A comunhão diária, ao contrário do que se costuma pensar, foi prática comum na Igreja durante os primeiros séculos, contando com a aprovação e o incentivo, sobretudo no Ocidente, dos SS. Padres. O piedoso costume, que só seria resgatado na história recente da Igreja, começou a cair em desuso já na Idade Média e viria a perder-se quase por completo na Modernidade, por influência sobretudo da heresia jansenista, cuja presença se faria sentir em países como a França até meados do séc. XIX. O rigorismo moral que o jansenismo pôs em circulação foi, de fato, um grande desestímulo à comunhão eucarística, cuja recepção estaria reservada aos fiéis, não só de vida irrepreensível, mas suficientemente instruídos em teologia sacramental. Tornou-se comum, destarte, que os fiéis se limitassem a comungar uma vez por ano, logo após saírem do confessionário.
Esse clima de escrúpulos generalizados seria finalmente dissipado por obra de S. Teresinha do Menino Jesus, que explicava em carta a uma prima que era justamente a comunhão frequente o melhor remédio contra os escrúpulos e aquelas faltas veniais que, para os rigoristas da época, seriam um impedimento absoluto à comunhão eucarística. No altar, explica a santa de Lisieux, Cristo está presente para nós, para ser o nosso alimento espiritual e, por isso mesmo, para ser recebido todos os dias, porque se o corpo, com efeito, não pode viver sem se alimentar diariamente, como o poderá a alma? Jesus eucarístico, diziam os SS. Padres, é o nosso panis supersubstantialis, o alimento quotidiano que orvalham os céus sobre os nossos altares.
Ao ler essa doutrina de S. Teresinha, o Papa S. Pio X houve por bem remediar a aversão quase institucionalizada à comunhão regular. Mandou, portanto, que se redigissem dois documentos. Em 1905, surge o decreto “Sacra Tridentina Synodus”, que enumera as condições necessárias e suficientes para receber diariamente a Eucaristia, a saber: a) estado de graça e b) reta intenção, não sendo obrigatório, mas apenas aconselhável, que o fiel não esteja em estado de pecado venial voluntário. Vejamos o que determinou o Santo Padre:
1. A comunhão freqüente e diária […] deve estar aberta a todos os fiéis cristãos, de qualquer ordem ou condição, de modo que ninguém que esteja em estado de graça e aceda com intenção reta e piedosa à sagrada mesa possa ser impedido dela.
2. Ora, a reta intenção consiste nisto, que quem acede à sagrada mesa não o faça por vaidade ou por razões humanas, mas queira satisfazer o desejo de Deus, bem como unir-se mais estreitamente a ele pela caridade e socorrer suas enfermidades e defeitos com o remédio divino.
3. Embora seja sumamente importante que os diariamente comungantes estejam livres de pecados veniais, ao menos dos completamente voluntários, nem estejam inclinados a eles, todavia é suficiente que não tenham pecado mortal e o propósito de no futuro não mais pecar (DH 3379–3381).
Cinco anos mais tarde, em 1910, vem à luz o decreto “Quam singulari”, pelo qual se determinou que também as crianças, uma vez alcançada a idade da razão (em regra, por volta dos sete anos), devem ter livre acesso à SS. Eucaristia, sem que se lhes deva exigir um conhecimento perfeito da doutrina cristã, mas apenas uma compreensão mínima, segundo as capacidades próprias da idade, dos principais mistérios da fé e que saibam distinguir o pão comum da santa Sinaxe. Eis o que diz o decreto:
1. A idade de discernimento tanto para a confissão como para a comunhão é aquela em que a criança começa a raciocinar, isto é, até aos sete anos, mais ou menos. A partir deste momento começa a obrigação de cumprir ambos os mandamentos da confissão e da comunhão.
2. Para a primeira confissão e a primeira comunhão não é necessário um conhecimento pleno e cabal da doutrina cristã. A criança, todavia, deverá aprender logo, gradualmente, todo o catecismo, à medida de sua inteligência.
3. O conhecimento da religião requerido na criança para preparar-se como convém à primeira comunhão consiste em que ela compreenda, segundo sua capacidade, os mistérios da fé necessários — por necessidade de meio — e distinga o pão eucarístico do pão físico e comum, para aproximar-se da santíssima Eucaristia com a devoção que sua idade permite (DH 3530–3532).
Por meio destes decretos, o Santo Padre instituiu uma prática pastoral que, se bem aplicada, se mantém sobre um fino e justo equilíbrio, sem pender nem para o laxismo desgovernado, que admite à sagrada mesa qualquer e pessoa, sem levar em conta as condições espirituais imprescindíveis a uma frutuosa e reverente comunhão, nem para o rigorismo intelectualista, que demanda dos fiéis não só uma perfeição extraordinária de vida como, para cúmulo, uma ciência teológica muito além do conhecimento da fé necessário à salvação.
Que essas prescrições, válidas até hoje, nos levem a um duplo exame de consciência. Primeiro, para que cada fiel avalie se, na prática da comunhão diária, tem observado aquelas importantíssimas condições: estado de graça, pelo arrependimento sincero dos próprios pecados e a acusação dos graves na Confissão sacramental, e reta intenção, pelo desejo de comungar por amor a Cristo, médico das almas. Segundo, para que tanto os pais quanto os párocos e catequistas avaliem se têm instruído as crianças para comungarem como convém, mas sem impedi-las de acercar-se da Eucaristia por motivos ou exigências alheias à praxe da Igreja.
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