A festa da Exaltação da Santa Cruz foi instituída para comemorar o dia em que a Vera Cruz de Cristo foi levada novamente a Jerusalém, com grande solenidade. 

Cosroes II, rei da Pérsia, tinha invadido a Síria com um poderoso exército e conquistado a capital Jerusalém. Foi responsável pelo massacre de 80 mil homens e levou consigo muitos prisioneiros, entre os quais o Patriarca Zacarias. Mas, para os cristãos, mais doloroso do que tudo isso foi o fato de ele ter levado a Santa Cruz do nosso Salvador, a qual, depois de muitos esforços, fora descoberta pela imperatriz Santa Helena. O rei pagão levou-a consigo para a Pérsia, adornou-a magnificamente com pérolas e pedras preciosas e colocou-a no topo de seu trono real feito de ouro puro.

Profundamente angustiado com esse infortúnio, e não dispondo de um exército grande o suficiente para enfrentar um tão poderoso inimigo, Heráclio, o piedoso imperador bizantino, fez propostas de paz. Empolgado com muitas vitórias, Cosroes recusou-se, inicialmente, a ouvir a proposta do imperador, mas acabou consentindo, sob a condição de que Heráclio abandonasse a fé em Cristo e adorasse o Sol, deus dos persas. 

Indignado com um pedido tão perverso, o imperador, vendo que se tratava de uma questão religiosa ligada à honra do Altíssimo, interrompeu todas as negociações com seu ímpio inimigo. Refugiando-se na oração, reuniu todos os soldados cristãos dos seus domínios e ordenou a todos os seus súditos que apaziguassem a ira do Todo-Poderoso e pedissem sua ajuda, jejuando, rezando, dando esmolas e realizando outras boas obras. Ele mesmo lhes deu o exemplo. 

Depois disso, reunindo corajosamente um exército relativamente pequeno, ele foi ao encontro do arrogante Cosroes, depois de dar ordens estritas para que seus soldados, além de abster-se de outros vícios, evitassem todos os saques e blasfêmias, para que pudessem ser achados dignos da assistência divina. Encorajou seus soldados apontando para um crucifixo que trazia na mão e dizendo que deveriam se questionar pela honra de quem estavam lutando. Disse também que não havia nada mais glorioso do que enfrentar a morte pela honra de Deus e de sua santa religião. 

“O Imperador Heráclio mata o rei da Pérsia”, pintura holandesa do século XV.

Fortalecido com essas palavras, o exército cristão marchou contra o inimigo. Em três ocasiões foram atacados por três divisões do exército persa, cada uma liderada por um general experiente, e nas três repeliram o inimigo, de tal forma que, por fim, o próprio Cosroes teve de fugir. Siroes, seu filho mais velho, a quem ele excluíra da sucessão ao trono, aproveitou a oportunidade e assassinou não só o próprio pai, mas também seu irmão, Merdasas (ou Mardanxá), colaborador de Cosroes e herdeiro presuntivo do trono.

Para assegurar a coroa conquistada à força, Siroes (ou Cavades II) ofereceu a paz a Heráclio, restituiu-lhe as províncias conquistadas e enviou também a Santa Cruz, o Patriarca Zacarias e todos os outros prisioneiros de guerra. Com grande alegria, Heráclio foi às pressas a Jerusalém com o inestimável madeiro, para agradecer ao Todo-Poderoso a vitória e devolver ao seu devido lugar a Santa Cruz, que os persas conservaram em seu poder durante catorze anos. 

Todos os habitantes da cidade, o clero e os leigos, foram ao encontro do piedoso imperador, que decidira levar a Cruz ao Monte Calvário, à igreja preparada para recebê-la. Formou-se uma procissão solene, da qual participaram o patriarca, os cortesãos e uma imensa multidão de pessoas. Precedido pelo clero, o imperador, vestido com suntuosos trajes de governo, levava a Santa Cruz ao ombro. Depois que atravessaram a cidade, chegaram à porta que conduz ao Calvário, e, de repente, o imperador parou e não conseguiu sair do lugar. Todos ficaram assustados com o fato, sem saber o que pensar dele. Mas a verdade do milagre fora revelada por Deus a Zacarias, que, voltando-se para o imperador, disse: “Cristo não estava vestido com esplendor quando passou com a Cruz por este portão. Sua fronte não estava adornada com uma coroa de ouro, mas com uma feita de espinhos. Talvez, ó imperador, teu magnífico manto seja a causa de não conseguires avançar.”

O piedoso Heráclio humildemente deu ouvidos às palavras do patriarca, despojou-se de sua púrpura imperial e vestiu-se com roupas pobres, tirou a coroa da cabeça e os sapatos dos pés. Feito isso, o tesouro sagrado foi novamente colocado em seu ombro. Então, eis que nada mais o deteve, e ele o carregou até o local de seu destino. Em seguida, o santo patriarca depositou a Cruz no antigo lugar e venerou-a devidamente com todos os presentes. 

“O Imperador Heráclio carrega a Cruz ao Calvário”, por Jacopo Palma, o Jovem.

Deus manifestou, por meio de muitos milagres efetuados no mesmo dia, o quanto estava satisfeito com a homenagem prestada à Santa Cruz de Cristo. Um morto ressurgiu ao toque do lenho sagrado; quatro paralíticos recuperaram o uso de seus membros; quinze cegos recuperaram a visão; muitos doentes recuperaram a saúde; e vários possessos foram libertados do demônio ao tocarem nele com devoção.

*

Hoje o Martirológio Romano registra também o dia de São Materno, que foi discípulo de São Pedro, e que, orientado por este, partiu com outros dois homens zelosos, Eucário e Valério, para pregar o Evangelho em Trier (ou Tréveris), uma famosa cidade germânica da época. 

No caminho, Materno ficou doente e morreu. Eucário e Valério, muito aflitos, regressaram a Roma e informaram São Pedro do que tinha acontecido. O santo consolou-os e deu-lhes seu cajado, com o qual já havia feito mais milagres do que Moisés com sua vara, dizendo-lhes para colocá-lo sobre o corpo de Materno e ordenar-lhe, em nome de Jesus Cristo, que se levantasse e pregasse o Evangelho. O corpo já estava no túmulo há quarenta dias, mas, assim que os dois santos cumpriram a ordem do santo Apóstolo, Materno ressuscitou na presença de uma multidão de pessoas e imediatamente começou a pregar o Evangelho. 

Com o milagre, os habitantes dos arredores creram nas palavras do pregador ressurrecto e abraçaram a fé cristã. Depois de permanecerem lá por algum tempo, os três homens santos continuaram sua viagem para Tréveris. A cidade ainda se encontrava nas trevas do paganismo, mas com a pregação de São Materno e seus companheiros, e os muitos milagres que Deus operava através deles, depressa o povo se convenceu de que aqueles homens haviam sido enviados pelo Céu para os conduzir ao caminho da salvação. Por isso, ouviram de bom grado as instruções deles e receberam o Batismo. 

Escultura de São Materno na Catedral de Tréveris.

Depois que o cristianismo fora bem implantado na cidade, São Materno dirigiu-se para Colônia, e de lá para Tongeren, onde anunciou a Palavra de Deus com igual sucesso, embora tenha sofrido muito no início. Os novos cristãos de todos estes lugares desejavam São Materno por bispo, especialmente após a morte de seus dois santos companheiros. Ele aceitou os desejos deles, o que o levou a uma sobrecarga de trabalho. Mas seu amor a Deus e aos homens ajudava-o a tudo suportar com alegria. Com palavras e exemplos, esforçou-se por conduzi-los a uma vida cristã e manifestou uma indescritível solicitude por seu bem-estar.  

Entre os muitos milagres com que Deus aumentou a fama de seu servo, conta-se o seguinte: no dia de Natal, São Materno ofereceu o santo sacrifício da Missa nas três principais cidades de sua diocese, na presença de uma multidão de pessoas. Depois de celebrar a Missa na primeira, um anjo transportou-o, num instante, para a segunda e depois para a terceira. O amor e a estima do povo por seu pastor aumentaram muito quando este milagre se tornou conhecido. 

Tendo trabalhado durante muitos anos na vinha do Senhor, foi um dia à igreja e, depois de rezar durante muito tempo, caiu num sono profundo, durante o qual lhe apareceram seus dois santos companheiros cercados por uma luz celestial, trazendo coroas na cabeça. Traziam nas mãos uma coroa ainda mais bela, e disseram ao santo: “Eis a coroa imperecível, que dentro de três dias receberás.” O santo bispo acordou, mas estava tão fraco que não pôde voltar sem ajuda à sua residência. No dia seguinte, chamou o clero e, em seguida, algumas pessoas do seu rebanho. Depois de exortar todos a permanecer fiéis à Igreja, passou o resto do tempo a recitar os Salmos. Estando, pois, santamente preparado para a morte, ergueu as mãos e foi para o Céu, onde o esperava a coroa da vida eterna. 

Como sua morte ocorrera não muito longe de Colônia, os habitantes desta cidade pediram seu santo corpo para sepultá-lo. Mas os habitantes de Tongeren e Tréveris tinham o mesmo desejo, e houve uma grande contenda entre as três cidades. Por fim, seguindo o conselho de um velho venerável, colocaram o santo corpo num barco, sem remos nem barqueiro, e pediram a Deus que o conduzisse ao lugar onde Ele queria que o corpo repousasse. A embarcação foi empurrada para o meio do Reno, quando, indo contra a corrente, aportou a alguma distância de Colônia. Deduziu-se, então, que as santas relíquias deveriam ser enterradas em Tréveris, o que foi feito com grande solenidade.

Considerações práticas

A Igreja chama à Cruz de Cristo “única esperança”.

I. A Cruz em que Cristo morreu foi erguida e muito honrada por todos os fiéis. Suponho que, se você tivesse um fragmento da verdadeira Cruz, a honraria e estimaria bastante. Mas por que não ama e não honra essa cruz, essas provações que Deus lhe envia? Elas são, em sentido espiritual, um fragmento da Cruz de Cristo, que lhe será muito útil, se as carregar com paciência. 

Cristo Senhor considerou sua crucifixão uma exaltação, dizendo: “O Filho do Homem deve ser exaltado” (Jo 3, 14), porque por ela foi exaltado no Céu e na terra, suportando seus sofrimentos e sua morte por amor ao Pai celeste e pela salvação dos homens. Você também será exaltado no Céu se, ao carregar sua cruz, seguir o exemplo de Cristo. Muitos carregam suas cruzes, como o ladrão à esquerda de Cristo, com murmuração e impaciência; outros, como o da sua direita, com paciência e resignação, sabendo que as merecem. Jesus carregou sua Cruz não só com paciência, mas, segundo as palavras do Apóstolo, com alegria, embora fosse inocente. 

E você, com quem carrega a sua cruz? Com quem a carregará no futuro? Se a levar com o primeiro, ou seja, com o ladrão à esquerda, não será exaltado, mas precipitado no fundo do Inferno.

II. São Materno morreu duas vezes; e, segundo alguns historiadores, foi ele o jovem que Cristo ressuscitou dos mortos em Naim. Se assim fosse, ele teria morrido três vezes. Não se iluda com a ideia de que morrerá duas ou três vezes, mas apenas uma, como está determinado a todos os homens, segundo as palavras do Apóstolo (cf. Hb 9, 27). Saiba que dessa única morte depende toda a sua eternidade. Como é possível, então, que se preocupe tão pouco com essa única morte? Por que não está constantemente preparado e não faz tudo o que sabe ser necessário ou vantajoso para uma morte feliz? 

A coroa que esperava São Materno no Céu foi-lhe mostrada antes de sua morte. Ele tinha se preparado para uma morte santa por meio de uma vida santa, e isso lhe garantiu a coroa celeste. Se quiser obter a coroa da vida eterna, prepare-se para uma morte feliz levando uma vida piedosa e verdadeiramente cristã. Se viver assim, terá uma morte feliz quando ela chegar. “A morte precedida de uma vida piedosa não pode ser considerada um mal ou uma desgraça, e aquele que viveu piedosamente não pode morrer infeliz”, diz Santo Agostinho.    

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 336ss.

Notas

  1. Portanto, o rei pagão tinha mais respeito pela Santa Cruz do que Martinho Lutero, já que, em um de seus sermões, ele diz o seguinte sobre ela: “Se me dessem um fragmento da Santa Cruz e eu o tivesse na mão, logo o enfiaria onde o sol jamais brilharia sobre ele.” (N.A.)
  2. Muito provavelmente é fictícia a história de que Materno veio da Palestina como discípulo de São Pedro. A lenda teria sido elaborada, segundo Domenico Agasso, para “apresentar Trier como o primeiro bispado da Alemanha e, portanto, dotado de jurisdição sobre os outros, ‘por sua antiguidade’”. De qualquer forma, Materno foi realmente o primeiro bispo de Colônia, contemporâneo de Constantino (sendo portanto do século IV), e o atual Martirológio Romano conserva seu nome a 14 de setembro, com o seguinte elogio: “Em Colônia, na Germânia, hoje na Alemanha, São Materno, bispo, que conduziu à fé de Cristo os habitantes de Tongres, Colônia e Tréveris.” (N.T.)

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