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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 16,29-33)

Naquele tempo, os discípulos disseram a Jesus: “Eis, agora falas claramente e não usas mais figuras. Agora sabemos que conheces tudo e que não precisas que alguém te interrogue. Por isto cremos que vieste da parte de Deus”. Jesus respondeu: “Credes agora? Eis que vem a hora – e já chegou – em que vos dispersareis, cada um para seu lado, e me deixareis só. Mas eu não estou só; o Pai está comigo. Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo, tereis tribulações. Mas, tende coragem! Eu venci o mundo!”

Chegamos hoje à conclusão do capítulo 16 do evangelho de São João. Jesus está no Cenáculo e, depois de tantas perguntas que os discípulos fizeram, depois de tantas respostas, os discípulos então dão a entender a Jesus que eles compreenderam tudo. No entanto, não compreenderam o que de mais importante Jesus tinha para ensinar. Não compreenderam a Paixão. É por isso que, então, Jesus responde, dizendo: “Credes agora? Eis que vem a hora, e já chegou, em que vos dispersareis cada um para o seu lado e me deixareis só”.

Aqui Jesus coloca uma realidade que o evangelho de São João ilumina: “No entanto, eu não estou só porque o Pai está comigo”. Nos Evangelhos sinóticos, por causa da oração de Jesus, do Salmo 21(22), no alto da cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?”, alguém pode ter a falsa impressão de que Jesus, de fato, foi abandonado por Deus.

Não, Jesus na cruz não foi abandonado por Deus. Na cruz, Jesus sentiu sobre si o peso dos pecados da humanidade, o peso daqueles que abandonaram a Deus, por isso aquele Salmo naquele momento. Jesus sabe: “Não estou só”, todos irão se dispersar, todo o mundo vai embora; “mas não estou só; o Pai está comigo”. Ele diz isso já antecipando aos Apóstolos: “Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim”. Essa é a primeira palavra que Jesus vai pronunciar ressuscitado.

Quando Ele, depois do drama da cruz; depois da traição; depois de Pedro tê-lo negado três vezes, depois de os dez Apóstolos terem corrido para longe dele e se dispersado; depois de até mesmo João, que ficou com Ele aos pés da cruz, não ter compreendido a ressurreição, quando Jesus aparece no Cenáculo, na tarde daquele domingo de Páscoa, a primeira coisa que Ele diz: “Paz a vós”. Paz por quê? Porque eles poderiam ter a ilusão de não estar em paz com Cristo, de que Cristo voltaria e voltaria para se vingar da infidelidade deles, da incredulidade deles.

Jesus diz: “Disse-vos estas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo, tereis tribulações; mas tende coragem: eu venci o mundo”. Tribulações, provações, quedas… Infelizmente, é o que nós temos aqui para dizer. Os Apóstolos, de fato, tiveram quedas, e no entanto Jesus, no meio das tribulações, no meio daqueles eventos trágicos da Paixão, em que a Igreja parece ter fracassado, Jesus diz: “Eu venci o mundo”.

É importante nos darmos conta disso: o fracasso humanamente visível da Igreja. A Paixão de Cristo é o momento do fracasso da Igreja. Poderíamos dizer que é o momento da grande apostasia. Permanece aos pés da cruz com fé, fé sólida, íntegra e inabalável, a Virgem Maria; os outros, mesmo ao pé da cruz, vão vacilando na fé. “Eu venci o mundo”, esta é a certeza que Jesus nos dá e, portanto, Ele diz: “Tende coragem”.

A palavra que está aqui em grego é exatamente uma palavra positiva, uma palavra de coragem, confiança, verdadeira ousadia de enfrentar o mal. Eis aí as últimas palavras de Jesus dirigidas aos discípulos no Cenáculo. Agora, Jesus vai começar a sua oração sacerdotal. Não vai sair do Cenáculo. Vai dizer ainda muitas coisas, mas dirá essas coisas ao Pai. Vamos guardar essa realidade: “Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em mim. No mundo, tereis tribulações. Coragem: eu venci o mundo”.

Aplique isso para a sua vida. Ele, lá atrás, no Cenáculo, pensou em você. Ponha o seu nome — você pessoalmente, uma pessoa concreta, real, histórica, aqui no século XXI. Jesus pensou em você, em suas quedas, em suas dificuldades: “Disse-vos isto para que tenhais paz. No mundo, tereis tribulações. Coragem: eu venci o mundo”.

* * *

V. 29s. Tendo ouvido esse claríssimo resumo (v. 28) da doutrina do Mestre, receberam os discípulos como que nova luz e, cheios de admiração, começaram a dizer: Eis… não usas mais figuras (παροιμίαν οὐδεμίαν λέγεις = não dizez parábola nenhuma), i.e., já não falas de modo enigmático e obscuro, mas em termos próprios (παρρησίᾳ) — Agora sabemos etc., o que talvez tenha relação com o v. 19.

V. 31. Jesus respondeu: Agora (lt. modo, gr. ἄρτι) credes? Deve-se manter a forma interrogativa, contra Maldonado, Toledo e outros que preferem a afirmativa (= “Agora credes de fato ou pareceis crer, mas em breve mostrareis a fraqueza de vossa fé”). Mantida, com a maioria dos intérpretes, a interrogação, o sentido pode ser: a) ou Jesus se queixa da lentidão deles para crer (agora = só agora…, tão tarde…?); b) ou então (ou que se ajusta mais ao contexto) questiona em tom levemente irônico a verdade da fé dos discípulos = Agora credes verdadeiramente? Não, imaginais que credes. Vossa fé ainda é imperfeita, pois:

V. 32. Eis que vem (ἔρχεται = já insta, já é iminente) a hora, e já chegou (ἐλήλυθεν = já veio, está presente), em que vos dispersareis, cada um para seu lado (εἰς τὰ ἴδια, i.e. para suas próprias casas, ou cada um para o seu esconderijo), e me deixareis só. E (καί epexegético = no entanto) eu não estou só, porque o Pai está comigo, o qual é para mim fonte de maior segurança e consolo do que a companhia de todos os homens.

N.B. — Isso parece ir de encontro ao que em breve dirá na cruz: E por volta da hora nona, clamou Jesus com grande voz, dizendo: Eli, Eli (em Marcos, na forma aram. Eloi, Eloi) lamma sabachtani (Mt 27,46). São palavras do Sl 21,2, com as quais exprime serem tão intensas suas dores, que sente estar sofrendo como se Deus o tivesse abandonado. — Esse sentimento sempre foi considerado de difícil explicação. Hereges antigos abusaram daquelas palavras para negar a divindade de Cristo (arianos) ou a unidade de Pessoa (nestorianos). Não poucos escritores antigos propuseram explicações ora demasiado sutis, ora puramente alegóricas. Para alguns, Cristo teria falado em nome da humanidade pecadora abandonada por Deus (e.g., Orígenes, In Matth. 135: PG 13, 1785s; In Ps 21,2: PG 12, 1254, além de Atanásio, Gregório Nazianzeno, Cirilo de Alexandria etc.), ou em nome da Igreja (e.g., Agostinho, Ep. 140 [ad Honoratum], 5, 14; 6, 15.18: PL 33, 543s). Nem faltou quem afirmasse terem as duas naturezas se separado naquele instante (e.g., Eusébio, Demonstr. Ev. IV, 12s: PG 22, 281s.287s; Epifânio, Hær. II, 62: PG 42, 305ss, além de Hilário, Ambrósio etc.). — No entanto, deve sustentar-se, ao lado dos escolásticos e da vasta maioria de intérpretes posteriores, o que já Tertuliano, escrevendo contra os patripassianos, havia percebido: “Esta voz é a da carne e da alma, i.e., do homem, não da Palavra [do Verbo] nem do Espírito, i.e., não é de Deus, a qual foi emitida com o fim de mostrar a Deus [Pai] impassível, que abandonou o Filho entregando o homem [por Ele assunto] à morte… Abandonou-o não o poupando; abandonou-o entregando-o” (PL 2, 219). — Cf. Aula 17. Jesus foi abandonado pelo Pai?

V. 33. Disse-vos estas coisas (refere-se às ditas neste sermão) para que tenhais paz em mim, i.e., para que, de ânimo forte e constante, estejais sempre unidos a mim em meio às tempestades desta vida. Com efeito, no mundo, tereis (ἔχετε, presente pelo futuro = tendes) tribulações; mas tende coragem (θαρσεῖτε = confiai, sede fortes, tende bom ânimo etc.), pois eu venci (νενίκηκα) o mundo (por prolepse: em breve o vencerei, por minha morte e ressurreição) não só em meu próprio proveito, mas também para o vosso bem, a saber: por meus exemplos e pela graça que vos mereço. — “Não teria Ele vencido o mundo, se seus membros fossem vencidos pelo mundo” (Santo Agostinho, In Ioh. tract. 103, n. 3).

Referências

  • Tradução de H. Simón–G. G. Dorado, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 918, n. 683; p. 982, n. 743.

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