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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Bem-aventurados os puros!

Nosso Senhor proclama “felizes os puros de coração, porque verão a Deus”. Mas muitos parecem ter deixado de acreditar. Por isso, neste vídeo, Pe. Paulo Ricardo apresenta com um outro olhar a virtude da pureza, de modo a nos tornarmos realmente felizes na sua vivência e dignos da bem-aventurança do Evangelho.

Texto do episódio
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Neste dia de S. Maria Goretti, mártir da pureza, trataremos dessa virtude tão desdenhada em nossos dias e, ao mesmo tempo, tão necessária à nossa conversão de vida e união com Cristo. Na prática, a pureza não é outra coisa além da virtude da castidade vivida profundamente em nossos corações.

Nosso Senhor, no Sermão da Montanha, declara de modo categórico: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8). No original grego, o termo “puros” (καθαροὶ) significa o que não tem mistura, mas é íntegro, sem acréscimos ou supressões. Embora todos tenhamos uma natureza decaída, a pureza nos ajuda a preservar e restaurar ao máximo o nosso ser, conforme o projeto original de Deus, sem a malícia e a deturpação introduzidas pelo pecado.

A pureza é imprescindível para vivermos a castidade, sobretudo em uma cultura como a nossa, na qual a ambiguidade, as piadas de duplo sentido e os comentários maliciosos são práticas habituais.

No atendimento às pessoas, seja em confissão ou direção espiritual, constata-se a grande dificuldade que muitos experimentam para viver a castidade. A raiz disso é o fato de que, embora se esforcem por não pecar contra a castidade (por adultério, fornicação, masturbação ou pornografia), os fiéis não fazem o mínimo esforço para viver a pureza de coração. Assim, por mais que não queiram pecar contra a pureza, se expõem a “áreas perigosas”, permitindo-se certos comportamentos que, em si mesmos, são no mínimo imprudentes e, não raro, ocasiões próximas ou conducentes ao pecado de fato.

Por outro lado, também é perceptível que, quanto mais uma pessoa cresce no amor a Deus e volta-se para a verdadeira finalidade de sua vida, mais ela se torna pura e casta. Basta olhar para o testemunho de tantos homens e mulheres como S. Teresa de Lisieux, S. Maria Goretti, S. José, S. Antônio de Lisboa, S. Padre Pio e muitos outros.

O problema é que muitas pessoas — até mesmo dentro da Igreja — acreditam hoje mais na psicologia pansexualizante de um Freud do que na capacidade que possuem de, ajudadas pela graça e sustentadas pelos sacramentos, amar com um coração puro e indiviso. É por isso que muitos até chegam a lutar contra o pecado, mas acabam cedendo à tentação, por não se terem decidido antes a amar Deus nos melhores detalhes e delicadezas.

O remédio para isso começa por questionar-se sobre o propósito de nossas vidas. S. Inácio de Loyola, nos Exercícios espirituais (n. 23), destaca que o fim último da vida humana é Deus:

O homem foi criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus, nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; as outras coisas sobre a face da terra foram criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para o qual foi criado. Donde se segue que o homem tanto há de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas quanto disso o impedem [1]. 

Viemos a este mundo para nos unir a Deus; porque, antes disso, Ele mesmo veio até nós, na pessoa de Jesus Cristo, para nos conceder a salvação. Se não tivermos bem clara essa finalidade, além de não sabermos quem somos, ficaremos à deriva, perdidos e desorientados como birutas ao vento.

Infelizmente, essa falta de orientação é visível na crença, hoje muito difundida, segundo a qual só pode haver sentido e realização “plena” de vida na união afetiva e sexual, ideia assimilada inclusive por celibatários que, diante do estilo de vida levado por muitos solteiros e casados, assumem uma postura de autopiedade, enxergando na vida alheia uma felicidade que, na verdade, é ilusória.

Isso é fruto de uma adesão à vida celibatária que nem sempre procede do amor a Deus, mas de um moralismo oco, entendido como simples cumprimento de uma norma pela norma. Os que assim vivem tendem a pôr a finalidade de suas vidas na satisfação física, alcançada sobretudo no prazer sexual, do qual se sentem frustradas por abrir mão devido ao estado de vida em que se encontram. Vivem, por isso, numa constante tensão interior: nas aparências, vivem para Deus; mas, interiormente, quiseram satisfazer a paixões mal disciplinadas.

Para não adotar essa mentalidade distorcida, precisamos, em expressão de S. Cipriano de Cartago, a nada dar mais valor do que a Cristo: Christo nihil praeponere, porque Ele, para nos salvar, a nada deu mais valor do que às nossas almas. Somente assim estaremos em condições de olhar para as criaturas de forma pura, sem as intenções maliciosas que tantas vezes nos assolam e escravizam.

A impureza domina o ser humano de tal modo, que o leva a trocar Aquele que é a fonte do seu próprio ser por um meio caduco de satisfação momentânea, como nos diz o Senhor por boca do profeta Jeremias: “Meu povo cometeu uma dupla perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retêm a água” (Jr 2, 13). 

Não é possível amar de verdade se não nos decidirmos, com firme propósito, sustentados pela oração e reforçados pela recepção frequente dos sacramentos, a viver a santa pureza. Do contrário, estaremos sempre acorrentados às nossas misérias, rescindindo nos mesmo erros, como “a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal” (2Pd 2, 22) ou o “cão que volta ao seu vômito”  (Pr 26, 11). Nesse sentido, a pureza não é uma “castração” neurotizante, como afirmam os arautos do sexo livre e descompromissado, mas justamente o contrário: um exercício de liberdade que nos capacita para amar com toda a nossa alma, sem nos tornarmos escravos de nossas paixões e rebeldias interiores.

A nossa cultura, no entanto, está convencida de que é na impureza que se encontra a felicidade ou, ainda pior, de que a impureza é “sadia”, já que os puros de coração são tachados de “neuróticos”, “quadrados”, “reprimidos” e, em última análise, “infelizes”.

Existe, infelizmente, quem trate a impureza e o pecado sexual de forma algo neurótica, com uma sensibilidade moral que pouco tem de católico e muito de puritanismo. Mas isso nada tem que ver com a verdadeira pureza de coração. Ser puro, com efeito, não consiste em “reprimir” a sexualidade, impedindo-a de expressar-se e expandir-se, mas em ordená-la de tal forma, que contribua para que o nosso amor seja ordenado segundo a razão: amor disciplinado, senhor de si, que põe no devido lugar as inclinações ao pecado e nos abre as portas para um relacionamento honesto com os outros, e franco e limpo com Deus.

Entendido pois o que é a pureza, cumpre agora saber ensiná-la. No início do processo formativo, a criança precisa, mais do que tudo, de uma disciplina bem definida, na forma de limites claros e penalidades proporcionadas. As crianças não têm ainda capacidade de entender o valor dos princípios em que são educadas, mas devem habituar-se a obedecer e a ver como um bem o que lhes vem imposto pelos pais. Apenas com o passar do tempo a criança irá compreendendo a importâncias das regras impostas, de forma aparentemente “arbitrária”, nos primeiros anos. 

Também o exercício da santa pureza supõe essa evolução “pedagógica”, esse crescimento gradual na consciência do seu valor intrínseco: da mera observância de um preceito, devemos passar aos poucos a observá-la como um meio necessário para amar sem peias nem fissuras ao próximo e a Deus. Essa educação do coração deve ir de mãos dadas com a vida de oração. É rezando ao Pai, expondo-lhe nossas vergonhas e pedindo-lhe em esmola o socorro da graça, que conheceremos a nossa fisionomia interior, as nossas debilidades e ponto fracos que mais devemos combater: olhares imprudentes, conversas pouco honestas, amizades nada virtuosas… 

S. Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, descreveu com a precisão típica dos santos a natureza desse conhecimento interior e a sua necessidade para a virtude da pureza:

Supliquei ainda a Nossa Senhora das Vitórias que afastasse de mim tudo o que pudesse manchar minha pureza. Não ignorava que numa viagem como esta a Itália, haveria de se encontrar muitas coisas capazes de me perturbar, sobretudo porque, não conhecendo o mal, temia descobri-lo, pois não experimentara ainda que “tudo é puro para os puros” e que a alma simples e reta não vê o mal em nada, uma vez que, de fato, ele só existe nos corações impuros e não nas coisas sensíveis [2].

Não é preciso lembrar que este é o testemunho escrito por uma santa já nas sétimas moradas, que, além do mais, consta nunca ter caído em pecado grave. A nós, já muito feridos por pecados pessoais, propensos por vícios há muito contraídos a ver o mundo sob a lupa da imodéstia, é sempre aconselhável fugir denodadamente de todas as ocasiões de pecado. Sem essa cautela, só por “milagre” poderemos viver castos e puros de coração. Não nos fiemos de nossa natureza e “boa-vontade”, estamos predispostos à impureza: só “para os puros, tudo é puro. Mas para os impuros e incrédulos, nada é puro: até o seu pensamento e a sua consciência estão manchados” (Tt 1, 15).

Na busca da pureza, precisamos também, como lembra S. Teresinha, recorrer à intercessão dos santos, sobretudo à do glorioso São José:

Pedi, também, a São José que velasse por mim. Desde minha infância, tinha por ele uma devoção que se confundia com meu amor pela Santíssima Virgem. Todos os dias, recitava a oração: “Oh, São José, pai e protetor das virgens”. Por isso, foi sem temor que empreendi minha longa viagem; estava bem protegida, parecia-me impossível ter medo [3].

Cientes de nossas limitações, trilhemos um caminho de purificação do coração. No início, pode até parecer que estamos atolados no moralismo; porém, é parte do processo educacional começar pelo constrangimento exterior, para só então ir ascendendo ao nível do domínio e conhecimento interior, no qual a vivência da pureza não será apenas o cumprimento de uma “norma de conduta”, mas um ingrediente constitutivo de um amor a Deus e ao próximo mais perfeito e acrisolado.

Sabendo pois que a finalidade da nossa vida é conhecer e amar a Deus, que pela nossa salvação entregou a própria vida, aprendamos pela via da santa pureza a lhe entregarmos a nossa vida por seu amor. Para isso, sigamos o exemplo de tantos santos e santas que não deixaram a malícia do pecado escravizar seus corações, mas, compreendendo o propósito por que foram criados, tanto usaram das criaturas quanto elas os ajudavam para o fim altíssimo de amar e servir a Deus.

Referências

  1. S. Inácio de Loyola. Exercícios espirituais. Trad. port. de Vital C, Dias Pereira, SJ. 3.ª ed. Braga: Apostolado da Imprensa, 1999. p. 10, n. 23.
  2. S. Teresa do Menino Jesus, História de uma alma, Manuscrito A, 57r, em “Obras Completas: Textos e Últimas Palavras”. Trad. port. do Carmelo de Cotia et al. 2.ª ed., São Paulo: Loyola, 2001. p. 125.
  3. Id., ibid.

Recomendações

  • Pe. R. Garrigou-Lagrange, “O preço da castidade e sua fecundidade espiritual”, em As três idades da vida interior. São Paulo: Cultor de livros, 2018, vol. 2, pp. 697–707.
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