Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 24, 37-44)
Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: "A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé. Pois nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos.
Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem. Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada.
Portanto, ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor. Compreendei bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá".
É uma constante do discurso escatológico de Jesus: ao falar com os seus discípulos sobre o futuro, Nosso Senhor sempre retorna a fatos passados e profecias contidas já no Antigo Testamento. No Evangelho de hoje, por exemplo, Ele compara sua segunda vinda, no fim dos tempos, ao episódio do dilúvio. Não descreve em detalhes nem como nem quando será; limita-se a usar imagens já reveladas por Deus para ilustrar o seu ensinamento. A razão profunda dessa pedagogia é explicada pelo Papa Bento XVI em sua obra Jesus de Nazaré:
"Falar do futuro com palavras do passado subtrai desse discurso qualquer ligação cronológica. Não se trata de uma formulação nova da descrição do futuro, como o seria de esperar em videntes, mas trata-se de inserir a visão do futuro na Palavra de Deus que já nos foi dada e cuja estabilidade, por um lado, e potencialidades abertas, por outro, se tornam assim evidentes. Fica claro que a Palavra divina de então ilumina o futuro, no seu significado essencial; mas não dá uma descrição do futuro; mostra-nos apenas hoje o caminho justo para esse momento e para amanhã.
As palavras apocalípticas de Jesus nada têm a ver com a adivinhação. Querem precisamente afastar-nos de uma curiosidade superficial pelas coisas visíveis (cf. Lc 17, 20) e conduzir-nos ao essencial: à vida alicerçada na Palavra de Deus, que Jesus nos dá; ao encontro com Ele, a Palavra viva; à responsabilidade diante do Juiz dos vivos e dos mortos." [1]
Ao mesmo tempo, a exortação de Cristo à vigilância, também ela presente no Evangelho deste domingo, "não é sair do presente, especular sobre o futuro, esquecer o tempo atual; antes, pelo contrário, vigilância significa fazer aqui e agora o que é justo e cumpri-lo como se estivéssemos na presença de Deus" [2]. Essa lição deve fazer-nos lembrar de um famoso sermão de São Bernardo de Claraval, no qual ele fala de uma vinda "intermediária" do Senhor, entre a sua Encarnação e a Parusia:
"Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, 'todo homem verá a salvação de Deus' (Lc 3, 6) e 'olharão para aquele que transpassaram' (Zc 12, 10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória." [3]
À luz dessas palavras, procuremos evitar em nossa vida inquietar-nos com o passado ou distrair-nos com o futuro. Coloquemo-nos antes na presença de Deus, a cada instante, vivendo com intensidade o presente, pois é no hoje, e não no ontem ou no amanhã, que a graça divina vem visitar-nos.
Mas, se Cristo de fato "vem espiritualmente" à nossa alma, "manifestando o poder de sua graça", por que muitas vezes não O notamos e, insensíveis, deixamos passar em vão a sua visita?
A resposta se encontra na comparação de que se serve o Senhor na passagem deste domingo: assim como nos dias de Noé "todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento", nos dias de hoje estão os homens igualmente hipnotizados com o vício da gula e da luxúria [4]. Esses dois pecados, mais que quaisquer outros, cegam o entendimento e enfraquecem a vontade, tornando praticamente impossível ao homem o cultivo da vida espiritual [5]. Para usar a expressão da primeira leitura, extraída do profeta Isaías, quem está preocupado com as ninharias desta terra, quem põe o seu coração nas coisas baixas deste mundo, não conseguirá ascender "ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos" (Is 2, 3).
Por isso, neste Advento, é muito importante que nos empenhemos em um duplo trabalho.
Em primeiro lugar, é preciso que abandonemos de vez as obras da carne, conforme a exortação do Apóstolo: "Nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades" (Rm 13, 13). Se porventura há muito tempo não nos confessamos, aproximemo-nos depressa do tribunal da misericórdia de Deus e aproveitemos este tempo de penitência para verdadeiramente chorarmos os nossos pecados. As leituras deste período de preparação para o Natal também nos exortam à vigilância, motivo pelo qual são muito recomendáveis as mortificações relacionadas ao sono, tais como acordar no meio da noite para uma oração ou levantar mais cedo da cama. Nesse quesito, o amor pode suscitar ainda muitas outras práticas que, não prejudicando o decorrer do nosso dia e o cumprimento de nossos deveres de estado, deixem o nosso coração em alerta constante para obedecer com prontidão à vontade de Deus.
Deixando então os bens perecíveis deste mundo, podemos atender, em segundo lugar, à outra palavra do Apóstolo: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13, 14). O Verbo eterno de Deus fez-se carne, tornou-se homem, a fim de que nós vivêssemos, em nosso existir humano, a própria vida divina. Assim, quando nos depararmos com alguma situação de sofrimento, incompreensão, doença ou necessidade material, lembremo-nos do que o filho de Maria passou, desde o seu humilde casebre de Nazaré até a árdua subida do monte Calvário, tudo a fim de inspirar-nos confiança quando experimentássemos dramas semelhantes. Brotará então de nosso peito uma profunda gratidão a Deus, porque "não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, sem todavia pecar" (Hb 4, 15).
O que achou desse conteúdo?