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A “saga” de um jovem para cumprir sua vocação

Apaixonado pela Companhia de Jesus, o jovem Estanislau Kostka teve de enfrentar uma verdadeira “saga” para se tornar noviço da Ordem. Quando finalmente conseguiu, Deus o levou para o céu, com apenas dezoito anos de idade. Como entender o misterioso plano de Deus para esse rapaz?

Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 18,1-8)

Naquele tempo, Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir, dizendo: “Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’ Durante muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha agredir-me!’” E o Senhor acrescentou: “Escutai o que diz este juiz injusto. E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”

I. Reflexão

Hoje, a Igreja celebra a memória de um grande devoto da Virgem Maria, um noviço jesuíta de origem polonesa, morto aos 17 anos: Santo Estanislau Kostka. Embora tenha vivido pouco, alcançou um alto grau de santidade. Santa Teresinha do Menino Jesus, aliás, era muito devota dele, chegando a escrever uma piedosa peça de teatro a seu respeito. Ela mesma estava convencida de que viveria pouquíssimo tempo, assim como ele, e se apresentaria a Deus de mãos vazias, sem ter realizado na terra nada de chamativo. 

Estanislau Kostka nasceu em 1550, na época do descobrimento do Brasil. A Companhia de Jesus, portanto, acabara de ser fundada. A mãe, assim que o menino nasceu, notou um prodígio: havia no peito dele três cruzes vermelhas, e todo o mundo começou a perguntar-se o que aquilo quereria dizer. A mãe não teve dúvida: o filho deveria ser consagrado a Deus; o pai, no entanto, se opôs à ideia. Para ele, as cruzes eram prenúncio das façanhas e glórias militares que o filho alcançaria.

Quem acabou tendo razão foi a mãe. Estanislau cresceu com muita piedade e devoção. Bastava falar perto dele sobre Deus e as verdades da fé para ver-lhe brilhar os olhos. Deus o dotou ainda daquele instinto sobrenatural que todos os fiéis deveriam ter, mas que nele se manifestou de forma quase milagrosa. Ainda criança, Estanislau tinha um sensus fidei aguçadíssimo, um como que “sexto sentido” pelo qual sabia discernir claramente o que era de fé católica e o que, por outro lado, feria de algum modo o sagrado depósito da revelação. Certa vez, o pai fez uma recepção em casa, e um dos convidados começou a destilar na conversa ideias protestantes. Estanislau, apenas ouviu aqueles erros, caiu desmaiado no chão, por não suportar nenhuma ofensa a Deus e à doutrina católica.

Cumpridos os 14 anos, a família decidiu enviá-lo à escola junto com o irmão mais velho, Paulo. O melhor colégio na época era o dos jesuítas na Áustria, em Viena. Ali, Estanislau apaixonou-se pela Companhia de Jesus graças ao exemplo de devoção e virtude daqueles primeiros jesuítas. O pai insistia em que ele seguisse a carreira militar, mas Estanislau desejava apenas fazer-se jesuíta. Vai senão quando, ele cai gravemente enfermo, em Viena. Quase às portas da morte, Estanislau pediu ao dono do pensionato em que estava hospedado que lhe providenciasse os sacramentos. Ímpio e cruel, o outro respondeu-lhe que jamais permitiria um padre naquela casa. Deus então fez o milagre. Acamado, Estanislau recebe a visita de Santa Bárbara, que, acompanhada de vários santos, trazia para ele a divina e santa Eucaristia.

Pouco depois, quem veio visitá-lo foi a própria Virgem Maria para o consolar e curar. Estanislau recuperou a saúde, mas recebeu ainda uma ordem da Virgem: “Vou-te curar, mas para que entres na Companhia de meu Filho”. O jovem polaco procurou então os jesuítas, aos quais contou todo o ocorroido. Eles acreditaram na história e estavam dispostos a aceitá-lo, desde que o rapaz contasse com a autorização do pai. Como este lha negasse, Estanislau fugiu para um colégio jesuíta na Alemanha, onde conheceu Pedro Canísio. O santo aconselhou-o a ir para Roma: lá, sob a proteção de São Francisco de Bórgia, primeiro sucessor de Santo Inácio, poderia entrar para a Companhia, apesar das negativas do pai.

Estanislau partiu sem demora, viajando a pé durante cerca de dois meses, da Alemanha até Roma. Alcançado o destino e admitido como noviço, outro imprevisto: cai doente mais uma vez. Nossa Senhora apareceu-lhe no dia de São Lourenço, 10 de agosto, para dizer que em sua próxima festa, ou seja, na Assunção, dia 15 do mesmo mês, ela viria buscá-lo. E assim morreu Estanislau, com 17 anos, noviço que entrou para a Companhia de Jesus só para entrar em seguida na glória do céu. Assim são os desígnios de Deus, que despertou nele o desejo de ser jesuíta, mas o impediu de tornar-se um, ao menos canonicamente, porque queria dele não títulos eclesiásticos, mas a entrega de toda a sua vida. Aquela viagem da Alemanha a Roma foi simples imagem de seu trânsito tão breve neste mundo, mas tão rico em méritos para sua glória no céu. — Que Santo Estanislau, grande devoto da Virgem Maria, interceda por nós e nos ensine o caminho da fuga:  fuga para Deus, nosso maior amor e cuidado.

II. Comentário exegético

O evangelista S. Lucas conclui o relato da viagem de Jesus a Jerusalém com duas parábolas sobre a oração: a primeira fala-nos da constância (cf. Lc 18, 1-8) e a segunda da humildade (cf. Lc 18, 9-14) com que devemos rezar. O Evangelho que a Igreja nos propõe hoje à meditação narra a primeira dessas parábolas, a do juiz iníquo e a viúva perseverante, cujos elementos centrais explicamos a seguir.

1. A parábola (v. 2-5). — Havia numa cidade um juiz que nem por temor a Deus nem por respeito aos homens tinha receio de praticar injustiças. Como se sabe, entre os judeus não era comum que os tribunais constassem de um único magistrado; no entanto, Cristo recorre a esta imagem, de forma meramente ilustrativa ou como alusão aos tribunais que os romanos costumavam instituir, com o fim de explicar a sua doutrina. Havia também na mesma cidade uma viúva que, oprimida por seu adversário, acudia com frequência ao juiz para fazer valer os seus direitos; ele, porém, desdenhou por muito tempo as súplicas da viúva até que, refletindo consigo, decidiu por fim ceder às suas instâncias, a fim de que ela não o importunasse mais nem viesse um dia a agredi-lo (gr. ‘ὑπωπιάζῃ με’). O verbo ὑπωπιάζω significa propriamente “esbofetear”, de modo que o sentido das palavras do juiz é: “Vou fazer-lhe justiça, senão ela, enchendo-se de ira, poderá um dia arremeter contra mim”.

2. Doutrina espiritual (v. 1 e 6-8). — A ideia fundamental de toda a parábola aparece de forma clara e expressa já no primeiro versículo: “É necessário orar sempre”, isto é, sempre que for possível ou até que se alcance o que se pede, e “sem jamais deixar de fazê-lo” (gr. ‘μὴ ἐγκακεῖν’), quer dizer, sem nunca desistir ou por cansaço ou por desespero. Os versículos 6-8 aplicam essa doutrina geral ao caso dos justos, que, oprimidos nesta vida pelos maus, devem suplicar confiada e continuamente o auxílio de Deus, ainda que as demoras do Senhor lhes pareçam demasiado longas: “Porventura tardará Deus em socorrê-los” (gr. ‘μακροθυμεῖ ἐπ᾽ αὐτοῖς’), isto é, permitirá que os seus escolhidos sofram por muito tempo? “Digo-vos”, conclui Jesus, “que em breve lhes fará justiça”, isto é, no dia em que vier julgar a todos. Mas, ainda que lhes faça justiça, acaso serão em maior número os justos do que os injustos? “Quando vier o Filho do Homem” separar os bons dos maus, “acaso achará fé sobre a terra?” Que Ele nos dê a graça de, ao sermos julgados, encontrar-nos no número dos seus eleitos, perseverantes na oração e constantes em professar a totalidade da fé católica.

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