Com imensa alegria, celebramos hoje a Solenidade da Ascensão do Senhor. Antes de entrarmos no tema desta homilia, porém, vamos retroceder um pouco na cronologia dos fatos narrados nos Evangelhos. Pois bem, depois da Ressurreição, os Apóstolos, cheios de alegria, começaram a espalhar a boa-nova. Porém, Tomé não estava com eles quando Nosso Senhor apareceu. O Discípulo incrédulo só creu depois que Jesus o fez tocar em suas chagas. Ressuscitado, Nosso Senhor então passou quarenta dias na companhia dos seus Discípulos, inclusive comendo e bebendo com eles.
Assim, os Evangelhos nos apresentam o seguinte panorama cronológico: a Ressurreição, no Domingo de Páscoa; a Ascensão, quarenta dias depois; e o Domingo de Pentecostes, quando Cristo, depois de ascender ao Céu, enviou o Espírito Santo, o Consolador. A Terceira Pessoa da Trindade foi derramada sobre Nossa Senhora e sobre os Apóstolos que estavam reunidos em Jerusalém, depois de nove dias de oração.
No Domingo de Páscoa, nós celebramos a realidade de que agora Nosso Senhor possui um corpo glorioso. O que implica dizer que, antes da Ressurreição, Jesus sofria; sentia fome, frio, sede; era capaz de morrer. Antes de vencer a morte na Cruz, Ele era igual a nós em tudo — exceto no pecado, como diz a Carta aos Hebreus. A natureza humana de Jesus era, ipsis litteris, a natureza humana do Filho de Deus. Era Deus feito homem, com uma humanidade igual à nossa, que comungava dos mesmos padecimentos de nossa condição de náufragos.
E um náufrago é o sujeito que ficou à deriva no mar, agarrado a alguma tábua, que provavelmente restou de sua embarcação. O náufrago está à espera do resgate. Hoje, a humanidade é o que sobrou de um naufrágio, é uma tragédia. Nós não somos como Deus nos sonhou. Isso porque o Criador não nos sonhou doentes, colhendo os frutos do pecado, padecendo de raiva, de ódio e de falta de amor.
Ele sonhou com a humanidade unida a Ele de tal forma que jamais experimentássemos a morte. O plano original do Criador era que nós fôssemos para o Céu tão logo terminássemos um tempo de provação aqui na Terra — tempo este que serviria para provarmos que, de fato, nós amávamos a Ele. Jesus veio para nos resgatar deste naufrágio; daí que, ao invés de ficarmos à deriva, agarrados a tábuas, nós temos de nos agarrar à Cruz de Cristo. Essa comparação nos remete à necessidade de seguirmos a doutrina da Santa Igreja, de frequentarmos os sacramentos e de cumprirmos os Mandamentos.
Só assim chegamos ao Céu, onde não haverá mais sofrimento. Nosso Senhor mesmo nos trouxe um pouco do Céu. Diante dos Apóstolos, Jesus apareceu com o seu corpo incorruptível, isto é, Ele não estava mais sujeito ao sofrimento e à morte.
Assim, o corpo de Cristo não podia mais permanecer neste mundo, que jaz no pecado. O mundo é um lugar corrompido, e Jesus, com seu corpo incorruptível, tinha de ir para um lugar igualmente incorruptível. E aqui está o significado profundo da Solenidade da Ascensão: celebramos o fato de que, após quarenta dias passados aqui com seu corpo glorioso, Ele finalmente foi para junto do Pai, deixando-nos a consolação do Espírito Santo para nos guiar em nossa vida, para nos ajudar a praticar as virtudes, para nos tornar verdadeiramente santos.
No Céu, Jesus está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso. A expressão “estar sentado” transmite a ideia de estabilidade: aquele que se senta está firme, não cai; está estável no Trono Celeste. Quando Nosso Senhor subiu até desaparecer entre as nuvens, os Apóstolos ficaram olhando, maravilhados. Mas os anjos perguntaram por que eles faziam aquilo. Ora, por qual motivo os anjos não queriam que eles ficassem olhando para o alto? A resposta é simples: porque Jesus não está lá!
Ao nos mostrar Nosso Senhor encoberto pelas nuvens na Ascensão, o Evangelho quer nos ensinar que Ele não está mais neste mundo, isto é, no cosmos. Nós não vamos encontrar no espaço sideral o local no qual Jesus está sentado. Nós celebramos o fato de que Nosso Senhor Jesus Cristo, com o seu corpo glorioso, está sentado junto de Deus no Céu. Mas, afinal, o que isso muda em nossas vidas? A solenidade de hoje nos recorda, com esperança, que Ele subiu ao Céu a fim de preparar para nós um lugar de honra.
Nesse ponto, é importante percebermos que todas as graças alcançadas o são por meio da divina humanidade de Nosso Senhor. E Satanás nutre grande inveja daqueles que foram feitos “à imagem e semelhança de Deus”. Isso porque ele sabe que nós vamos ocupar o seu lugar no Paraíso; vamos nos sentar sobre os tronos dos anjos, que são inumeráveis. O Criador fez milhões e milhões de anjos, dos quais um terço, enganado por Satanás, rebelou-se contra Ele. Então, os anjos maus, transformados em demônios, foram precipitados no abismo.
E assim Deus nos convida a nos sentarmos num lugar de glória no Céu. Portanto, convém outra pergunta: o que significa “sentar”? O verbo é empregado em uma metáfora simplesmente para se referir a um “lugar estável”, um “trono”. Não é passageiro, é eterno; não é banal, mas glorioso. Neste mundo, nós temos de viver em permanente vigilância, porque Satanás está ao nosso redor, como um leão a rugir, procurando a quem devorar. Ele só está esperando nossa distração, nosso esquecimento. E nós nos esquecemos com imensa facilidade: esquecidos do Céu, esquecidos de Jesus, esquecidos da luta contra o pecado, esquecidos do próprio Satanás. O diabo, porém, jamais se esquece de nos tentar.
Presos no marasmo de nosso esquecimento, tornamo-nos presas fáceis do inimigo. Daí que não podemos prescindir do auxílio divino. E para nos livrar das “astutas ciladas do diabo” nós temos a doutrina da Igreja, os sacramentos, os anjos, os santos, a Virgem Maria e, sobretudo, o Espírito Santo — que é o doador de todos os dons. Ele nos dá os sacramentos, a pregação da Palavra e a força para perseverarmos. Se até aqui, ao ouvir isto, alguma mudança — ainda que sutil — foi operada em sua vida, é porque o Espírito Santo está agindo sobre você. É importante dizer, porém, que a atuação do Paráclito não implica a manifestação de quaisquer sentimentos. Você não tem de sentir algo extraordinário, pois, muitas vezes, Ele é tão imperceptível quanto o ar que respiramos.
No entanto, apesar de o Espírito Santo não precisar de meios humanos, Deus quis precisar da humanidade de seu Filho a fim de nos enviar o Consolador e fazer-nos vencedores nesta batalha contra Satanás.
Deus criou para Jesus um corpo e uma alma, uma humanidade, uma natureza igual à nossa. Assim, a partir da Anunciação do Anjo Gabriel — que nós celebramos no dia 25 de março — e a partir do “sim” da Virgem Maria, o Senhor agora dispõe de um corpo e de uma alma que são dele. Ele agora tem uma natureza humana. Jesus tem um coração humano que nos ama divinamente — mas também humanamente — de uma forma que pode ser apreendida pelo nosso intelecto.
Basta nos perguntarmos: quem nos ama? Jesus, o Filho Eterno. O que Ele está usando como meio para nos amar? Um coração humano que bate por nós, com ternura e carinho verdadeiramente humanos. Desde o Céu, portanto, Nosso Senhor vê a nossa condição miserável e envia o Consolador, que estabelece conosco uma relação verdadeiramente íntima. E não há intimidade maior, porque assim Ele nos toca no fundo de nossas almas.
É importante dizer isso, porque Cristo não nos toca somente no momento da Comunhão. Expliquemos: seu corpo glorioso está no Céu, mas, de forma mística e sacramental, Ele também está no sacrário. Assim, quando comungamos, Cristo nos toca sacramentalmente.
E esse toque não desaparece quando nosso estômago digere a Hóstia. Isso porque Jesus está a nos tocar o tempo inteiro. Se estamos em estado de graça, Ele está sempre ali, convidando-nos a nos configurarmos a Ele; afinal, o Senhor espera que correspondamos ao seu amor. E tal relacionamento perdura enquanto estamos empenhados nas práticas da vida sacramental. Estamos celebrando a Ascensão do Senhor, depois celebraremos Pentecostes, a Santíssima Trindade, Corpus Christi e o Sagrado Coração de Jesus. Todas essas celebrações litúrgicas estão unidas umas às outras.
E por quê? Porque o Coração de Nosso Senhor pulsa de amor por nós no resguardo do sacrário, na Eucaristia. E, quando o Espírito Santo vem até nós, Ele traz consigo a presença da Santíssima Trindade, pois eles jamais se separam. Na solenidade da Ascensão, nós contemplamos a humanidade, o corpo glorioso, que tem um coração ardendo de amor por nós e que envia o Consolador para sermos templos da Trindade.
Contudo, quando cometemos um pecado mortal, tudo se perde. Daí o diabo querer que você se esqueça de Nosso Senhor. Mas Jesus está sentado à direita de Deus, de maneira estável, pensando em nós o tempo inteiro. Tal realidade independe de quaisquer sentimentos, porque nós cremos no que Jesus nos diz e não no que nós sentimos — nossos sentimentos frequentemente não passam de delírios. Se é verdade que o diabo jaz ao nosso redor, também é verdade que Cristo está dentro, esperando uma abertura de nossa parte a fim de que possamos cada vez mais nos configurar a Ele. “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Isso significa que o Cristo ressuscitado está conosco, física e sacramentalmente, no sacrário, mas também está conosco misticamente pela ação do Espírito Santo. De lá do Céu, Ele olha para nós com amor e ternura, e envia as graças de que precisamos, por meio dos sacramentos, das pregações, da ação dos anjos, da intercessão de Nossa Senhora e dos santos.
No Céu, na visão beatífica, tudo isso nos será revelado, e, olhando para a nossa vida, iremos dizer: “Eras tu, Senhor”. Sim, era Ele o tempo todo; Ele, sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, de onde continua nos amando e enviando o Espírito Santo sobre nós.
O que achou desse conteúdo?