O Evangelho de hoje, que nos diz: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (cf. Mt 22,15-21), dá-nos a oportunidade de refletirmos a respeito do relacionamento entre Deus e os poderes constituídos — tanto o poder político quanto o da Igreja.
Ao contrário do que muitos pensam, nós católicos cremos — e qualquer pessoa racional seria capaz de chegar a essa conclusão — que o ser humano é um animal social. Além de termos alma, diferente de outros animais, o ser humano se estabelece necessariamente numa sociedade política. E a célula-mãe da sociedade política é a família.
Não estou falando aqui de um sentido partidário, mas usando a palavra “política” com um significado mais amplo. Quando os nossos filhos nascem, como os educamos? No início, visto que a criança ainda não exerce a racionalidade, é preciso exercer o poder paterno, educando-a com disciplina: “Faça isso, senão vai ter castigo”. Qualquer pai ou mãe sabe que, quanto menor for a criança, menos adianta argumentar. Os pais devem impor a ordem para não serem até mesmo “dominados” pela criança.
Hoje em dia, muitos pais não entendem esse princípio básico dessa fase inicial da educação. Vemos isso claramente em restaurantes, nos supermercados e outros lugares públicos. Percebemos que, muitas vezes, é a criança quem manda nos pais, como pequenos déspotas: “Eu quero!” E os pais, incapazes de exercer a verdadeira caridade de educar seus filhos, cedem a qualquer capricho, deixando de limitar aquele “pequeno selvagem”. Afinal, a criança não tomará banho se os pais não ensinarem a tomar banho; a criança não vai dormir na hora se não for estabelecido um horário. Enfim, sem aprender através de seu responsável, a criança não comerá alimentos nutritivos, mas somente coisas gostosas; não arrumará a sua cama de manhã; não juntará os brinquedos depois de brincar. É preciso que, principalmente no início, os pais ensinem essas coisas com um certo pulso. Não estamos falando de punições físicas, mas de mostrar que, como você pode mais do que a criança, ela tem de se colocar nos trilhos.
Mas qualquer pai, qualquer mãe de família — pelo menos os inteligentes — sabe que essa fase da mera disciplina não dura muito tempo. Aos poucos, surge a necessidade de começar a mostrar a verdade para a criança. Os filhos são governados tão somente pela disciplina até certo tempo; depois ela precisa entender as razões do que está fazendo. Eis o processo educacional.
Existe um governo na vida humana que se chama inteligência. É ela que nos mostra o que é bom ou mau; que indica o bem à vontade — seja agradável ou não — e diz: “Eu quero, eu faço”. É assim que se governa a vida: pela contemplação da verdade.
Ora, na pequena sociedade chamada família, não é possível ficarmos o tempo todo controlando os nossos filhos. Quando são muito pequenos, isso é natural; mas depois a criança vai criando espaço de liberdade e, conforme isso vai acontecendo, ela vai também criando responsabilidade. Essa responsabilidade nasce quando mostramos à criança o certo e o errado.
Nós temos uma só inteligência, mas podemos mostrar a verdade para os nossos filhos de duas maneiras. Pela luz natural da razão, nós mostramos e argumentamos: “Olha, filho(a), se você não tomar banho, vai acumular bactérias no seu corpo. Está vendo esse cheirinho ruim? Essas são as bactérias se proliferando! Para você não ficar dodói por causa disso, então vamos tomar banho!”. Aqui, estamos mostrando à criança o porquê do banho.
No início, naturalmente, estimulamos a criança, dizendo: “Olha, que bom! Ficou cheirosinha! Que lindo!”. Você a elogia porque, no início, a educação e a racionalidade são feitas mais de “marketing” do que exposição da verdade, porque a criança ainda não tem ainda inteligência suficiente para alcançar essa conclusão. Mas, mesmo atrás desse “marketing”, existe uma racionalidade, que são as bactérias que estão se proliferando e fazendo a criança ficar fedida. Então, você usa a luz natural da razão.
Mas existe uma outra maneira de educar os filhos: pela luz sobrenatural da fé. Ensinamos a criança a rezar e, pela luz da oração, ela começa a ver coisas que não veria somente com a luz da razão. Pela fé, ela começa a crescer e a experimentar o amor de Deus, e como Ele é bom e revela coisas que nos fazem bem: “Jesus é tão bom! E Ele quer que vamos à Missa no domingo”; “Jesus é tão bom que criou a Confissão para contarmos os nossos pecados, para que Ele lave a nossa alma”. Você então ensina à criança não somente que ela tem de comer coisas nutritivas para o corpo, mas também coisas nutritivas para a alma: a Eucaristia, a oração. Ensina que ela não tem somente que tomar banho para se livrar das bactérias, mas também precisa se livrar dos pecados, indo se confessar.
Estamos falando de crianças que atingiram a idade da razão, mais ou menos dos sete anos de idade para frente. Vamos mostrando a elas as coisas racionalmente, é assim que os pais exercem o domínio de sua casa. Na pequena sociedade política que é nossa casa, não vamos pôr um guarda para vigiar cada um; nem um “chip” no cérebro dos filhos para saber o que eles estão pensando; e também não vamos instalar uma câmera em cada quarto da casa, como se fosse o Big Brother, numa espécie de ditadura digital. Esse poder de controle é próprio apenas para as crianças antes da fase da razão; à medida que ela vai crescendo, o poder é exercido através da luz natural da razão ou da fé.
A inteligência é iluminada por essas duas luzes, e isso governa a sua casa. É claro que, infelizmente, em casa pode acontecer que haja filhos que não são tão virtuosos. Cada filho é diferente: um é mais e outro é menos obediente; um é mais sereno e tranquilo, outro é mais rebelde e levado. É preciso exercer a prudência, a sabedoria prática, para ir educando seus filhos.
Então, pode ser que, mesmo na idade da razão, algum filho adolescente não esteja querendo seguir as coisas que foram ensinadas direito, e os pais precisarão recorrer ao castigo. É o poder de polícia. Mas qualquer um sabe que não dá para se governar com polícia o tempo todo. Você precisa desenvolver a virtude.
Assim como é na pequena sociedade que é a família, é também na grande sociedade humana — que deve ser governada pela inteligência. Existe um processo educacional sem o qual a sociedade se torna um caos. Se vamos tentar governar a sociedade só pelo poder de polícia, nós estamos perdidos: vamos nos tornar um campo de concentração.
É necessário que a sociedade seja governada pela luz natural da razão e também pelos valores da fé. Então, temos aqui estes dois poderes constituídos: o poder do governo humano, a política, César — que deve governar, sim, mas submetendo-se à verdade da luz racional. Não se governa ao capricho, ao alvitre do rei, do déspota, do ditador. É por isso que se organiza, nessa sociedade política, um poder legislativo, um parlamento. O que é “parlare”, em italiano? É “falar”. É o lugar da discussão racional (ao menos, deveria ser…). Portanto, o Parlamento ou Congresso é o lugar onde as pessoas discutem soluções e entram num consenso racional.
Ainda que o consenso racional definido pelo Parlamento não seja infalível — porque seres humanos falham mesmo ao tentar agir com sincera racionalidade —, é necessário saber que deve ser esse Poder Legislativo (e não o Executivo ou o Judiciário) que vai definir as leis. O Judiciário, por exemplo, não está submetido a uma discussão racional ampla, mas restrita àqueles membros que discutem entre si.
Portanto, o lugar por excelência da política, da discussão racional, é o Congresso. É ali que se espera que seres humanos de boa vontade e de virtude encontrem essas soluções com base na racionalidade, escolhidos através de eleição. “Esse parlamentar não é virtuoso? Não será mais escolhido no próximo pleito. Vamos tentar novamente, escolhendo outro.” Para isso serve a eleição: para tirar quem não é virtuoso e colocar alguém na esperança de que seja melhor, para que eles possam discutir racionalmente e chegar a um consenso, ainda que nem sempre seja o melhor.
Mesmo nas casas, quando marido e mulher — o Parlamento da família — sentam-se para discutir alguma coisa pelo bem dos filhos, muitas vezes acabam criando uma solução que, no próximo mês, torna-se outra discussão: como resolver o problema criado por aquela solução de dias atrás. Isso é normal! As nossas soluções às vezes criam problemas, e não somente resolvem. Temos uma solução para um problema, mas logo em seguida, “fatta la legge, trovato l’inganno”, dizem os italianos: “feita a lei, logo se vê qual é o defeito da lei”. É algo normal da limitação da racionalidade humana (um alerta para que César se dê conta de que não é Deus).
Portanto, o poder constituído precisa se submeter à luz da racionalidade. Agora, é evidente — e aqui segue uma breve observação sobre o Estado laico — que essas pessoas racionais que vão ao Parlamento discutir têm uma só inteligência, que pode ser iluminada pela luz natural da razão e pela luz sobrenatural da fé. Ou seja, um político pode ter a sua inteligência iluminada também pela fé.
Não é proibido aos políticos crerem; muito pelo contrário, é muito bom. E por que é bom? Uma vez que falamos do poder secular, existe um um outro poder constituído: o poder da Igreja, e também aqui, nesses poderes constituídos por Cristo, fundador da sua Santa Igreja, é preciso que seus representantes se submetam à luz sobrenatural da fé.
Ao contrário do que muitos pensam, assim como dissemos a respeito de César, padres, bispos e papas também não são “deuses”, nem sempre falam inspirados por Deus. Todos nós precisamos nos submeter à luz sobrenatural da fé, mas assim como os políticos podem ter fé, padres e bispos também devem agir com racionalidade e inteligência.
Mas sobretudo os padres, os bispos, os cardeais e o Papa precisam se submeter com especial zelo a essa luz sobrenatural da fé, que se manifesta na doutrina da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja que vai completar dois mil anos em 2033 (que é quando houve Pentecostes). Pois bem, a Igreja Católica precisa se submeter à luz sobrenatural da fé. Então, ao invés de ter uma Agenda 2030 da ONU, precisa estar atenta à Agenda 2033, que é nada mais do que nos submetermos à fé de dois mil anos.
Nenhum Papa, bispo ou padre é fundador da Igreja; nem deve fundar sua própria. A Igreja é governada pela submissão à sua fé bimilenar — “Dai a César o que é de César”, a racionalidade que nos governa, “e a Deus o que é de Deus”, a luz sobrenatural da fé que também nos governa. É desta forma que devemos governar as nossas famílias, com o brilho dessas duas luzes, ambas provenientes de Deus, formando uma só inteligência que ilumina a nossa vontade.
Desse modo, assim como ninguém acharia estranho que um padre fosse racional, também não deveria ser estranho que um político, além da razão, tenha fé. Afinal, ainda que no Parlamento ele não deva argumentar em termos de fé, é esta que dará a esse político uma solidez no encontro da verdade. Por exemplo, qualquer ser humano racional enxerga a seguinte lei moral universal: “Não se pode matar o inocente”. Numa guerra ou num assalto, em legítima e proporcionada defesa, pode acontecer de terminarmos matando o injusto agressor.
O injusto agressor, meus senhores, não é inocente. Ora, aquele inocente que está no ventre da mãe jamais poderá ser classificado como um injusto agressor. Portanto, às mamães que, por qualquer motivo, não queriam uma gravidez, podemos dizer: “Tudo bem, eu entendo o seu sofrimento!”, e então convocar a ajuda da família, da Igreja, para ajudar essa mulher a levar sua gravidez até o parto, e então apoiar e receber essa criança.
Embora qualquer mãe se sinta frustrada por uma gravidez indesejada, a criança que está no ventre é, sobretudo, inocente. Ela nada fez; aliás, a mãe é que foi o instrumento de Deus que a fez existir. Então, vejam que nós podemos, com a nossa racionalidade, meditar, enxergar, debater, parlamentar e chegar à conclusão de que não podemos matar o inocente!
Ora, não faz sentido invocarem plebiscito para isso. Independentemente do resultado, o simples ato de deliberar a respeito da possibilidade de matarmos ou não um inocente é ofensivo à racionalidade humana. É uma loucura, é imoral até mesmo fazer a pergunta. Seria como se fizessem uma votação para decidir se, ao final da Missa, os fiéis matariam ou não o Padre Paulo Ricardo. Neste caso, está claro que “perguntar ofende”.
Nós não podemos matar inocentes, meus irmãos! Qualquer pessoa racional enxerga isso. Mas se o político tiver fé, isso que ele enxerga perfeitamente pela luz natural da razão, terá uma confirmação maior porque foi pela luz sobrenatural da fé que, nos Dez Mandamentos revelados a Moisés, Deus nos disse com muitos clareza: “Não matarás”, corroborando e fortalecendo a convicção racional.
Vejam como a fé e a razão andam juntas: o mesmo Deus que colocou uma lei na natureza das coisas criadas — uma lei que posso descobrir pela exercício da razão — é Aquele que se revela na Bíblia e, ouvindo essas mesmas coisas racionais pela luz sobrenatural da fé revelada, a conclusão será a mesma. Como o político tem uma só racionalidade, tem também uma só fé, e essas duas coisas iluminam a sua única inteligência.
Nós, seres humanos, que temos uma inteligência que pode ser iluminada tanto pela luz natural da razão quanto pela luz sobrenatural da fé, podemos encontrar a verdade e, naturalmente, nos submetermos a ela.
Como estamos no mundo marcado pelo pecado original, é evidente que este governo humano e o governo eclesiástico não são indefectíveis. Nós podemos cometer graves erros, assim como os políticos (e não precisamos gastar tempo para mostrar isso que todos estão enxergando).
Mas o que também pode parecer para alguns escandaloso é dizermos que a Igreja pode cometer graves erros de governo. A Igreja é infalível quando ensina o dogma da fé nas definições infalíveis, que são as declarações ex cathedra do Papa e as declarações conciliares. Mas não é infalível nas decisões do dia a dia, embora nós devamos obedecer na medida do possível tanto às leis do governo civil quanto às leis do governo eclesiástico.
E por que dissemos “na medida do possível”? Ora, porque é evidente: se um governador nos mandar fazer alguma coisa contrária à lei de Deus, será nossa obrigação desobedecer. Da mesma forma, se um Papa nos mandar fazer algo contra a lei de Deus, também precisaremos desobedecer. Alguém poderia dizer: “Mas é o Papa!”. Sim, mas não é Deus, assim como o Padre Paulo também não é Deus.
Precisamos deixar algo bem claro, no entanto. Evidentemente, não estamos nos instituindo papas acima do Papa. Estamos debaixo da obediência do legítimo sucessor de Pedro, o Papa Francisco — Deus o abençoe, conserve, guarde e liberte da mão de seus inimigos! E que ninguém tenha dúvidas disto: devemos crer que o legítimo sucessor de Pedro é o Papa Francisco. Uma vez professada essa fé, voltemos ao exemplo da nossa reflexão: se um Papa, qualquer que fosse, nos pedisse para fazer algo contrário à lei de Deus, não devemos nos preocupar; “Convém antes obedecer a Deus do que aos homens” (cf. At 5,29). Esta frase, pronunciada pelo próprio São Pedro, o primeiro Papa, é um princípio que vale para qualquer governo, civil ou eclesiástico.
Quando o Papa está exercendo os critérios que tornam o seu pronunciamento infalível, devemos seguir com prontidão. Mesmo quando o Sumo Pontífice não está exercendo a infalibilidade, devemos a ele a obediência, o respeito e a piedade filial. E somente quando ele diz alguma coisa completamente fora da lei de Deus é que devemos a ele a resistência, assim como em certa ocasião São Paulo resistiu a São Pedro.
Demonstrado esse exemplo, não estamos mandando ninguém “resistir” a nada. Afinal, o Papa Francisco, pelo que sabemos, não está mandando nada contra a lei de Deus. Estamos apenas esclarecendo o que devemos saber ao acontecer esse tipo de situação. O que estamos concluindo através desta meditação é simplesmente que as autoridades não são deuses, mas súditos de Deus.
Rezemos para que o nosso país tenha no Executivo, no Legislativo, no Judiciário — nas forças da ordem — homens e mulheres tementes a Deus, para que possam obedecer a Ele pela luz natural da razão e, se tiverem fé, pela luz sobrenatural da fé. Oremos também para que o nosso Papa, assim como nossos cardeais, bispos e padres, sirvam a Deus, obedecendo-lhe pela luz sobrenatural da fé, para que a Igreja de Cristo continue realizando a sua missão. Lembremo-nos sempre do que Jesus prometeu a Pedro, uma promessa que vale ainda hoje: “As portas do inferno não prevalecerão” (cf. Mt 16,18). Mas, para sermos obedientes, precisamos dar a Deus o que é de Deus.
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