Abusos durante a celebração da Santa Missa parecem ter-se tornado a regra em muitos lugares. Em tempos litúrgicos mais solenes, então, essas arbitrariedades se multiplicam indefinidamente e, com a internet, chegam cada vez mais rápido ao conhecimento das pessoas, agravando o escândalo que provocam.
Antes de perguntar o porquê de tanta arruaça dentro do templo de Deus, é preciso considerar a gravidade desses abusos. Infelizmente, de forma geral, prevalece a mentalidade de que os verdadeiros problemas estão fora do templo, os assuntos mais prementes são os sociais, e as questões relativas ao culto divino são muitas vezes tratadas como “formalismos” exagerados ou mesmo coisa de gente “farisaica”.
Seria o caso de perguntarmos, então, se personalidades recentes da história da Igreja — santos canonizados! — estariam erradas, por tratar sempre com tanto zelo e cuidado da santa Eucaristia.
Madre Teresa de Calcutá, por exemplo, que passava horas a fio diante do Santíssimo Sacramento, confidenciou certa vez a um padre que seria impossível ela manter suas obras de caridade sem esse contato íntimo com Jesus, todos os dias [1]. São João Paulo II, por sua vez, poucos anos antes de morrer, pediu expressamente a seus colaboradores que redigissem um documento para frear os abusos litúrgicos na Santa Missa: “A Eucaristia”, ele dizia, “é um dom demasiado grande para suportar ambiguidades e reduções.” [2]
O respeito à liturgia, portanto, não é uma questão supérflua, mas um problema de fé. Não é que Santa Teresa de Calcutá ou São João Paulo II fossem “carolas” alienados; eles simplesmente criam na presença real de Jesus na Eucaristia. Se, como diz a fé católica de sempre, sob o pão e o vinho consagrados durante a Missa estão verdadeiramente o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor, como tratar essa temática com um dar de ombros, como se fosse coisa marginal ou de pouca importância? O que é um abuso litúrgico, senão uma ofensa direta à majestade de Deus, presente neste sacramento?
Ainda a esse respeito, poucas palavras são tão contundentes quanto as de Santo Tomás de Aquino, citadas pelo documento Redemptionis Sacramentum:
Quando se comete um abuso na celebração da sagrada Liturgia, verdadeiramente se realiza uma falsificação da liturgia católica. Tem escrito Santo Tomás: “Incorre no vício de falsidade quem, da parte da Igreja, oferece o culto a Deus contrariamente à forma estabelecida pela autoridade divina da Igreja e seu costume” (S. Th., II-II, q. 93, a. 1). [3]
Foi essa, a propósito, a instrução publicada pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, a pedido de São João Paulo II. Nela é possível ler uma das principais causas, se não a principal, dos desrespeitos que se cometem na liturgia: “Os abusos se fundamentam com freqüência na ignorância”, pois quase sempre significam “uma rejeição daqueles elementos cujo significado mais profundo não se compreende e cuja antigüidade não se reconhece” [4].
Isso significa que, à parte os que agem deliberadamente para deformar a fé das pessoas — os quais (queremos acreditar que) são poucos —, a maior parte dos abusos deriva de má formação, desconhecimento. Daí a queixa de Deus aos seus sacerdotes, ainda no Antigo Testamento: “O meu povo se perde por falta de conhecimento” (Os 4, 6).
Se as pessoas soubessem, se fossem ensinadas a reconhecer o valor da Eucaristia, a dignidade da Santa Missa, a importância de receberem bem a Sagrada Comunhão… elas não fariam o que fazem; ou melhor, sequer sentiriam necessidade de tantas invencionices! Justamente por não saberem, elas “precisam” do teatro, do espetáculo, da farofada; justamente por não conhecerem, elas precisam dos rojões e das salvas de palmas. Por trás de tudo isso, de modo geral, não estão pessoas mal intencionadas, mas quase sempre é possível identificar pessoas mal catequizadas.
O pior de tudo é o círculo vicioso gerado pelos abusos litúrgicos. Eles não só provêm da ignorância e da descrença, como conduzem a essas mesmas coisas, obscurecendo “a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento” [5] e impedindo as pessoas de fazer uma verdadeira experiência com Jesus Cristo.
Em toda liturgia, deveríamos ser capazes de reconhecer o Senhor no partir do pão, como fizeram os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35). Afinal de contas, é Ele o centro de toda celebração eucarística; é em comunhão com Ele que queremos entrar em toda Santa Missa! Mas talvez estejamos perdidos demais, preocupados com carros alegóricos e fogos de artifício… e, como consequência, também os fiéis ficam perdidos, sem referencial, aplaudindo não se sabe quem, por causa de não se sabe o quê, a fim de celebrar… alguma coisa qualquer.
Não há outro remédio para essa grave “falsificação da liturgia católica”, a não ser voltarmos ao ensino da fé, através tanto da catequese quanto de uma liturgia fielmente celebrada. Como ensinava o Papa São João Paulo II:
A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios. […] O sacerdote, que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso mas expressivo o seu amor à Igreja. […] A ninguém é permitido aviltar este mistério que está confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal. [6]
Também nas palavras do atual prefeito da Congregação para o Culto Divino, o Cardeal Robert Sarah:
Quando Deus aparece, só o louvor deve fluir de nosso coração. Por isso, toda forma de exibição que passe a impressão de um espetáculo deve desaparecer. Por que mostrar a vaidade de uma ação profana ou de uma palavra mundana perante a infinita grandeza de Deus? [7]
Observem o triste espetáculo de algumas celebrações eucarísticas… Por que tanta frivolidade e mundanidade no momento do santo Sacrifício? Por que tanta profanação e superficialidade, dada a extraordinária graça sacerdotal que nos torna capazes de tornar o Corpo e o Sangue de Cristo substancialmente presentes pela invocação do Espírito? Por que alguns acham que são obrigados a improvisar ou inventar […]? Seriam as palavras de Cristo insuficientes, tornando necessário multiplicar-se palavras meramente humanas? Em um sacrifício tão único e essencial, que necessidade há de uma tal exibição de imaginação e criatividade subjetiva? [8]
Atendamos, pois, a um dos últimos desejos do coração de São João Paulo II e — por que não dizê-lo? — do Coração do próprio Cristo. Se há dois mil anos Ele, do alto da Cruz, pediu perdão para a ignorância de seus algozes, também hoje não é difícil imaginar que, diante dos inúmeros abusos e profanações que acontecem em nossas igrejas, Ele faça ecoar o mesmo pedido através dos séculos: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 34)
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