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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 1,29-34)

Naquele tempo, João viu Jesus aproximar-se dele e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Dele é que eu disse: ‘Depois de mim vem um homem que passou à minha frente, porque existia antes de mim’. Também eu não o conhecia, mas se eu vim batizar com água, foi para que ele fosse manifestado a Israel”. E João deu testemunho, dizendo: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele. Também eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo’. Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!”

O Evangelho deste domingo nos apresenta o batismo de Cristo narrado por São João Evangelista (cf. 1, 29-34). Estamos mais habituados à versão dos sinóticos — Mateus, Marcos e Lucas —, que é mais direta e esquemática: Jesus se aproxima, João o batiza, abrem-se os céus, o Espírito desce em forma de pomba e então se ouve uma voz: “Eis o meu Filho muito amado”. Na liturgia antiga, o Evangelho deste domingo não é tirado dos sinóticos, mas de São João. É o mesmo trecho que meditamos hoje. Com isso, o Lecionário da reforma litúrgica, neste 2º Domingo do Tempo Comum, parece nos dar uma “segunda chance” de refletir sobre o batismo de Cristo.

No IV Evangelho, João Batista vê Jesus aproximar-se e aponta para Ele, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. É uma frase que todos conhecemos. Mas o que ela tem a ver com o batismo do Senhor? Ora, em aramaico, a palavra “cordeiro” é a mesma usada para “servo”. João aponta para Jesus e o chama, portanto, de servo de Deus, como a ecoar em termos equivalentes o testemunho de Deus Pai: “Eis o meu Filho muito amado”.

Então por que a traduzimos “cordeiro”, e não por “servo”? A razão é simples. Desde o início do IV Evangelho, Jesus é apresentado como cordeiro pascal, isto é, como o servo de Deus profetizado por Isaías no Antigo Testamento, aquele que carregaria as nossas dores e sofreria pelos nossos pecados. Este servo é o cordeiro pascal por excelência. Conforme a cronologia do IV Evangelho, aliás, Cristo morreu ao mesmo tempo que os cordeiros eram sacrificados no Templo de Jerusalém em preparação para a ceia pascal. 

O Senhor nasceu para morrer. Ele não foi apenas um mestre, profeta e taumaturgo que passou pela Galiléia e, por um erro de cálculo, terminou injustiçado e morto na Cruz. Por isso São João Evangelista faz questão de reiterar: “Ninguém tira a minha vida”, disse Jesus, “sou eu quem a dou livremente e a tomo de volta”.

Foi para esse momento, para essa hora, que Ele veio ao mundo. É a mesma hora de que se fala quando, em Caná da Galiléia, o Senhor responde ao pedido da Virgem Santíssima: “Ainda não chegou a minha hora”. Que hora é essa? É a hora da cruz, hora de salvar o gênero humano. Cristo veio nos dar a vida morrendo por nós que estávamos mortos.

Eis o que viu São João Batista desde o princípio. Cristo veio morrer como cordeiro pascal, a fim de tirar o pecado do mundo. Essa é a finalidade de toda a sua vida. O que São João Batista nos diz hoje não poderia ser mais completo em termos de consciência do Credo. O Batista professa, primeiro que tudo, a preexistência eterna de Nosso Senhor. Cristo não começou a existir ao ser concebido pela Virgem Maria. O Batista o diz sem meias palavras: “Porque é dele que eu disse: Depois de mim vem um homem que passou à minha frente porque existia antes de mim”.

Ora, sabemos que João Batista é seis meses mais velho do que Jesus, o qual, portanto, veio depois dele. Primeiro houve o anúncio a Zacarias, depois a gravidez de Isabel, e apenas seis meses mais tarde veremos Gabriel anunciar à Nossa Senhora: “Este é já o sexto mês…”. João Batista era de fato mais velho, mas afirma que Jesus passou à sua frente “porque existia antes de mim”, verdade à qual o Evangelista aludiu a poucos versículos antes: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. O Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

É do Verbo encarnado que o Batista afirma: “Batizará no Espírito Santo… Eu vi o Espírito Santo descer e permanecer sobre Ele, como uma pomba do céu… Eu dou testemunho: Este é o Filho de Deus”. Não poderia ser mais claro. Já nos sinóticos, é Deus Pai quem o testemunha: “Esse é o Meu Filho muito amado”; no evangelho de São João, é o Batista quem diz: “Este é o Filho de Deus”.

Há teólogos, é verdade, para os quais Jesus não teve desde o início consciência de ser Deus, senão que o foi descobrindo com o passar do tempo. Falso. Jesus sempre soube de sua intensidade divina. Nossa Senhora igualmente. Também São João Batista nos está dizendo que sabe perfeitamente quem Jesus é: “Eu dou testemunho: Este é o Filho de Deus”. Não só o sabe como já o havia dito muito antes. Os primeiros discípulos, com efeito, nem se tinham levantado para seguir Jesus, e o Batista já lhes dissera: “Eis o Cordeiro de Deus”. Só então André e João se atrevem a ir após Ele e perguntar: “Mestre, onde moras?” 

Eis aí o Evangelho apresentado em linhas gerais. Notemos agora uma particularidade referente ao batismo. Afinal, não basta saber o que o Evangelho quer dizer; é preciso aplicá-lo na vida. E o que nos ensina na prática o Evangelho de hoje? Que o batismo é antes de tudo uma morte. O verbo baptizo quer dizer mergulhar. Quando o povo de Israel saiu do Egito e passou a pé enxuto pelo mar, os egípcios, que ficaram para trás, morreram todos “batizados”, isto é, afogados.

Batismo significa morte por afogamento. E quem morre no Batismo? Adão, o homem velho, a fim de ressuscitar com Cristo, o homem novo. Ao mergulhar no Jordão, Cristo santificou todas as águas batismais, dando-lhes eficácia santificadora. Deus desceu às águas para, com a sua carne, purificar as águas. Ele é tão puro, que, ao contrário de nós, que usamos água para nos limpar, usa a si mesmo para limpar a água. No Jordão, Cristo mata o egípcio, isto é, o homem velho e pecador à imagem de Adão. Por isso o Batismo é um ritual de morte; logo, intimamente ligado à Cruz de Cristo. Se queremos, pois, ser batizados no Espírito Santo, temos de seguir a Cristo aonde quer que Ele vá, temos de segui-lo em sua morte para poder segui-lo em sua vida.

Jesus é apontado pelo Batista como o Cordeiro de Deus, título que se vai tornar sua identidade sobretudo a partir da Páscoa, isto é, a partir da sua morte e ressurreição. Tanto é assim que, no Apocalipse, Jesus é chamado de cordeiro por antonomásia. Não custa lembrar que o mesmo João, autor do IV Evangelho, escreveu também o Apocalipse, no qual Jesus é quase sempre chamado de Cordeiro, imolado porque morto, mas de pé, porque vivo e ressuscitado.

Quando, ainda no Apocalipse, São João descreve a queda da Babilônia, vemos uma multidão que segue o Cordeiro “aonde quer que Ele vá”. Quem são estes? Faça um exame de consciência e pergunte-se: — “Tenho seguido Jesus aonde quer que Ele vá, ou só o sigo depois da cruz, no momento da ressurreição? Estou realmente disposto a segui-lo, ainda que Ele me chame a abraçar a cruz e ser crucificado consigo?”

O capítulo 14 do Apocalipse diz: “Ouvi uma voz vinda do céu que dizia: ‘Escreve: Bem-aventurados os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito’”. João Batista já o tinha dito: “Aquele que vem batizar no Espírito Santo”, ou seja, que vem mergulhar ou, antes, afogar no Espírito Santo! Sim, Jesus vem matar no Espírito Santo o homem velho. 

Por isso “bem-aventurados os mortos, os que desde agora morrem no Senhor”! Que quer dizer isso? Feliz aquele que morre antes de morrer. Leiamos o texto todo: “Bem-aventurados os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham” (Ap 14,13). Teremos um dia a paz de descansar no céu, mas por ora temos nossas fadigas. Um dia entraremos na alegria celeste, onde nossas lágrimas serão enxugadas, mas aqui ainda é tempo de chorar.

Enquanto não chega a consolação definitiva, é necessário que nossas obras nos acompanhem. É loucura pensar que se pode ser salvo pela fé somente. Sim, a fé é salvífica, desde que produza obras de salvação. Afinal, como a religião do amor não produziria fiéis que amam? Jesus mesmo o disse: “Sois meus amigos, se cumprirdes os meus mandamentos”, o que inclui muito mais do que simplesmente crer.

Ser batizado é ser morto com Cristo, escreve São Paulo aos colossenses. Nossas vidas estão escondidas com Deus no Céu, junto de Cristo. Nós já morremos, mas Jesus ainda nos quer no mundo sem, contudo, sermos mundanos. Bem-aventurados os que desde agora vivem como se não vivessem, mortos para o mundo, mortos para o diabo, mortos para o pecado, mortos para Adão, o homem velho.

Portanto, é preciso morrer. Mas como? Tenha fé, mude de mentalidade, creia na Palavra de Deus, mas coloque-a em prática. As boas obras, diz o Apocalipse, são fadigas. Fadigas! A vida cristã não é uma alegre procissão, espécie de bloco de carnaval em que os fiéis, como novas bacantes, vão enfileirados atrás de um rei momo. Acompanhar o Cordeiro aonde quer que Ele vá não é uma “festinha” . Temos de acompanhá-lo até o fim, isto é, até a Cruz. Ele é o Cordeiro imolado mas de pé.

Faça um exame de consciência. Você quer ser cristão sendo igual a todo o mundo? É isso mesmo o que você quer? Não, meu irmão. Se você quer ser cristão e acompanhar o Cordeiro aonde quer que Ele vá, saiba que existem lugares em que o Cordeiro não entra. Vá somente aonde Ele vai, mas sem espernear. Abrace a cruz. Se você está desanimado, quase a ponto de desistir, reaja! Levante do chão a sua cruz, beije-a amorosamente, coloque-a sobre os ombros e acompanhe o Cordeiro aonde quer que Ele vá. Bem-aventurados os que morrem desde agora no Senhor, pois esses encontrarão a paz.

É uma fadiga, sim, mas que prepara a paz do Senhor. Temos uma multidão de irmãos no céu que já triunfam. Triunfaremos também nós, juntamente com eles, no triunfo do Cordeiro, o Leão de Judá! Não se deixe abalar por tragédias e tribulações humanas. Coragem! A vitória é certa, mas para os que seguem o Cordeiro em seu batismo: “Podeis ser batizados com o batismo com que eu serei batizado?”, perguntava Cristo. “Podeis beber o cálice que eu irei beber?” Sim, Senhor, podemos, a fim de triunfarmos convosco no Céu.

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