Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt 11, 25-30)
O Evangelho deste Domingo é separado em três partes: o primeiro parágrafo (v. 25-26) é um louvor de Jesus, pelo resultado obtido pela pregação dos apóstolos; o segundo (v. 27) é uma espécie de “parágrafo joanino”, pois o seu conteúdo teológico se encaixa perfeitamente com a oração sacerdotal de Jesus, contida no Evangelho de São João [1]; o terceiro (v. 28-30) fala do jugo de Cristo, que é suave, e de Seu coração, que é manso e humilde.
É desta terceira parte do Evangelho – considerada “o grito do Redentor” – que partirá a nossa reflexão: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”
Por que Nosso Senhor fala de um jugo? O jugo é uma peça de madeira colocada sobre a cabeça dos bois e que os atrela a uma carroça ou a um arado. Muitas vezes, a Lei do Antigo Testamento foi comparada a uma espécie de jugo, pois, enquanto Deus olhava para o povo de Israel com amor de predileção, pedindo-lhe um coração adorador e igualmente amoroso, os israelitas eram-Lhe infiéis e rebeldes. O culto externo que eles ofereciam no templo de Jerusalém, que deveria ser um sinal de sua entrega interior a Deus, acabava se tornando uma mera formalidade, uma simples cerimônia.
Os profetas perceberam o que acontecia e denunciaram a dureza do povo israelita. No entanto, eles mesmos não tinham uma solução para o problema que identificavam. Nisto consiste a grande crise do Antigo Testamento: os sacerdotes continuavam a oferecer sacrifícios no templo de Jerusalém, mas o coração deles e do povo que eles deviam representar não era adorador, não louvava e bendizia a Deus como convinha.
Neste contexto, aparece a profecia de Ezequiel: “Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” [2]. Essas palavras permaneceram irrealizadas até a encarnação do Verbo, quando o próprio Deus se fez homem, a fim de dar a Si um coração humano que O amasse e O adorasse como Ele merece ser adorado. Finalmente o Shemá, Israel – “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças” [3] – deixava de ser um fardo esmagador para ser visitado pela boa-nova da graça, pela notícia do Sagrado Coração de Jesus.
Algumas pessoas se escandalizam com o fato de que nós, católicos, adoremos o coração humano de Jesus. É claro que, quando se fala do coração de Jesus, não se está referindo ao músculo cardíaco em si. O coração, enquanto órgão biológico, é um símbolo de nossa capacidade de amar. Mesmo assim, no entanto, estamos falando de algo que está na alma humana de Cristo, que é uma realidade criada. Ora, como é possível que prestemos culto de adoração à humanidade de Nosso Senhor?
A resposta está em que os atos que dirigimos a um órgão ou a um aspecto particular de uma pessoa são dirigidos, em última instância, à própria pessoa. Quando nos inclinamos para beijar a mão de uma pessoa, não pretendemos venerar a sua mão, mas honrar a pessoa a quem pertence aquela mão. Do mesmo modo, quando adoramos o amor humano com que Jesus amou a Deus e quando louvamos o Seu Coração, pelo mistério da união hipostática, esses atos são dirigidos à Sua pessoa divina.
Infelizmente, no século XVIII, uma heresia chamada jansenismo começou a contestar com vigor o culto ao Sagrado Coração de Jesus. Esses hereges costumavam fazer crucifixos com os braços de Cristo bem estreitos, pois tinham a ideia de que pouquíssimas pessoas se salvavam. Em resposta a isso, emergia a teologia católica, mormente por parte dos jesuítas, apresentando a sadia esperança de que, pela misericórdia divina, muitos se salvariam. O culto ao Coração de Cristo então se difundiu com muito mais força, especialmente após a aparição de Nosso Senhor a Santa Margaria Maria Alacoque.
O fato é que o Redentor, com os seus braços abertos na Cruz, amando a Deus de forma perfeitíssima, não quer apenas que recebamos o Seu amor, mas também que aprendamos a amar. Nisto está a grande novidade da graça: nós não conseguimos amar a Deus, mas Ele quer amar em nós. Por isso, a fé cristã não é um moralismo, em que se exige de nós o impossível, mas uma confissão de nossa impotência e, ao mesmo tempo, da misericórdia de Deus. Olhando para o coração misericordiosíssimo de Cristo, que amava perdoar os pecadores arrependidos e inclinar-se sobre os pequeninos, também nós somos chamados a dizer: Jesus, eu confio em vós.
Que, neste Domingo, ao ver o padre elevar a Santa Hóstia sobre o altar, ouçamos o grito de Cristo, que diz: “Vinde a mim”. E, com o apostolo João, reclinemos a nossa cabeça no peito do Mestre, a fim de que, no compasso de Seu Sagrado Coração, O amemos como convém. Que o Espírito Santo realize essa obra em nós.
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