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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 10, 27-30)

Naquele tempo, disse Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão.

Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um”.

Hoje é o 4º Domingo da Páscoa, domingo do Bom Pastor, dedicado à oração pelas vocações sacerdotais e religiosas. O Evangelho é muito curto: somente quatro versículos, tirados do capítulo 10 do evangelho de São João. Mais do que refletir sobre esses versículos, é importante primeiro se dar conta do que significa o Bom Pastor. Por isso, vale a pena voltar-se para a Segunda Leitura, do Apocalipse de São João. O cenário é o triunfo de Jesus no Fim dos Tempos, e a Igreja aparece como uma multidão de fiéis salvos. Esse é o contexto geral. O livro do Apocalipse diz: “Vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, povos, tribos e línguas e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro”.

Jesus é o Cordeiro imolado, mas de pé, e o próprio livro do Apocalipse apresenta-o ainda como Pastor. O versículo 17, depois de ser apresentada uma multidão com palmas nas mãos, diz: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas vestes no sangue do Cordeiro, por isso estão diante do trono de Deus, e lhe prestam culto dia e noite no seu templo”. É uma descrição perfeita do céu, mas o curioso é o que vem em seguida: “Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes de água viva e Deus enxugará as lágrimas de seus olhos”.

Isso joga luzes sobre a verdade de Jesus ser o nosso Pastor. Ora, no que faz pensar a ideia de pastor? Em ovelhas frágeis, que precisam ser cuidadas por alguém disposto a enfrentar lobos etc. mas é que a forma como o pastor cuida de nós é se oferecer como Cordeiro imolado. Foi assim que o nosso Pastor, Jesus Cristo, derrotou o inimigo que estava dizimando as ovelhas. É como Cordeiro imolado, derramando o seu sangue, que Jesus derrota Satanás e salva a nós, pobres ovelhas, que estávamos prestes a cair no precipício do inferno, abocanhadas e arrastadas pelo príncipe das trevas.

Foi um balaço o que Jesus lançou, por alguma agressão física contra o inimigo? Foi uma espada o que Ele empunhou para enfiar na goela do lobo voraz? Não. Fomos salvos porque Jesus morreu na Cruz, é dela que vem a nossa vitória. Qual Pastor que nos conduz às fontes de água viva, Ele derramou sangue na Cruz.

Estamos no Tempo Pascal, em que celebramos a ressurreição de Jesus, e é interessantíssimo contemplar o Bom Pastor à luz do mistério da Páscoa e do Apocalipse. Isso porque, no Apocalipse, o Bom Pastor é apresentado como Cordeiro imolado mas de pé: imolado na Sexta-feira Santa, mas de pé porque ressuscitou no Domingo de Páscoa. Ele traz em seu corpo glorioso as chagas de sua imolação, chagas tanto mais gloriosas quanto foram um dia dolorosas. A maior glória de Jesus está justamente no que antes fora a olhos humanos opróbrio e ignomínia, vergonha e escândalo.

Recordemos que o cristianismo foi desde o início perseguido e escarnecido por causa da cruz. Há um famoso grafite parietal (ou seja, uma inscrição na parede), no Palatino, em Roma, em que se vê um homem crucificado, mas com cabeça de jumento; embaixo, o autor do desenho deixou escrito: “Fulano, adora o teu Deus”. Como adorar a um Deus crucificado? A um Deus morto na cruz da forma mais ignominiosa possível? Foi assim que Jesus morreu. A sociedade inteira estava convencida de que Ele era um criminoso, e no entanto era o mais inocente de todos. Ele foi objeto da mais dura perseguição, mas era ali — na cruz —, no que aos olhos humanos parecia sua grande derrota, que Jesus conquistava sua grande vitória.

Deus não é um deus de aparências. Se olharmos ao redor e julgarmos pelas aparências, o que veremos no mundo? Uma constante e diária derrota de Jesus, da Igreja e dos fiéis. Abra-se o noticiário, o que se vai ler é só má notícia. Que iremos dizer se julgarmos pelas aparências? Que as portas do inferno prevaleceram… Mas sabemos que é o contrário. Por quê? Porque, se nós nos mantivermos fiéis e unidos a Jesus, somos já vitoriosos. Eis a vitória que venceu o mundo: a vossa fé!

O Evangelho deste domingo diz: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”, mas seguem para onde? Para a Cruz e daí para a ressurreição; para o fracasso aparente que prepara a vitória verdadeira. “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão”. Olhamos à nossa volta e vemos os verdadeiros cristãos perseguidos, achincalhados, destratados… E a promessa de Jesus de que jamais se perderiam? Sim, jamais se perderão, e “ninguém vai arrancá-las de minha mão porque meu Pai, que me deu essas ovelhas, é maior do que todos e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um”. Esse é o Evangelho de hoje, a grande vitória de Cristo! “As minhas ovelhas ouvem a minha voz e me seguem”.

Sejamos agora bem objetivos. Precisamos, em primeiro lugar, ouvir a voz de Jesus, o que significa ter fé, deixar que a verdade de Cristo ilumine nossa inteligência e convide nossa vontade para que saibamos que Ele é a Verdade. Não nos iludamos. O mundo que nos cerca faz ares de verdadeiro: “Ah! Os católicos seguem ensinamentos medievais, ultrapassados. Vivem fora da realidade. Nós, sim, vivemos no mundo de verdade, mundo do sexo livre, é o da droga, do prazer. Prestamos culto à vida material. Não seguimos a um Deus morto e crucificado”.

É isso o que o mundo diz. Mas se pedirmos a graça de Deus e tivermos o olhar voltado para o alto, veremos tudo sob outra luz. À luz sobrenatural da fé, o mundo é digno de pena e compaixão. Ai dos que cantam a vitória hoje, porque são os grandes perdedores! Onde estão os prazeres dos que hoje jazem nos túmulos? Onde está a riqueza dos que tiveram seus bens consumidos pela inflação e pelo desgaste? Onde está a fama e o poder daqueles de quem ninguém se lembra mais? Quem é César Augusto? Quem é Nero? Onde estão os grandes imperadores? Onde está Napoleão, com toda a sua glória? Onde está Hitler? Onde está Stálin, com todo o seu poder? Onde está Mao Tsé-Tung, com todo o seu domínio? Onde estão os “grandes” da história humana? Na melhor das hipóteses, estão apodrecidos num cemitério, para não falar do estado das suas almas… Ora, de que adianta ganhar o mundo interior, e perder a própria alma?

Ouçamos a voz do Cordeiro: “No mundo tereis muitas tribulações, mas não vos preocupeis. Eu venci o mundo! “Eu venci o mundo”? Onde? Na cruz. Nela, Jesus derrotou o poder de Satanás, do egoísmo, do pecado Jesus, humilde na cruz venceu, a soberba; Jesus, amoroso na cruz venceu, o egoísmo; Jesus, manso na cruz, venceu os irados e coléricos; Jesus, submisso a Deus na cruz, venceu a rebelião satânica. Essa é a vitória que Ele quer nos dar, e para que tenhamos parte nela é necessário que sejamos ovelhas atentas à voz do Pastor voz: “Eu as conheço e elas me seguem”.

Se ouvirmos a voz de Cristo, se tivermos vida de oração e uma sobrenatural, sempre fixo no Céu, então poderemos fazer um dia parte daquela belíssima cena descrita há pouco na Segunda Leitura. Um dia, se Deus o quiser, seremos parte da multidão de ovelhas de todas as nações, tribos, povos e línguas, de pé diante do trono e do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mãos; estaremos entre os que vieram da grande tribulação porque, enquanto o mundo cantava vitória, lavávamos nossas roupas no sangue do Cordeiro, por isso estaremos diante do trono de Deus, a quem prestaremos culto dia e noite no seu templo. 

Que é “prestar culto a Deus dia e noite no templo”? É o Céu, ou a sétima morada. Dia e noite, junto com Deus, e daquele “que está sentado no trono”, o qual nos abrigará na sua tenda, e nunca mais teremos fome nem sede, nem nos molestará o Sol nem algum calor ardente, porque o Cordeiro que está no meio do trono será o nosso Pastor e nos conduzirá às fontes de água da vida, e Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos

Eis aí o que significa celebrar no tempo da ressurreição Jesus Cristo, o Bom Pastor. O Bom Pastor não é senão o Cordeiro imolado mas de pé, aquele que deu a vida pelas ovelhas, por isso elas podem agora participar da vida divina, vida do Céu. Para que isso aconteça, é necessário que as ovelhas escutem a sua voz e que, no meio das tribulações, angústias e desgraças da vida, saibam elevar o coração para o Céu e reconhecer a presença de Cristo.

É de Carlo Acutis uma frase muito interessante que sintetiza perfeitamente toda essa reflexão: “Tristeza é um olhar voltado para si mesmo. Felicidade é um olhar voltado para o céu”. O mundo olha para si mesmo, crê-se vitorioso, mas o que colhe é tristeza miserável e morte, e morte eterna. Mas se nós, boas ovelhas de Cristo, escutarmos sua voz e mantivermos o olhar da fé — corações ao alto, sursum corda —, ou seja, se tivermos o olhar voltado para o céu, seremos bem-aventurados como “os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”. Quem, ainda nesta vida, é perseguido ou miserável, mas mantém o olhar voltado para o alto, já é feliz. E que, nesta vida, tem o olhar voltado para si mesmo e só quer saber de riqueza, de prazer, de egoísmo… “Ai de vós”, diz-lhe Jesus.

Se ouvimos a voz de Cristo e temos o olhar voltado para o alto, a felicidade nos visita no íntimo da alma, apesar de vivermos a tribulação, para que um dia essa mesma felicidade seja plena e perfeita na bem-aventurança do Céu. Então o Senhor, o próprio Deus, enxugará as lágrimas dos nossos olhos. — Que o Bom Pastor, o Cristo Senhor, nos fale ao coração neste domingo do Bom Pastor e nos conduza às fontes de água no céu. 

* * *

V. 27s. Descreve a mútua relação entre si e os fiéis quase com as mesmas palavras que antes (cf. v. 3s); mas aqui afirma dar não só vida abundante às ovelhas, mas antes a vida eterna, isto é, a vida da graça, que é o início da vida eterna; consequentemente, elas jamais se perderão, ainda que alguém (por exemplo, um ladrão, cf. v. 10) queira prejudicá-las, pois ninguém vai arrancá-las de minha mão (de meu poder, de minha proteção); o possessivo parece ter força enfática. — V. 29s. Prova a sentença anterior: Ninguém vai arrancá-las de minha mão, porque ninguém pode arrancar nada da mão do Pai; ora, estar nas mão do Filho é o mesmo que estar na mão do Pai, porquanto os dois são um (lt. unum, gr. ἕν).

N.B. — É incerta a lição do v. 29a, razão por que é igualmente incerta sua interpretação. Conforme a Vulgata (Pater meus quod dedit mihi maius omnibus est), o sentido é este: “Aquilo que o Pai me deu é (um bem) maior, isto é, mais importante e valioso que todos (os outros bens)”. Qual é o dom do Pai? Não o diz, mas pelo contexto não pode ser senão o rebanho espiritual, os fiéis (a Igreja, segundo Calmet), o que muitos notam com acerto. No entanto, parece inadequado chamar às ovelhas o maior dom que Cristo recebeu do Pai, por isso não poucos intérpretes pensam tratar-se da natureza divina, ou do poder que lhe foi confiado [1]. — Admitida a outra lição (lt. qui dedit mihi Pater maior omnibus est, gr. ὁ πατήρ μου ὃ δέδωκέν μοι πάντων μεῖζόν ἐστιν = o meu Pai, o que me deu [as ovelhas], é maior que todos), o sentido é óbvio e

E ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai: logo, tampouco da minha; estão, pois, totalmente seguras, no que afirma ter igual dignidade e poder com o Pai.

— O que antes insinuara, agora o declara abertamente: Eu e o Pai somos um, não só por unidade de poder (o que estava contido no v. anterior), mas por unidade de natureza (como significam as palavras em sentido óbvio e natural). Eis a razão suprema das declarações precedentes. Os judeus buscavam forçar Jesus a atribuir-se em público a dignidade messiânica, ou então a negá-la abertamente; Ele, porém, esquivando-se de toda questão política, leva a discussão para outro terrenos e diz mais do que esperavam ouvir os inimigos ou do que Ele mesmo dissera de si até então. Antes, com efeito, da comunidade de operação (cf. 5,17.19s) ou de mútuo conhecimento (cf. 7,29;) se podia inferir comunidade de natureza, mas ela ainda não fora expressamente afirmada; agora, porém, o é clara e solenemente.

N.B. — Com razão este texto é citado em defesa do dogma da consubstancialidade do Pai com o Verbo e da distinção de Pessoas. Os Padres, com efeito, notaram com voz unânime: “Dizendo eu e o Pai somos, significa distintas hipóstases; dizendo um, sem outro acréscimo, significa a unidade de essência” (Caetano). Que seja este o genuíno sentido da expressão, confirma-se pelo escândalo dos judeus (cf. v. 33).

Notas

  1. Com essa explicação concordam as palavras do IV Concílio de Latrão (1215): “O Pai, gerando desde eternidade o Filho, deu-lhe a sua substância, como Ele mesmo atesta: ‘O que o Pai me deu é maior que todos’” (D 432), embora “a prova escriturística não tenha sido definida junto com a doutrina que ele sustenta” (Prat II, 78).
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