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Texto do episódio
04

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 8,5-11)

Naquele tempo, quando Jesus entrou em Carfanaum, um oficial romano aproximou-se dele, suplicando: “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia”. Jesus respondeu: “Vou curá-lo”. O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado. Pois eu também sou subordinado e tenho soldados sob minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!, e ele vai; e a outro: ‘Vem!, e ele vem; e digo a meu escravo: ‘Faze isto!, e ele o faz”. Quando ouviu isso, Jesus ficou admirado, e disse aos que o seguiam: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé. Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó”.

I. Reflexão

Iniciamos o Advento, tempo em que refletimos sobre a vinda de Cristo às nossas vidas. A palavra “advento” quer dizer exatamente isso: adventus é a vinda de Cristo. (Existe outra palavra para dizê-lo em grego: παρουσία.) Ora, Cristo vem de três maneiras diferentes. No tempo do Advento, nós nos preparamos para celebrar sua primeira vinda na carne, quando foi concebido no seio da Virgem Maria. É uma preparação para o Natal do Senhor. Mas temos o olhar voltado também para a segunda vinda dele no final dos tempos, em glória e majestade, para julgar os vivos e os mortos. E existe uma terceira vinda, e é dela que colhemos maiores frutos neste tempo. É a vinda de Cristo a nossas almas. O Evangelho de hoje nos ajuda a viver essa realidade. Trata-se aqui do famoso episódio em que o Senhor entra em Cafarnaum, e um oficial romano suplica-lhe que cure um seu criado. Jesus se dispõe a ir à casa do oficial, mas este sabe perfeitamente que o Mestre não poderia entrar em casa de pagão, porque isso tornava os judeus legalmente impuros. Humilde, ele diz ao Senhor algo que repetimos em todas as Missas: Senhor, não sou digno de que entreis em minha morada; mas dizei uma só palavra, e o meu servo será curado. Jesus, admirado, diz nunca ter encontrado em Israel uma fé como a deste centurião romano. Aplicando-o à nossa vida, temos de notar em primeiro lugar que Jesus não precisou ir à casa do oficial. Por quê? Porque Cristo já morava no coração dele graças àquele mesmo ato de fé. Sim, a virtude da fé tem o condão de unir nossa alma a Jesus Cristo. De fato, as três virtudes teologais infusas em nossa alma no dia do Batismo têm a finalidade de nos unir a Deus de diferentes modos: a fé, ato do intelecto, nos dá acesso à Verdade primeira; a esperança e a caridade, atos da vontade, nos unem ao Bem divino. Mas o que é a fé, precisamente? A fé, antes de tudo, consiste em crer na autoridade de Deus revelante. Deus não se engana nem engana ninguém, por isso sua palavra é digna de toda a fé. Quando os homens dizem algo, podem estar sinceramente enganados, ou ter maliciosamente a intenção de enganar, razão pela qual a fé na palavra humana é, em si mesma, frágil e revogável. Com Deus não é assim. A ele é devida obediência total da fé. Se Cristo nos diz que sob as aparência de pão na Eucaristia está realmente presente o seu Corpo, nós o cremos por causa de sua palavra e autoridade. Ele, infinitamente sábio e fiel, não se engana nem engana ninguém. Ora, quando se tem fé em Cristo, ele, ressuscitado e glorioso no céu, está de algum modo unido ao que crê, ainda que este não seja digno de recebê-lo na própria morada. Mas é Cristo quem quer ir até ele! Ora, assim como o centurião voltou para casa e viu o servo curado, também nós, se tivermos fé e a exercermos constantemente, notaremos as curas que ele irá operando em nossa alma: mais paciência, mais devoção, mais temperança etc. Vivamos, pois, esse tempo do Advento sabendo que a vinda de Cristo a nossas almas se dá, entre outras coisas, pelo ato de fé como a do centurião romano: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra, e serei salvo

II. Comentário exegético

Explicação do texto. — (Lc 7,2ss) Como Jesus tivesse entrado em Cafarnaum, aproximaram-se alguns anciãos dos judeus, enviados por certo centurião, rogando que fosse à casa dele para lhe curar um servo (δοῦλος; em Mt: παῖς = filho, menino) a quem muito estimava, acamado por uma paralisia e prestes a morrer. Os anciãos falam a Jesus da benevolência do centurião e de suas boas obras em benefício dos judeus. E Jesus disse-lhe(s): Eu irei e o curarei (Mt). O Senhor disse isto a fim de manifestar a sua misericórdia, ou talvez (com intenção condicionada) para dar ao oficial ocasião de manifestar sua fé. 

NB — 1) As legiões romanas (formadas cada uma por 6000 soldados de infantaria e 300 cavaleiros) dividiam-se em 10 coortes (de 600 homens); cada coorte constava de 3 manípulos; um manípulo, por sua vez, continha 2 centúrias, a cada uma das quais presidia o correspondente centurião (ἑκατόνταρχος). — 2) Não se sabe ao certo se o centurião mencionado no Evangelho procedia dos legionários romanos ou se estava adstrito ao exército de Herodes. A última hipótese é mais verossímil, pois a cidade de Cafarnaum pertencia aos domínios do tetrarca. Da narração de Lc se depreende que este centurião era prosélito do judaísmo; do contrário, não se poderia entender a atitude e a fala dos anciãos: Ele merece que lhe faças esta graça, porque é amigo da nossa nação, e até nos edificou a sinagoga (Lc 7,4s).

V. 6s. Aproximando-se Jesus da casa em companhia dos judeus, mandou-lhes o centurião outros homens — desta vez amigos — para que em seu nome dissessem ao Mestre: Senhor, não te vexes, expressão com que a Vg traduz μὴ σκύλλου, fórmula gr. de urbanidade, i.e. ‘não te incomodes’ (em vir), porque eu não sou digno… O centurião julga-se indigno de receber Cristo em sua casa, e roga: dic verbo (εἰπὲ λόγῳ; em Mt: μόνον εἰπὲ λόγῳ), i.e. não só ‘diz com a boca’, mas ‘ordena com uma única palavra, e se fará a cura’.

As palavras do centurião revelam tanta fé, humildade e reverência a Cristo, que a Igreja as introduziu na sagrada Liturgia no momento de administrar a santa sinaxe: Domine, non sum dignus etc., repetidas seis vezes (três pelo sacerdote, antes de comungar; outras três pelos fiéis, antes de receber a comunhão).

V. 8. (cf. Mt 8,9). Em seguida, dá a razão do pedido: Pois também (καὶ γάρ concessivo = καίπερ, ‘ainda que’) eu sou um homem constituído sob potestade, i.e. subalterno, sujeito à autoridade do comandante e do tribuno, e no entanto tenho soldados às minhas ordens que obedecem prontamente aos meus mandados; quanto mais tu, Senhor, que não estás sob o poder de ninguém, poderás dar ordem às doenças!

V. 9. (cf. Mt 8,10) Ouvindo isto, Jesus admirou-se. Admirou-se, não pelo imprevisto da situação, pois ele tudo sabia, mas porque falou à maneira de quem está surpreso. No entanto, se se considera a ciência de Cristo adquirida, foi verdadeira a admiração, pois houve nele algo conhecido como novo, antes desconhecido segundo este modo de conhecimento, por cuja recente apreensão sentia-se admirado [1]. — E, voltando-se para a multidão que o seguia, disse: Em verdade vos digo que nem em Israel encontrei tanta fé (em Mt: Em ninguém em Israel encontrei tal fé), i.e. desde o início de minha pregação, o que se há de entender não em sentido absoluto, referido a todos em geral, mas relativo, ou seja, referido aos que se aproximavam do Senhor, sobretudo aos que lhe pediam milagres.

Note-se a diferença entre a fé do centurião no poder de Cristo e a fé do funcionário real, que rogara a presença corporal de Cristo (cf. 4,49). Marta mesmo, após conviver muito com o Mestre, chegou a confiar antes na oração que no mero poder de Cristo (cf. Jo 11,21ss).

— Mt (cf. 8,11) introduz aqui a pregação sobre a vocação dos gentios, colocada por Lc noutra ocasião (cf. 13,28). O contexto de Lc é mais congruente, mas tampouco é inadequado o de Mt, pois ‘a fé do centurião foi como certo prelúdio e exemplar da fé dos gentios’ (Knabenbauer). Digo-vos pois que virão muitos não judeus do Oriente e do Ocidente, i.e. de todas as partes do mundo, e se sentarão com Abraão, Isaac e Jacob no reino dos céus (cf. Ml 1,11), i.e. terão a mesma sorte que os egrégios progenitores do povo judeu, entrarão no reino de Deus com o mesmo direito que eles. A felicidade messiânica é descrita frequentemente como um banquete ou festim tanto nas Escrituras (cf. Is 25,6ss; Sl 35,9; Lc 14,15; Mt 22,1; Ap 19,9 etc.) quanto nos escritos rabínicos. Trata-se de uma ótima imagem, que põe diante dos olhos, em cores vivas, a alegria dos habitantes do reino, i.e. a segurança, a comunhão de bens etc.

V. 12. Ao mesmo tempo, prenuncia Jesus a reprovação dos judeus por causa de sua infidelidade: Os filhos (i.e. herdeiros) do reino, aos quais este fora prometido de modo especial, e para o qual foram chamados primeiro que os outros povos, serão lançados nas trevas. Entre os judeus, com efeito, os banquetes costumavam ser celebrados à noite, sob a luz de lâmpadas e tochas, enquanto os que não haviam sido convidados permaneciam fora, na escuridão da noite. (Antigamente, as ruas das cidades careciam totalmente de luz.) Assim, pois, como os banquetes são símbolo da glória celeste, assim também as trevas exteriores, o choro e o ranger de dentes significam o desespero dos excluídos da festa (em sentido escatológico: dos réprobos). — Choro e ranger de dentes não são sinais de frio ou baixa temperatura, mas de desolação espiritual; ali porém haverá, quer dizer, ‘o que se padece aqui na terra não é digno do nome sofrimento, mas ah! o que lá se há de padecer…!’

1. O centurião, modelo de fiel cristão. a) A do centurião é: — α) digna de admiração, capaz de “surpreender” o próprio Cristo. “Era decerto surpreendente que um homem que não pertencia ao número dos judeus pensasse de Cristo tamanhas coisas; pois, assim me parece, o centurião há de ter concebido que, assim ele como tinha às suas ordens alguns soldados, Cristo teria às suas os exércitos celestes, as doenças, a morte e todas as outras coisas” (São João Crisóstomo). — β) Iluminada. Jairo, ao pedir pela filha, não rogou: Dize uma só palavra [2], mas: Vem, impõe-lhe as mãos (Mt 9,18); Nicodemos, ao ouvir o mistério da regeneração batismal, duvidou: Como pode um homem renascer? (Jo 3,4); Maria e Marta lamentaram: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido (Jo 11,21). O centurião, porém, mostra ter de Cristo mais alto conceito. — γ) Humilde. “O Senhor aquiesce; o centurião se escusa e, pondo de lado a arrogância militar, mostra-se reverente, fácil para crer e pronto para venerar” (Santo Ambrósio, In Luc. V, n. 85).

b) A humanidade do centurião brilha “porque se apressa solícito a recobrar a saúde do servo, como se a morte dele o fora prejudicar, não nos bens da fortuna, mas em sua própria salvação. Julgo, pois, que este centurião não fazia entre servo e senhor nenhuma distinção, ciente de que, embora neste mundo haja entre eles diferente dignidade, uma só e comum a ambos é a natureza humana. Por isso, antes honrava no homem a imagem de Deus do que desprezava no servo a condição de cativo, permitida e até assumida por Ele devido aos pecados dos homens, e não criada por Deus segundo a sua justiça. Se tu, senhor, destes algo em paga pelo servo, não te esqueças de que nele infundiu Deus o seu próprio Espírito” (Opus. imp., hom. 22, n. 5) [3].

2. Donde tanta fé em um gentio? Tinha ele a alma simples e piedosa, como vemos em São Lucas (cf. 7,5); ouvira falar de vários milagres feitos por Cristo, do filho do régulo por Ele curado à distância com uma única palavra (cf. Jo 4,50), do demônio por Ele expulso na sinagoga (cf. Lc 4,33), da cura da sogra de Pedro e de muitas outras curas feitas na tarde daquele mesmo dia (cf. Lc 4,39ss). Ora, como tudo isso tivesse acontecido em Cafarnaum, o centurião dificilmente poderia ignorá-las, pois a sua fama ia-se espalhando por todos os lugares da região… Entretanto dilatava-se cada vez mais a fama do seu nome (Lc 4,37; 5,15). De tudo isso, portanto, hauriu ele, ajudado pela graça de Deus, aquela sublime noção do domínio e poder de Cristo sobre todas as doenças, assim como aquela suma reverência com que se reputou indigno de o receber na própria casa. O que um gentio aprendera com as obras de Cristo, recusavam-se a aprendê-lo e entendê-lo os que, instruídos na doutrina da Lei de Deus e alertados por João Batista sobre a vinda iminente do Messias, eram eles mesmos testemunhas de obras que nenhum homem nunca antes tinha feito [4].

Referências

  1. Jesus crescia em sabedoria (τῇ σοφίᾳ, cf. Lc 2,52), não em sua ciência divina, beata ou infusa, que eram perfeitíssimas desde o início, mas em sua ciência adquirida ou experimental, possuída segundo a proporção dos fantasmas (cf. Santo Tomás de Aquino, STh III 9, 4; 12, 2), i.e. ao nosso modo (humano) de conhecer, uma vez que, enquanto perfeito homem, tinha alma racional, a qual, unida ao corpo, conhece por abstração de imagens sensíveis.
  2. Comentando esse v., escreve Cornélio a Lapide (Commentarii in Sacram Scripturam. Nápoles, 1854, vol. 2, p. 191): ‘Dize uma só palavra, i.e. manda com a palavra, o que é dizer: Não é necessário que venhas tocar meu servo, senão que, mesmo ausente, basta que dês uma ordem, e num instante ele ficará curado. Portanto, o centurião cria que Cristo era Deus, o qual, estando presente em todos os lugares, impera e opera o que quer; ou que Cristo era certamente um profeta exímio e caríssimo a Deus, a saber: o Messias prometido aos judeus, que em nome de Deus governaria todas as coisas na Judéia à sua vontade: Ele disse, e foi feito; mandou, e existiu (Sl 32,9)’. 
  3. Trad. levemente adaptada de H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 4.ª ed., iterum recognita a J. Prado. Marietti, 1930, vol. 1, p. 327s, n. 221.
  4. Trad. levemente adaptada de J. Knabenbauer, ‘Commentarius in Evangelium secundum Matthæum’, em: R. Cornely, J. Knabenbauer, Fr. de Hummelauer et al., Cursus Scripturæ Sacræ. 3.ª ed., Paris: P. Lethielleux (ed.), 1922, p. 370. — É semelhante à interpretação de Maldonado: ‘É crível que o centurião tenha ouvido falar como Cristo curara, não havia muito, um leproso apenas com a palavra: Eu quero, fica curado; daí concebeu tanta fé, que não teve dúvida de que ele poderia fazer o mesmo por seu servo’ (In Matth. VIII 8).

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