O Advento, um dos cinco «tempos fortes» do Ciclo do ano litúrgico, ao longo do qual a Igreja não apenas relembra, mas sobretudo revive e como que reatualiza a história de seu Fundador, é um tempo de conversão, espera e preparação para a vinda do Senhor. Pode-se dizer que neste período de quatro semanas de expectativa pela chegada do Messias a Igreja vive simbolicamente o que é a sua própria história, de Pentecostes até o Fim dos Tempos. Ao recordar-se pois do mistério da parousia de Cristo, o fiel deve procurar manter uma postura de equilíbrio espiritual e fidelidade ao ensinamento constante do Magistério. De fato, como saber quando e em que circunstâncias haverá Deus de pôr fim a este mundo? Que sinais precederão e anunciarão a proximidade do Juízo? Que dizer, enfim, das inúmeras aparições marianas e profecias a respeito de grandes tribulações?
I. Economia sacramental: tempo da Igreja
A escatologia judaica ensina que o Dia do Senhor, em que a história humana acabará e todos seremos julgados, coincide com a própria vinda do Messias; daí a dificuldade que experimentam ainda hoje muitos judeus em aceitar a natureza messiânica de Jesus. E é precisamente neste ponto que a escatologia cristã inova em relação às concepções veterotestamentárias. Com efeito, o Messias prometido já veio a nós; mas, ao contrário do que esperava o povo de Israel, «antes se despojou a si próprio, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido pelo aspecto como homem, abaixou-se a si mesmo, feito obediente até à morte, e morte de Cruz» (Fl 2, 7). A este advento na humildade sucederá uma segunda vinda gloriosa, e o lapso de tempo entre essas duas vindas, inexplicável e estranho à religião judaica, é o tempo da Igreja, que, enquanto aguarda ansiosa a volta de seu Esposo, com zelo materno administra a seus filhos os canais seguros e eficazes da graça de Deus que são os sacramentos.
Inaugurados pela Ascensão do Senhor e pelo envio do Espírito Santo, os tempos em que vivemos são, de fato, os últimos. O prólogo da Epístola aos Hebreus testemunha de modo inequívoco o espírito com que a cristandade primitiva vivia e aguardava a volta de Cristo: «Muitas vezes e de muitos modos falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho» (Hb 1, 1s). A Igreja quer lembrar-nos neste Grande Advento por que passamos há já dois mil anos como devemos viver e nos preparar para receber a Cristo uma vez mais.
II. Tendências errôneas e doutrina da Igreja
Devemo-nos perguntar, contudo, se cremos efetivamente que Nosso Senhor virá e há de vir-nos julgar. Têm surgido faz poucos anos algumas tendências teológicas que, inspiradas por certo empirismo e cientificismo, chegam a negar os milagres operados por Jesus; por tratar-se de um grupo de teólogos que rejeita o sobrenatural, a segunda vinda de Cristo, evento sobrenatural por excelência, não poderia passar imune por seus ataques. A Igreja porém crê e professa desde sempre que Nosso Senhor, como diz o Credo niceno-constantinopolitano, «de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim».
Haverá, sim, a segunda vinda de Jesus e o fim deste mundo tal como o conhecemos, o que não significa que este mundo será aniquilado, mas antes renovado. S. Tomás de Aquino insiste, com sua costumeira lucidez teológica, que toda a natureza será renovada e o homem, glorificado. O modo como tudo isso correrá, diz-nos o Aquinate, será sobrenatural, uma vez que «a nova ordem das coisas não será nem natural nem contra a natureza, mas estará acima dela, assim como a graça e a glória são superiores à natureza da alma. E procederá de um agente eterno, que a conservará por toda a eternidade» [1]. O cristão, portanto, não deve esperar cataclismos, destruições ou eventos portentosos, como se gosta de retrata em muitos filmes.
Ora, os dados que nos fornecem as SS. Escrituras permitem-nos distinguir três ordens de fatos que precederão o Juízo e a renovação do céu e da terra (cf. Ap 20, 1), a saber: (i) um momento de tribulação para a Igreja; (ii) uma grande apostasia; e (iii) a impostura do Anticristo. Cumpridos estes eventos, renovar-se-á o mundo: o fogo purificador da conflagração final, de acordo com a teologia medieval, fará novos os céus e a terra, e os corpos enfim ressuscitarão; virá então o Cristo juiz em sua glória para julgar a todos, dando aos justos a vida eterna no céu e aos condenados, as penas do inferno. E assim será consumada a história. Não há aqui, porém, uma questão de todo definida; conquanto este itinerário, o mais tradicionalmente aceito, nos seja incerto, é dogma de fé e portanto deve-se crer que (1) Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, (2) este julgamento implicará o Fim dos Tempos e (3) os corpos ressuscitarão.
Encarnacionistas e escatologistas
Mais recentemente, a partir do fim da II Guerra, houve na Europa, por influência de ideias heterodoxas e algo difusas, um conflito entre duas correntes teológicas: o «escatologismo», cujas principais teses coadunavam-se melhor com a doutrina da Igreja e foram depois ratificadas e consagradas quer pelo Concílio Vaticano II, quer pelo Catecismo, e o «encarnacionismo», partidário de uma visão da história humana derivada do positivismo. Para os teólogos encarnacionstas, com efeito, a história do homem é um processo constante de evolução e progresso em cujo término se encontra o Reino de Deus. Essa concepção da história, evidentemente, pode agradar tanto aos que têm certa visão burguesa e cientificista da vida quanto a pensadores de cariz mais marxista, uma vez que situa o Reino de Deus como uma conquista intra-histórica dos esforços humanos.
No entanto, não há nenhuma base bíblica que dê apoio a este pensamento. O Catecismo (§675) enfatiza a tribulação por que terá de passar a Igreja Católica:
Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado.
E pouco mais à frente (§677): «A Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição». Portanto, o caminho da Igreja é de morte e ressurreição, e não de progresso:
O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal, que fará descer do céu a sua Esposa. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo final, após o último abalo cósmico deste mundo passageiro.
III. Expectativa Escatológica
E os sinais?
Mas se é esta a posição da Igreja e se vivemos concretamente os últimos dias, estará mesmo o Fim às portas? Que dizer das tantas aparições de Nossa Senhora — em Fátima, Akita etc. — a falar-nos de grandes castigos e provações? Terão estes castigos anunciados pela Virgem algo que ver com a tribulação final em que cremos? O suplemento da Suma Teológica, elaborado por algum discípulo de S. Tomás após a morte do mestre, na questão 73, artigo 1.º, ao tratar dos sinais do Fim dos Tempos, adverte:
[...] não é fácil interpretar que sinais serão estes, pois os registrados pelos evangelhos correspondem, como diz S. Agostinho [2], à vinda de Cristo para o juízo, mas também à destruição de Jerusalém e às contínuas visitas que Ele faz à sua Igreja. De forma que, bem considerados, não há nenhum deles que se refira só à última vinda, pois sinais como guerras, terrores etc. existiram desde o princípio da humanidade; a não ser que se diga que então serão mais graves. Ora, que grau de intensidade terão de alcançar para podermos inferir a proximidade do juízo, é coisa incerta [3].
A ambiguidade dos sinais que nos apresentam os evangelhos e a nossa incapacidade de deduzir com base em critérios naturais a iminência do Fim sobrenatural, que se dará quando aprouver a Deus e se completar o número dos eleitos por Ele, devem nos levar a confiar mais plenamente em Cristo, a quem, enquanto homem, não foi dado revelar o dia nem a hora em que estas coisas se realizarão, mas que nos prometeu o seu regresso e a consumação do mundo.
Deve-se ter presente, além disso, que os castigos prenunciados nas aparições marianas são condicionais e manifestam o infinito amor de Deus pelo homem. Representam, pois, o apelo pedagógico do Pai a seus filhos para que se convertam e retornem à casa paterna o quanto antes. Nada nos garante, de resto, que tais castigos sejam os últimos. E, na medida em que se trata de revelações privadas, o fiel, sempre guiado pelo Magistério da Igreja e ponderando com prudência, tem liberdade para lhes dar seu assentimento ou não.
Aguardar, vigiar e trabalhar
Por isso, a atitude espiritual sadia de cada geração cristã é lidar com a ignorância, isto é, viver com fé o seu tempo como se fosse (porque pode sê-lo) o derradeiro, na incerteza humilde de não saber, pois Deus não quis revelar ao homem todos os detalhes de seus desígnios, e trabalhar pelo bem e progresso de toda a humanidade segundo os princípios do Evangelho. A constituição pastoral Gaudium et Spes, no n. 39, ao reafirmar a fé escatológica da Igreja numa renovação do universo operada por Deus ao final da história, lembra-nos que
[...] de nada serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se a si mesmo se vem a perder. A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do mundo futuro. Por conseguinte, embora o progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em que pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa muito ao reino de Deus.
É Cristo a chave de leitura da história: sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão aos céus são os exemplares por que a Igreja, vivenciando-os realmente ao longo de sua peregrinação terrena, nos recorda de que por trás de todo sofrimento e de toda cruz há uma ressurreição e uma chance de nos unirmos mais intimamente a Deus.
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