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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
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É uma grande alegria celebrarmos a Solenidade Santa Maria, Mãe de Deus, uma festa de imensa alegria no Céu e na terra! Santo Tomás de Aquino, que não é de exagerar nas palavras ou fazer hipérboles, quando fala desse mistério, diz: “A maternidade divina tem como que uma dignidade infinita”.

Devemos nos recordar que, notadamente, somente Deus é infinito. Mas Maria, apesar de não ser igual a Deus em dignidade, é considerada Mãe de Deus desde os primórdios da Igreja. Vamos entender melhor esse conceito: Deus, em sua natureza divina, não tem pai e não tem mãe, porque é eterno. São eternos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Portanto, se pelos termos “pai” e “mãe” queremos nos referir àqueles que são a “origem de quem não existia e passou a existir”, evidentemente isso não existe quando falamos de Deus.

No entanto, lá no Céu, Deus, que é um só, é um mistério de amor de um Pai que, desde toda a eternidade, gera o Filho; do Filho que, desde toda a eternidade, é gerado; e do Espírito Santo que, desde toda a eternidade, é o amor deste Pai por este Filho. Deus é amor, porque o Pai é aquele que ama, o Filho é aquele que é amado, o Espírito Santo é o amor entre os dois. Eis o mistério do Amor eterno. Nós usamos as palavras “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo”, porque são essas as palavras usadas por Deus mesmo em sua Revelação, mas nós sabemos que palavras humanas são limitadas para descrever esse mistério. De outro modo, podemos dizer que há um só Deus: um Deus que é o Amante eterno, o Amado eterno e o próprio Amor eterno.

Se hoje olhamos para o mistério da Santíssima Trindade e ficamos atordoados porque nos parece algo muito difícil de compreender, não vamos nos preocupar: no Céu, nós iremos contemplar esse mistério face a face. Esta será a nossa verdadeira e mais completa felicidade. É para isso que nós fomos feitos. O mistério da Santíssima Trindade não é um mistério “inútil”.

Os filósofos modernos, que moldaram a cultura ocidental nos últimos séculos, foram capazes de dizer imensas bobagens. Há um famoso pensador alemão, Immanuel Kant (morto em 1804), que moldou muito da forma com que pensamos a ciência e o mundo contemporaneamente. Foi ele quem, pela primeira vez, começou a pensar num projeto de paz universal e, portanto, de governo mundial. Certa vez, Kant disse que o mistério da Santíssima Trindade seria um mistério “perfeitamente inútil”, ainda que fôssemos capazes de compreendê-lo. Vejam o tamanho da blasfêmia. E no entanto, Kant era um protestante pietista.

O mistério da Santíssima Trindade não é inútil simplesmente porque contemplá-lo é a própria razão pela qual nós nascemos. Satanás e seus demônios odeiam e invejam esse fato, porque eles mesmos nunca contemplaram a Trindade — seu ato de rebeldia e sua precipitação no Inferno foram anteriores ao momento em que todos os anjos puderam ter a visão beatífica. Por isso, os demônios nos invejam: eles sabem que existe um lugar no Céu com o nosso nome! Sabem que iremos nos sentar nos tronos que eram destinados a eles antes de sua Queda: veremos o que eles não viram e jamais verão; gozaremos da felicidade que eles perderam para a eternidade. Eis a nossa bem-aventurança: ver este Amor infinito, eterno e perfeito.

A nossa felicidade é o amor. Podemos vislumbrar um pouco disso ainda aqui neste mundo. Qualquer um sabe que a felicidade de uma pessoa é o seu amor. Quando alguém fica apaixonado, quando descobre aquela pessoa pela qual se apaixona, ela não fica rindo à toa, feliz e contente? Por quê? Porque a felicidade brota do amor. No entanto, todo amor humano é um amor que esmorece e passa. Uma vez que descobrimos que aquela pessoa que amávamos é cheia de defeitos, o amor pode ir murchando. No Céu, é diferente: imagine que lá você verá o Amor que não tem qualquer defeito, o Amor perfeito e eterno. Estamos falando de uma felicidade plena, sem limites! Não existe palavra em língua humana que seja capaz de expressar o que é a alegria do Céu.

Nós, porém, mesmo sendo destinados à bem-aventurança eterna, preferimos as misérias. Substituímos o amor a Deus pelo amor às criaturas, mergulhamos na tragédia do pecado. Nas palavras do Papa João Paulo II, hoje canonizado e santo: “O pecado é procurar Deus onde Ele não se encontra”; quer dizer, procurar a felicidade onde ela não está.

Mas Deus se compadeceu de nossa miséria, do fato de que nós, literalmente, nos desgraçamos — perdemos a graça e a felicidade eterna pelo pecado —, e o Senhor veio do alto céu. Deus, que é Pai, Deus que é Filho, Deus que é Espírito Santo, três Pessoas, um só Deus, na Pessoa do Filho eterno — atenção! — criou para si, no ventre de Maria, um corpo e uma alma humanos. Portanto, quando nós nos ajoelhamos na noite de Natal, dizendo: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14), a expressão “o Verbo se fez carne” é uma forma própria do idioma hebraico de dizer: “Deus criou para si uma humanidade”. Deus quis estar tão intimamente unido a nós, que Ele decidiu ter uma natureza humana. Este é o mistério de Jesus!

O mistério da Encarnação, que nós adoramos no Natal, diz respeito a uma Pessoa divina e eterna que, agora, tem duas naturezas: divina e humana. Esta natureza humana foi milagrosamente criada por Deus no ventre de Maria. Algo, porém, que nós e todas as mães sabemos é que não interessa como o filho foi aparecer dentro do ventre de uma mãe: aquele filho procura se “aninhar” no útero, no endométrio, num processo que se chama de nidação. Desse modo, é no ventre de Maria que Deus fez um ninho para encontrar a sua humanidade, numa perfeita e íntima ligação entre o filho e a mãe que o alimenta com seu sangue (que, através da placenta, alimenta o sangue do filho com oxigênio e todos os nutrientes necessários para que ele se desenvolva). Pelo cordão umbilical, Nosso Senhor Jesus Cristo foi sendo gerado por Maria. Vejam que mistério incrível! No Céu, o Pai gera o Filho desde toda a eternidade; aqui na terra, Maria gera essa mesma Pessoa numa nova natureza, uma natureza que Deus não tinha antes. Maria é a mãe que gerou a natureza humana de Deus, através de Jesus.

Há pessoas que pensam: “Então o certo é dizer que Maria é mãe, não ‘de Deus’, mas ‘do homem’ Jesus”, mas isto é um grande erro. Quando olhamos para uma mulher, não perguntamos “do que” é que ela é mãe, mas “de quem” ela é mãe. Vamos esclarecer esse ponto da nossa fé católica em detalhes: é certo que uma mulher só pode ser mãe de um ser humano. Portanto, se alguém chega até a Dona Rejane, minha mãe, e pergunta a ela: “Dona Rejane, a senhora é mãe do quê?”, garanto que ela ficaria ofendida. Ora, ela não pode ser mãe de um hipopótamo, de uma baleia, de um mico-leão dourado ou de uma lesma. Uma vez que ela é humana, só pode ser mãe de um ser humano. Então, por óbvio, Maria é mãe de um ser humano.

Desse modo, está certo que não perguntamos a uma mulher do quê ela é mãe, mas de quem. E este quem, no caso de Maria, é uma Pessoa divina. Ao perguntarmos a ela: “Maria, de quem sois mãe?”, ela poderá dizer: “Meu filho é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade.” Ora, em Jesus não existem duas pessoas, mas uma só, que é divina. Na Trindade há três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Foi a Pessoa do Filho que se encarnou. Maria, então, é necessariamente mãe de um homem, mas esse homem, que é seu filho, é uma Pessoa da Santíssima Trindade — “Unus ex Trinitate”, “um da Trindade”. Por isso, dizemos: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”.

É natural honrarmos a mãe de um grande homem, que se satisfaz ao vê-la honrada. No Antigo Testamento, quando foi coroado o Rei Salomão, filho de Davi, uma vez que ele possuía muitas mulheres, quem seria coroada rainha? Instaurou-se então na casa de Davi — ou seja, no Reino de Judá — a tradição de que o rei fosse nomeado junto com a rainha-mãe. Salomão foi entronizado e, no momento em que sua mãe adentrou o salão, levantou-se, foi até ela e a conduziu adiante, mandando aos servos que colocassem ao lado de seu trono uma cadeira para que ela pudesse se sentar ao seu lado como rainha-mãe. Por esse motivo, daquele momento em diante as genealogias dos reis de Judá passam a mencionar o rei nomeado junto com a rainha-mãe: “O rei Salomão, filho de Betsabé”.

Quando o anjo Gabriel anuncia a Nossa Senhora que ela será mãe do Filho de Deus e que Ele “se sentará no trono de seu pai Davi”, Maria sabe perfeitamente que será rainha-mãe. É o trono de Davi, é a dignidade daquela que é mãe do Filho de Deus. Por isso, todos os privilégios da Santíssima Virgem derivam desse título, Mãe de Deus, que nós hoje celebramos. Quando, no ano de 431, no Concílio de Éfeso, a Igreja proclamou o dogma da maternidade divina de Maria, afirmando que precisamos chamá-la de Mãe de Deus, é porque havia os hereges nestorianos que queriam chamá-la de “Mãe de Cristo” (em grego, χριστοτόκος [Christotókos], “aquela que gerou Cristo”). Mas a Igreja imediatamente rejeitou essa ideia, esclarecendo que ela não é χριστοτόκος, mas θεοτόκος (theotókos), ela é Mãe de Deus, é aquela que gerou a Deus — manifestamente, em sua natureza humana, mas a Pessoa é divina.

Precisamos enfatizar isto: Jesus é uma Pessoa divina, e não um homem qualquer. Ele é Deus, e Maria é mãe daquele que é Deus. E para que ela estivesse pronta para essa dignidade, Deus a preservou do pecado na Imaculada Conceição. Pelo mesmo motivo, Deus fez com que seu Filho fosse concebido virginalmente. Todos os mistérios de Nossa Senhora vêm do fato de que ela é Mãe de Deus. Por exemplo, Deus a preservou do pecado, pois como poderia o sangue de uma pecadora alimentar o sangue do Redentor?! Ora, estamos falando do Preciosíssimo Sangue de Cristo que nos redimiu na Cruz! Seria uma indecência pensar que o sangue de uma pecadora pudesse gerar o sangue divino e redentor. Por isso, Deus, que faz todas as coisas com perfeição, deu a Maria esse privilégio, preservando-a da mancha do pecado original.

Nesse sentido, como também seria possível que, sendo Deus o Pai de Jesus, Ele permitisse que um homem, aqui na terra, fosse o instrumento para que o Filho viesse ao mundo? Não! Por isso Deus, então, fez com que Maria recebesse a dignidade de uma perpétua virgindade: Maria é virgem antes, durante e depois do parto. Quando nos referimos à “virgindade”, não estamos falando de forma poética, ou somente do estado sociocultural daquela que nunca teve relações sexuais, mas de uma realidade física no corpo da mulher. Isso quer dizer que a integridade física de Maria foi mantida, mesmo durante o parto — esta é a fé da Igreja —, porque era necessário que ela permanecesse, ainda que ser humano algum fosse testemunha dessa realidade íntima entre o Menino Jesus e sua Mãe. O motivo é porque era necessário que permanecesse ali um testemunho concreto da integridade de Maria, Mãe de Deu, a evidência de que aquela criança não poderia ser o filho de um homem, mas de Deus: “Aquele que tu conceberás será Filho de Deus” (cf. Lc 1 , 35).

A virgindade de Maria está, portanto, baseada no grandiosíssimo mistério da divina maternidade. É exatamente este o mesmo motivo por que Maria, quando terminados os seus dias aqui na terra, não poderia se corromper e apodrecer. Estamos falando do corpo que amamentou o corpo de Cristo, do corpo que gerou o corpo de Cristo, do corpo que embalou e protegeu em seus braços o corpo de Cristo! Por isso, ressuscitada por Deus, a Virgem Maria subiu aos céus. E porque ela é Mãe de Deus, ao chegar ao Céu, Deus fez exatamente aquilo que Salomão fez aqui na terra: o Filho eterno a acolheu e a conduziu a um trono feito para ela. É o mistério da coroação de Maria: Rainha do céu, da terra e de toda a criação. Por quê? Porque ela é Mãe de Deus.

Não bastasse toda a grandeza própria de ser Mãe de Deus, Maria também é, para nós, Mãe na Graça. Sim, aos pés da Cruz, Jesus olhou ao redor e procurou o único sacerdote ordenado que estava ali no Calvário; chamou São João e lhe disse: “Eis aí a tua mãe!” (cf. Jo 19, 27). Ao dar Nossa Senhora como presente a São João Evangelista, Jesus estava dando à humanidade inteira uma Mãe, através de um de seus Apóstolos, um sacerdote ordenado. E ali a Mãe Santíssima passou a exercer uma função diferente para nós, porque ela estava aos pés da Cruz como corredentora.

Por corredentora, devemos entender o seguinte: nós temos um único Redentor, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, que ofereceu seu corpo em sacrifício, morrendo na Cruz. Era preciso que um corpo fosse oferecido neste sacrifício; e Deus, lá no Céu, antes da encarnação, não tinha corpo. Mas o Filho então disse: “Não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste um corpo para mim (...) Então eu disse: Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (cf. Hb 10, 5-7; Sl 40, 7-9). Jesus veio para fazer a vontade de Deus e morrer. Quem deu esse corpo a Jesus? Maria! Ou seja, foi ela quem providenciou o Cordeiro para ser imolado e, portanto, é chamada de corredentora, por ter nos dado o Redentor.

Não somente isso: Maria Santíssima é Medianeira de Todas as Graças. Nós sabemos que Jesus é aquele que trouxe para nós a graça, mas a graça veio ao mundo através de uma porta, Maria. Foi por esta mediação que todas as graças, com Jesus, entraram no mundo; portanto, todas as graças nos vêm de Cristo através de Maria.

Ao concluirmos esta homilia, recordamos aquilo que mencionamos logo no início, através de Santo Tomás de Aquino: a divindade da maternidade de Maria — Maria é humana, mas a sua maternidade é divina — possui “uma dignidade infinita”. Devemos em todos os nossos momentos de oração dar “graças a Deus!”, entoar um grande louvor, firmemente alicerçado em nossa fé católica, pelo grande mistério da Mãe de Deus. Que jamais sejamos “filhos acanhados”, temendo professar a nossa fé na Virgem Maria. Porque muitos católicos ficam com medo dos protestantes, escondem ou tentam justificar sua devoção, usando eufemismos: “Ah… é que honramos Maria por ter sido uma grande ‘discípula’ de Jesus…” Ora, evidentemente, ela foi discípula de Jesus, mas ela é muito mais do que isso. Qual discípulo poderia olhar para Jesus e chamá-lo de filho? Que discípulo teve o papel de gerar, cuidar, nutrir e educar Nosso Senhor?

A maternidade de Maria a coloca num outro patamar, considerando toda a criação. Os protestantes não gostam de venerar a Virgem Santíssima, porque não veneram a ninguém. E assim o fazem porque não creem na santidade. Não creem na mínima santidade e menos ainda que alguém possa ser santíssimo, como Maria. Por esse motivo, eles “abastardam” o cristianismo: ora, como a religião do Deus de amor não pode ter filhos capazes de o amar de volta? Deus nos dá a capacidade de amá-lo de volta, dando-nos a graça de podermos ser santos.

Miseravelmente, nós ainda não somos santos, mas queremos sê-lo! Nós, católicos, cremos na santidade, cremos que fomos feitos para um grande amor, o amor do Pai, o amor do Filho, o amor do Espírito Santo. Testemunharmos que esse amor existiu no Coração de Nossa Senhora é, para nós, fonte de grande alegria. Por isso, neste início de ano, a Igreja olha para a maternidade da Mãe Santíssima e adora a Deus, que fez tão grandes coisas, e com ela diz: “O senhor fez em mim maravilhas, e santo” — santíssimo, na verdade — “é o seu nome”.

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