Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 13, 44-46)
Naquele tempo, disse Jesus à multidão: “O Reino do Céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo.
O Reino dos Céus também é como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola”.
I. Reflexão
Continuamos a leitura do maravilhoso capítulo 13 do evangelho de São Mateus, no qual Jesus nos presenteia com parábolas maravilhosas. O Evangelho de hoje traz duas dessas, duas pedras preciosas, pedras de brilhante, pequeninas mas tão valiosas, que cabe num versículo só cada uma delas. É a parábola do tesouro escondido no campo e a do comprador que procura pedras preciosas. O que Jesus quer nos ensinar com elas? Jesus está tentando nos dizer como é o reino dos céus, ou seja, o fenômeno extraordinário de ser membro do Corpo de Cristo, de participar de sua santa Igreja. O que significa que Deus reina em nossos corações? Há muitas pessoas que ouvem a Palavra de Deus. Há centenas, milhares e milhares de crianças espalhadas pelo mundo inteiro fazendo catequese, há milhões de católicos que todos os domingos vão à Missa e ouvem a pregação… Quantos milhões de pessoas estão diariamente ouvindo a Palavra de Deus, parábolas e pregações, assistindo a filmes sobre a vida dos santos etc.! Acontece que, embora muitos estejam aprendendo coisas, só alguns as estão vendo. Expliquemos. Quando ouvimos a Palavra de Deus, uma pregação, uma aula de catequese etc., aquilo, ao menos no início, é simplesmente cultura, algo que se aprende. Aprendemos uma fórmula de catequese, entendemos uma pregação, estudamos uma parábola e podemos achar tudo muito curioso e interessante, fascinados como estamos pelo mundo maravilhoso da Igreja Católica, com suas curiosidades, coisas boas, elevadas e santas. No entanto, é somente com a atitude da oração que finalmente, meditando sobre esses grandes e preciosos mistérios, se pode enxergar o tesouro escondido.
Fr. Maria-Eugênio do Menino Jesus diz que a fórmula catequética, isto é, o que se aprende na igreja ou se ouve na pregação é como um cálice de prata. Por fora, vê-se prata, mas com a atitude de oração e escuta se descobre que o revestimento externo de prata não é a verdade completa. É só aparência externa. No fundo, o cálice é de ouro maciço. Para isso, é preciso querer ouvir a Cristo, ouvir a palavra que Deus nos dirige interiormente, dentro do coração; é preciso abrir-se para o sobrenatural, para o Deus que fala, sabendo que a palavra dita na pregação e na catequese não é do pregador nem do catequista, mas de Cristo Jesus. É interessante. O que Fr. Maria-Eugênio diz que a Igreja e a Palavra de Cristo são como um cálice de ouro maciço revestido de prata. É o contrário do que acontece na realidade! Afinal, ninguém faz um cálice de ouro para depois o revestir de prata. Pelo contrário, faz-se um cálice de prata para revesti-lo de ouro. Por quê? Porque a prata é muito mais barata. O que a Igreja nos propõe é um cálice de ouro maciço: externamente vemos prata, o que já é muito bonito, mas é somente depois de rezar, de mergulhar no sentido espiritual e profundo, que começamos a ver o tesouro escondido. Ali há algo mais, algo que só alguns veem.
Há milhões de católicos ouvindo a Palavra de Deus, vendo, admirados, o belíssimo cálice de prata, mas somente alguns enxergam que, por dentro, há ouro maciço, um tesouro escondido que vale muito mais do que aparenta. É a verdade do Evangelho. A Palavra de Cristo tem essa característica: ela é escondida, ou seja, tem bela aparência, mas de fora parece ter menos valor do que o que realmente vale. Só quem entra, penetra e mergulha no sentido verdadeiro da Palavra enxerga o tesouro escondido. O reino dos céus é como um tesouro escondido no campo. De repente, encontramos esse tesouro maravilhoso, e o que fazemos? Agora há que ser generoso e pagar o preço: um homem encontra um tesouro e ele vai alegremente vender tudo o que tem. Ele vende tudo! Por quê? Porque ali está a Palavra de Deus, que dá sentido à nossa vida. É necessário buscá-la: Buscai primeiro o reino de Deus. Não fique simplesmente no ouvir. O que lemos e ouvimos pode parecer muito bonito, mas é necessário levá-lo para a oração, isto é, dar a Jesus a chance de fazer brilhar para nós o conteúdo de ouro que está escondido debaixo das aparências de prata. Deus quer iluminar nossa vida, e se virmos o tesouro escondido, nossa vida irá mudar “pelo avesso”.
Assim entendemos como algumas pessoas alegremente entregam tudo. Para elas não é um peso. Por quê? Porque acharam o tesouro escondido. Imaginemos o homem da parábola chegar a casa e dizer à mulher: “Querida, vamos vender tudo! Casa, carro, o dinheiro que está no banco, tudo o que temos para comprar aquele terreno ali”. A mulher: “O quê?! Aquele terreno? Um mangue cheio de lodo, de sapo e de mosquito? Vamos dar tudo o que temos para comprar aquela porcaria? E onde vamos morar? Você está doido. Por que você quer comprar aquilo?”, mas ele não pode contar que ali há um tesouro escondido porque, se alguém descobrir, ele pode acabar perdendo o negócio. Mesmo considerado pela mulher como louco, ele vende tudo… e fica bilionário porque tem agora um tesouro! Com que alegria ele se desfez do carro, uma lata velha; com que alegria ele torrou todo o dinheiro do banco; com que alegria ele vendeu a casa, mesmo xingado e caluniado pela mulher: “Você está louco! Perdeu o juízo”! No entanto, ele achara um tesouro escondido. É o que temos de fazer. Rezemos e peçamos a Jesus: “Senhor, mostra-me o vosso rosto”. Então veremos o tesouro escondido.
II. Comentário exegético
Circunstâncias. — Segundo Mt., Cristo, depois de proferir parábola do fermento, despedidas as turbas, foi para casa (v. 36). Ali, explica aos discípulos a parábola do joio (v. 37-43). Logo em seguida, sem nenhuma transição, acrescenta a parábola do tesouro (v. 44), à qual se seguem as parábolas da pérola (v. 45s) e da rede (v. 47-50); por último, dirigindo-se aos discípulos, o Mestre encerra todo o discurso. Portanto, as três últimas parábolas foram ensinadas somente aos discípulos.
O tesouro (v. 44). — O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, i.e., a uma urna repleta de ouro, prata e outras pedras preciosas, que alguém outrora, em tempo de guerra ou por medo de furto, escondeu num campo, como costumavam fazer os antigos [1]; o qual, quando um homem o acha (pret. ὃν εὑρών = o que o achou), esconde-o e, pelo gosto que sente de o achar (gr. ἀπὸ τῆς χαρᾶς αὐτοῦ = pela alegria dele, i.e., que ele mesmo tem), vai e vende tudo o que tem (porque, supõe-se, de outra forma não poderia conseguir o dinheiro necessário) e compra aquele campo. O tesouro é para esse homem mais precioso que tudo o que possui.
O direito romano adjudicava a quem achasse um tesouro: “Tesouro é certa deposição antiga de dinheiro da qual não resta memória, de forma que já não tem dono. Assim, torna-se de quem o achar, por não ser [mais] de outrem” (Digest. XLI, tit. I, lei 31). — Não se sabe ao certo que direito vigia entre os judes, por serem dúbios alguns testemunhos; é provável, no entanto, que o tesouro pertencesse ao dono do campo, como parece supor a parábola. De resto, não se questiona aqui se alguém que adquirisse um tesouro deste modo agiria retamente ou não; trata-se apenas de declarar a felicidade de quem possui um tesouro.
A pérola (v. 45-46). — A pérola (ὁ μαργαρίτης) era estimada como a mais preciosa de todas as pedras: “Têm as pérolas o principado e o cume das coisas de valor” (Plínio, Hist. Nat. IX 34). — Como certo negociante, à procura de boas (gr. καλούς = belas) pérolas, encontrasse uma delas e de grande preço, vai, vende tudo o que tem para conseguir dinheiro e a compra. Plínio expõe o valor das pedras preciosas: “Todo o valor das coisas raras está no brilho, no tamanho, na esfericidade, na leveza, no peso…” (ibid. 35).
Doutrina espiritual das duas parábolas. — Com esta dupla semelhança Cristo mostra qual é o preço e a excelência do reino dos céus: é necessário antepor as riquezas do reino a todas as outras coisas. Logo: Assim como aquele homem vendeu tudo, e alegremente, a fim de comprar o tesouro descoberto; assim como o negociante, tendo achado uma única pérola preciosa, vendeu tudo o que possuía, a fim de adquiri-la; assim também, para lucrar os bens do reino de Deus, é necessário entregar livre e alegremente quaisquer outros bens que se possuam, i.e., todas as comodidades temporais. “Uma só coisa é necessária, e por esta única se devem deixar todas” as outras (Vosté, 264).
A maioria dos intérpretes pensa que ambas as parábolas ensinam a mesma doutrina. Alguns poucos, seguindo a Jansênio, identificam uma leve diferença entre elas, na medida em que parecem revelar um duplo aspecto do reino dos céus, o qual ora se nos oferece sem que o estivéssemos buscando (o tesouro), ora se deixa buscar com grande esforço e empenho nosso (a pérola).
III. Comentário de Santo Tomás (Super Matt. 13, l. 4, nn. 1187-1195)
Acima, o Senhor mostrou parabolicamente tanto o impedimento quanto o desenvolvimento da doutrina evangélica; agora porém mostra a dignidade dela por algumas parábolas que expôs aos discípulos. A dignidade se mostra quanto a três coisas: 1) quanto à copiosidade, 2) quanto à beleza e 3) quanto à comunidade. A segunda em: O reino dos céus é também semelhante a um mercador etc. ; a terceira em: O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar etc.
1) A semelhança do tesouro. — Digo, pois, que a cópia da doutrina evangélica está na semelhança do tesouro, porque assim como um tesouro é cópia de riquezas, assim também a doutrina evangélica: A sabedoria e a ciência assegurarão a tua salvação; o temor do Senhor será o teu tesouro (Is 33, 6). Acerca disso assim procede: a) primeiro, põe-se o tesouro escondido; b) segundo, a invenção; c) terceiro, a aquisição etc. O segundo em: O qual, quando um homem o acha; o terceiro em: Pelo gosto que sente de o achar.
a) O tesouro escondido. — Pode-se expor este tesouro de múltiplas maneiras: α) Segundo Crisóstomo, é a doutrina evangélica, sobre a qual 2Cor 4, 7: Temos este tesouro em vasos de barro, que foi escondido no campo deste mundo, i. e., aos olhos dos imundos: Escondeste estas coisas aos sábios e aos prudentes (Mt 11, 25). — β) Segundo Gregório, é o desejo celeste: O temor do Senhor será o teu tesouro (Is 33, 6). Ele foi escondido no campo da disciplina espiritual porque exteriormente parece desprezível, interiormente porém tem doçura: Trata cuidadosamente do teu campo (Pv 24, 27). — γ) Segundo Jerônimo, é a palavra de Deus, sobre a qual Col 2, 3: No qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência, que Ele escondeu no campo de seu corpo, porque estava oculto na carne: E não têm fim os seus tesouros (Is 2, 7). — δ) Assim, noutro sentido, entende-se a sacra doutrina, que está escondida no campo da Igreja: Ela é um tesouro inesgotável para os homens (Sb 7, 14).
b) A invenção do tesouro. — O qual, quando um homem o acha. Encontra-se em todos pela fé. De fato, não pode estar em alguém a não ser pela fé: Ele se deixa encontrar pelos que o não tentam, e manifesta-se aos que têm confiança nele (Sb 1, 2). Mas é necessário que se esconda, segundo o que é dito: Guardo no meu coração a tua palavra (Sl 118, 11). Mas, que seja escondido, deve ser não por inveja, mas por cautela. Por isso são múltiplas as razões por que deve ser escondido: α) Uma, porque mais frutifica e aumenta, porque mais se abrasa; com efeito, assim como a madeira encerrada esquenta mais, assim também a palavra quando está escondida: A palavra do Senhor ardia no meu coração como um fogo abrasador, encerrado nos meus ossos; esforçava-me por o conter, mas não podia (Jr 20, 9). E em Sl 38, 4: O meu coração inflamou-se dentro de mim; no decorrer da minha meditação, um fogo se ateou. — β) Também porque é escondido por vanglória: de fato, se fumega exteriormente, corre perigo. Por isso o Senhor disse acima Ora a teu Pai no escondido (Mt 6, 6). — γ) Também porque assim fica guardado com mais segurança: de fato, quando está em público, quem o encontra leva-o: Que mostrou os tesouros aos mensageiros da Babilônia, e acrescenta-se: Eis que virão dias em que todas as coisas, que há na tua casa (cf. Is 39, 4.6).
Dubium: Mas por que é que foi dito acima: Brilhem vossas boas obras (Mt 5, 15)? Resolve-se por causa da distinção de tempos: porque, quando é achado pela primeira vez, é bom que seja escondido; mas quando o homem é confirmado, então é bom que se manifeste: Se a sabedoria está escondida e o tesouro é invisível, que utilidade pode haver em ambas estas coisas? (Eclo 41, 17). Gregório diz que deve ser aberto em seus efeitos, mas escondido no coração. Daí diz assim: “Que a obra seja manifesta, embora a intenção permaneça oculta”.
c) A aquisição do tesouro. — Pelo gosto que sente de o achar, vai, e vende tudo o que tem. Este é o terceiro, sobre a aquisição, porque se alegra: Buscam mais ardentemente que um tesouro, e ficam transportados de alegria quando encontram o sepulcro (Jó 3, 21). Quando, pela fé, o encontrar, por causa da alegria vai e começa a progredir e vende tudo, i.e., despreza-o a fim de ter os bens espirituais, e compra aquele campo, quer dizer, ou busca para si boa sociedade [i.e., o convívio dos justos e virtuosos] ou compra para si o ócio que não tem, a saber: a paz espiritual. Em Fp 3, 8: A todas as coisas eu as considero como esterco, para ganhar a Cristo; Ct 8, 7: Se um homem desse todas as riquezas de sua casa pelo amor, ele a desprezaria como um nada etc.
2) A semelhança da pérola. — O reino dos céus é também semelhante a um mercador etc. Aqui se mostra a beleza, ou a careza. Esta parábola é exposta de múltiplas maneiras.
a) Crisóstomo e Jerônimo a expõem em referência à doutrina evangélica. Muitas são as doutrinas falsas. Estas não são pérolas. O homem, pois, que busca diversas doutrinas encontra uma, a saber: a doutrina evangélica, que é uma [i.e., única] por ser a verdadeira. As virtudes, com efeito, são muitas, mas a verdade é uma só. Daí diz Dionísio que a virtude divide, mas a verdade dá unidade. Daí que para designar a verdade lhe chame uma. Também se diz uma por causa da diversa doutrina dos profetas. Vai e vende, i.e., deixa por esta todas as doutrinas tanto dos profetas quanto dos filósofos: Como um anel de ouro e uma jóia refulgente, assim é a repreensão dada por um sábio a um ouvido dócil (Pv 25, 12).
b) Gregório diz que esta [pérola] é a glória celeste porque o bem é naturalmente desejável, e o homem sempre quer comutar um bem menor por um bem maior. Ora, o sumo bem do homem é a glória celeste; quando a encontra, deve deixar tudo por ela: Uma só coisa peço ao Senhor, esta solicito: é que eu habite na casa do Senhor todos os dias da minha vida (Sl 26, 4).
c) Agostinho a expõe de três maneiras: α) O reino dos céus é semelhante etc., i.e., a quem busca homens bons com quem se instruir, porque um se sobressai numa virtude, outro em outra. E, tendo-a encontrado, i.e., a Cristo, no qual todas as virtudes estão em grau sumo, vai etc. — β) Também, noutro sentido, pelas boas pérolas são significados diversos preceitos e tudo o que é necessário à vida. E, quando encontrar uma, i.e., o primeiro mandamento, a saber: da caridade, vai etc.: Dou-vos um novo mandamento: Que vos ameis uns aos outros: assim como vos amei, que vos ameis também uns aos outros etc. (Jo 13, 34). E o Apóstolo Paulo em Rm 13, 10: O amor é a plenitude da lei. — γ) Também, noutro sentido, pelas pérolas se entendem diversas ciências, buscando as quais encontramos o princípio de todas as ciências, a saber: a palavra de Deus, sobre o qual Eclo 1, 5: A fonte da sabedoria é o Verbo de Deus. Daí que deves vender por ele os bens terrenos, a alma e o corpo porque, quando vendes estas coisas, te possuis a ti mesmo e és senhor de ti. Em Fp 3, 8: A todas as coisas as considero como esterco, para ganhar a Cristo. Daí que deves dar tudo por este lucro: Um morreu por todos, a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles (2Cor 5, 14).
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