Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 22, 34-40)
Naquele tempo, os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ‘Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”
Com grande alegria celebramos hoje a memória de São Bernardo de Claraval, abade e Doutor da Igreja, apelidado de Doutor Melífluo pela doçura com que pregava o Evangelho e convertia as almas. São Bernardo é uma dessas personagens históricas que mudaram os rumos da Igreja, por isso é importante conhecê-lo e dele ser devoto. Quem foi São Bernardo? Localizemo-nos no tempo. São Bernardo nasceu no final do séc. XI, início do XII, época em que a Igreja exercia grande poder espiritual por meio da educação e da pregação do Evangelho. Os reis eram todos muito atentos ao que a Igreja dizia, e as leis se inspiravam em boa medida nos valores cristãos. A fé chegara ao seu auge, e isso aconteceu por quê? Porque nos séculos anteriores houve cristãos que se dedicaram ao estudo do Evangelho e à busca da santidade. Trata-se sobretudo do movimento beneditino de Cluny, decisivo para a civilização e o destino da Europa. No entanto, apesar daqueles grandes esforços e sucessos de evangelização, Cluny entrou em decadência, cujas causas não cumpre agora analisar. O fato é que alguns monges quiseram renovar o espírito de santidade de Cluny e, por isso, decidiram fundar um novo mosteiro. Assim nasceu o mosteiro de Cîteaux, na Borgonha, berço da Ordem dos Cistercienses, beneditinos consagrados na mais perfeita pureza. O fundador dele foi São Roberto, sucedido por Santo Estêvão.
A certa altura, no entanto, começaram a escassear as vocações, de maneira que Cister chegou a ponto de fechar as portas. Vai senão quando, aparece um homem chamado Bernardo, seguido por trinta cavaleiros, clamando todos em uníssono: “Queremos ser monges, queremos ser santos também”. Mas como, de uma hora para outra, um grupo de tantos rapazes resolve ir a um mosteiro buscar a santidade? Devido à influência e à liderança de Bernardo, de origem nobre, mas muito preocupado com a questão fundamental: Bernarde, ad quid venisti?, “Bernardo, a que vieste?”, quer dizer, por que estou neste mundo? Orando, ele se deu conta de que sua única missão no mundo era alcançar o céu, e foi isso que se determinou a conseguir. Ele manifestou sua resolução a parentes e amigos, entre os quais se contavam muitos nobres e cavaleiros. Naturalmente, todo o mundo se opôs, mas Bernardo foi tão convincente, movido como era pela graça divina, que os que antes eram contra sua entrada no mosteiro resolveram entrar também eles!
Passados apenas dois anos, o então abade de Cister, Santo Estevão Harding, viu a grandeza de Bernardo, que acabara de sair do noviciado, e mandou-o como abade de uma nova fundação, num vale tão insalubre, que era conhecido como Vale do Absinto. Não obstante, Bernardo conseguiu transformar aquela pobreza e miséria de lugar numa grande abadia, apelidada de Claraval (Clairvaux), que significa Vale da Luz, ou, ao pé da letra, Vale da Clareza”, em razão de sua rápida e extraordinária fecundidade em vocações. De fato, Claraval chegou a abrigar cerca de 700 monges. Bernardo passou então a fazer mais fundações, não somente na França e na Itália, mas em outros países, levando seus monges a entregar-se por inteiro a Jesus Cristo, com amor e devoção.
Era um tempo extraordinário, em que os reis e os nobres levavam a sério as coisas de Deus, e Bernardo, de certo modo, foi o homem mais importante da Europa naquela época, pois era a ele que todos, fossem Papas, bispos ou reis, iam pedir conselhos. Isso, como não podia deixar de ser, atraiu a inveja de muitos. Um bispo chegou a dizer que, se Bernardo fosse realmente um bom monge, não perderia tempo a dar conselhos políticos, mas se recolheria quieto às suas orações. Ao saber disso, Bernardo respondeu, para a surpresa do detrator, que este tinha toda a razão: “Sim, é verdade. O que quero é ser monge. Deixai-me pois ser de Deus e não me venhais procurar mais sobre tais assuntos!” Diante desse gesto de humildade, o mesmo bispo reconheceu em Bernardo um verdadeiro santo e, tendo antes o criticado por dar conselhos, decidiu ele mesmo ir pedir-lhos e aconselhar a outros que lhos pedissem!
De onde vem isso? Do que chamamos “autoridade”, auctoritas, que em grego se diz “exousia” (ἐξουσία). De fato, há uma diferença entre poder e autoridade: o primeiro é usado para impor-se aos outros à força, o segundo leva os outros a sujeitar-se por respeito. Quem tem poder nem sempre tem autoridade, mas quem tem autoridade não precisa de poder: seu modo de ser (ἐξουσία, com efeito, vem de ousia, ουσία, “substância”, “realidade”), isto é, sua autenticidade inspira respeito e reverência, razão por que não necessita recorrer à violência para influenciar os outros. Ora, era a virtude de São Bernardo o que fazia todos reconhecerem seu valor. Não era necessário erguer cartaz ou fazer propaganda. Todos os que viam a virtude e a santidade daquele homem o procuravam. Sua influência era tão forte como espontânea, de modo que as mulheres, quando ouviam dizer que Bernardo passaria pela região, impediam os maridos de sair de casa, para que eles, arrebatados pelo exemplo daquele varão evangélicos, não decidissem ser monges. Tal era a autenticidade, a auctoritas dele.
Eis o grande São Bernardo, Doutor da Igreja! Mas o que ele nos pode dizer hoje? O mesmo que ele se perguntou: Bernarde, ad quid venisti?, “Bernardo, que viestes fazer a este mundo?” E nós? Já paramos para pensar nisso? Quando nossa vida aqui terminar, de que nos valerão as glórias e riquezas mundanas, se no fim perdermos a herança celeste? Quando Bernardo entrou no mosteiro pela primeira vez, levou consigo quatro de seus irmãos, mas deixou para trás o caçula, dizendo: “Tu és novo demais. Não podes fazer nada aqui conosco. Serás portanto o herdeiro de nossas posses e títulos de nobreza”. O menino cresceu e, tempos depois, foi dizer aos irmãos: “Vós escolhestes a melhor parte entregando-vos a Deus, mas me deixastes com o fardo das riquezas mundanas!” Ele então vendeu todos os seus bens e fez-se monge. Que viestes fazer? É a pergunta que todos nós temos de fazer. Pode ser que Deus não nos chame a vender tudo o que temos, uma coisa porém é certa: como Bernardo, viemos ao mundo para conquistar o céu!
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