada a dizer “sim” a essa luz que é Jesus. É Ele! É verdade que Ele está vivo no sacrário. Sim, é Ele quem levanta a sua mão chagada no confessionário para perdoar os nossos pecados. Nós somos chamados a professar a fé, como São Bartolomeu.

Peçamos a Deus que a fé nunca desapareça do mundo. Jesus perguntou: “Quando o Filho do Homem voltar, Ele irá encontrar fé sobre a Terra?” (cf. Lc 18, 8) Ou seja, Ele encontrará fides qua, pessoas que realizam o ato de fé? Pessoas que guardam aquele conteúdo divinamente revelado, que é o próprio Cristo, mas com um ato iluminado pela graça, no qual a vontade unida à verdade de Deus está disposta a derramar o seu sangue como São Bartolomeu? O Filho do Homem, quando voltar, irá encontrar fé sobre a terra? A nossa resposta é: sim! No entanto, sabemos que haverá tempos em que a Igreja diminuirá de tamanho.

Em 1969, um jovem sacerdote, Padre Joseph Ratzinger, deu uma entrevista de Natal para a rádio de Regensburg (Ratisbona, na Alemanha). E naquela famosa entrevista, há mais de 50 anos, ele disse: “A Igreja diminuirá de tamanho”. Enquanto estavam todos dizendo que o Concílio Vaticano II marcaria uma primavera para a Igreja, uma florescência, um “Pentecostes”, um sucesso pastoral e causa de uma grande aumento da Igreja, o futuro Papa Bento XVI ousou ser o “desmancha-prazeres”, vendo com bastante lucidez os sinais dos tempos: “A Igreja diminuirá de tamanho. A Igreja, diminuindo de tamanho, perderá sua influência pública e o seu poder na sociedade. A Igreja, diminuindo de tamanho, perderá até mesmo os seus edifícios”.

Ratzinger estava prevendo, em 1969, o que de fato vemos acontecer em muitos lugares do mundo. A Igreja tornando-se tão pequena que precisa vender seus templos, que estão se tornando restaurantes, shopping centers, bares, museus. E o sacerdote disse também, na mesma ocasião: “a Igreja então se tornará um pequeno rebanho, mas um rebanho com a fé firme e com a identidade clara. Perseguido, porém, unido em Cristo Jesus”. Hoje, nós estamos vendo se cumprir essa “profecia” (não no sentido místico, mas fruto da inteligência aplicada à realidade).

Preparemo-nos! Não queremos que a Igreja diminua. Estamos lutando para que ela aumente! Mas preparemo-nos para que, se acontecer — como de fato já está acontecendo — de nos tornarmos uma pequena minoria perseguida, nós estejamos prontos para guardar a fé, fides quæ, o conteúdo, o Cristo, o “segredo” que queremos contar para o mundo inteiro: o mistério de Deus que se fez homem. E que nós estejamos dispostos a realizar atos de fé, fides qua, até o derramamento de nosso sangue, como São Bartolomeu.

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