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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 3, 16-18)

Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê, não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito.

Domingo passado, celebramos Pentecostes, ou seja, a vinda do Espírito Santo sobre nós. Hoje, Oitava de Pentecostes, celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, ou seja, a Trindade Santa que agora habita em nossos corações. Eis a primeira consequência da vinda do Espírito Santo, e também a mais extraordinária que podemos vivenciar a partir de Pentecostes.

É a respeito desse mistério maravilhoso e importantíssimo que gostaríamos de refletir, visto que a maioria dos católicos o desconhecem. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que não se trata de opinião. Foi o próprio Jesus na Última Ceia quem disse isso.

Na Última Ceia, os Apóstolos estavam tristes e acabrunhados, porque Jesus estava fazendo um discurso de despedida; mas eis que o Senhor lhes prometeu: “Não fiqueis tristes porque vos convém que eu vá”. Afinal, Jesus, durante sua vida terrena, não estava em dois lugares ao mesmo tempo; mas, uma vez ressuscitado, tendo ascendido à glória dos céus, Ele nos pode enviar Espírito Santo para nos tocar onde quer que estejamos.

O Espírito Santo cria em nós uma nova forma da presença divina. É importante meditarmos sobre isso, porque, entendendo que há formas diferentes de Deus estar presente em nós, poderemos viver na prática essas formas de presença, ou seja, essas maneiras de Deus se doar a nós, com intensidade cada vez maior.

Sim, Deus está presente em todos os lugares, mas há diferentes formas de presença. Ora, qual é a forma de presença da Santíssima Trindade dentro de nós?

Vejamos primeiro os dados bíblicos. Acabamos de citar o discurso de Jesus aos Apóstolos na Última Ceia. É o capítulo 14 de São João: “Eu pedirei ao Pai, e Ele vos dará um outro Defensor, que ficará para sempre convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não é capaz de receber”. Trata-se de uma presença diferente da presença habitual do Espírito Santo. O Espírito Santo é o Espírito criador. Ele está presente nas árvores, nos passarinhos; portanto, está presente também nos pagãos e nos pecadores. Mas o que Jesus está dizendo é que o Espírito virá de outro modo, porque aqueles que são do mundo — ou seja, os homens mundanos, entregues ao pecado — não são capazes de recebê-lo, justamente por serem incapazes de conhecê-lo. É, portanto, uma forma de presença ligada ao conhecimento.

Por isso diz Jesus: “Não vos deixarei órfãos”. Uma vez que se conhece o amor de Deus e se recebe o Espírito de amor, recebe-se um conhecimento que é como “línguas de fogo”, porque diz a verdade e abrasa o coração. Como sabemos, a manifestação de Pentecostes ocorreu com línguas de fogo: línguas, porque é o conhecimento pela fé; de fogo, porque gera em nós o amor caridade. Por meio dessas duas virtudes, geradas pelo Espírito Santo presente em nós, somos capazes de amar a Deus e de tê-lo em nossa alma sob uma nova forma.

Jesus mesmo o diz: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. De pés firmes nas Sagradas Escrituras, sabendo que essa presença trinitária é verdadeira, porque garantida por Jesus, procuremos agora entender sua natureza. 

Trata-se de uma presença real, mesmo que não a sintamos ou nem sequer saibamos de sua existência. Santa Elisabete da Trindade só foi ouvir falar disso pela primeira vez aos 19 anos. Como queria entrar para o Carmelo, ela foi aconselhar-se com o diretor espiritual das monjas de Dijon, o Pe. Valle, e confidenciou-lhe que às vezes se sentia estranhamente “habitada” por Deus. O sacerdote respondeu: “Minha filha, isso daí não é impressão; é verdade”. E é uma verdade de fé válida para todos os que estão em estado de graça.

O Pe. Valle explicou-lhe, então, o mistério da inabitação trinitária. Deus está presente em todos os lugares, mas Jesus ressuscitado envia o Espírito Santo para nos tocar. Esse toque opera uma transformação, e começamos a ter em nós o amor de Deus, que passa a viver em nós como amigo, Pai, Filho e Espírito Santo.

Para entendê-lo corretamente, pensemos, por exemplo, na presença da mãe para a criança que está em seu útero. O filho nunca viu o rosto dela. (Aliás, seus processos cognitivos são rudimentares demais para que ela realmente conhecesse qualquer coisa.) Mesmo assim, a mãe está presente à criança de forma bastante concreta, porque a sustenta através do cordão umbilical e do ambiente intrauterino. A criança tem na mãe, sem nem sequer saber, a fonte de toda a sua vida. Ela não sabe nem ama, mas é sustentada, conhecida e amada.

Essa presença é como que “entorpecida”, uma espécie de “imersão oceânica” em que vivem, por exemplo, as crianças, quase inconscientes, sem pensar em nada nem saber o que acontece à sua volta. Mas a mãe está presente à criança, pensando em tudo e consciente das necessidades do filho. É assim que Deus está presente em todas as coisas, inclusive nos pagãos e nos pecadores. Deus está presente nas plantas, nos pássaros, nas árvores, e nos minerais; Deus está presente nos astros, nas galáxias mais distantes, está presente nos átomos.

Portanto, Deus está presente em todo ser humano, mesmo o mais pecador de todos, no de coração mais empedernido. Por quê? Porque o sustenta no ser, porque lhe comunica inteligência e racionalidade, ainda que tal homem não pense em Deus ou mesmo o odeie. Deus está presente em todos os seres humanos. Eis a primeira presença.

Mas existe outra forma: é a de quem, já crescido, pode ter sua mãe presente por conhecimento e por amor, de forma que ela esteja presente no filho como o conhecido em quem conhece e o amado em quem ama. É uma presença, por assim dizer, mais consciente e mais livre, mais amorosa e mais profunda.

Ora, a Trindade está presente nos justos das duas formas ao mesmo tempo. A inabitação trinitária se dá concomitantemente. A Trindade está presente, por sua força e poder, em todas as pessoas, inclusive naquelas que a odeiam. Sim, a Trindade está presente em Satanás e nos réprobos do inferno. Por que, se eles odeiam a Deus? Porque Deus os sustenta no ser. Mas quando eu me abro à ação do Espírito Santo, e Ele infunde em mim a graça, quer pelo Batismo, quer pelo sacramento da Confissão, essa presença é solidificada por uma outra: a presença de Deus como amigo, a quem conhecemos pela fé e amamos pela caridade.

Pois bem, a amizade é uma via de mão dupla. Se eu amo fulano, mas fulana não me ama, não posso considerar-me seu amigo. Só há amizade quando se ama e se é amado. Amizade “vai e volta”. É como a história de um tal Joãozinho, tão tímido, tão tímido, que dizia namorar Maria sem que a própria Maria soubesse que o namorava. 

Deus me ama? Sim, como ama todas as criaturas; mas se eu não amar a Deus de volta, não serei amigo dele, nem Ele meu amigo. Sem uma ação do Espírito, que queima qual fogo o meu pecado, tornando-me capaz de amar, jamais terei amizade com Deus. Há, portanto, duas presenças. Em primeiro lugar, Deus está presente em todas as criaturas sustentando-as no ser, como uma mãe sustenta no útero a criança dando-lhe vida; mas Deus também está presente nos justos por conhecimento e amor. São formas distintas de presença.

Qual é a consequência prática disso? Antes de tudo, determinar-se a viver, custe o que custar, na graça de Deus. Nunca é demais repeti-lo (mesmo que as pessoas insistam em não entender): é necessário abandonar o pecado e confessar-se. Não se pode “viver” em pecado e, ao mesmo tempo, crer-se “bonzinho”.

Nesta vida, a substância de nossa alma é de certo modo inacessível para nós. O que dela conhecemos, sabemos por intermédio de suas atividades e efeitos. Por isso é fácil confundir o que a nossa alma realmente é com o que, no fundo, é produto da imaginação, de sentimentos, de paixões desordenadas, de toda a nossa movimentação interior. No entanto, se você morrer agora, sua alma não mais estará sob a influência do corpo, e poderá conhecer-se diretamente, “nua e crua”.

Quem morre em pecado mortal, ao ver a própria alma, se dá conta de todo o ódio que tem a Deus; mas quem morre em graça, ao separar-se a alma do corpo, vê todo o amor que Deus ali derramou, ainda que se trate de uma criança recém-batizada que nunca teve a chance de realizar um ato de caridade. Só possuía o amor em hábito; mas ainda assim o possuía!

Digo isso porque há muita gente que, tendo o pecado como um projeto de vida, atreve-se a dizer: “Não, eu sou uma pessoa boa. Eu amo a Deus”. Ora, é até possível nutrir algum afeto por Deus e pelas coisas divinas; mas, no fundo da alma em pecado, há um verdadeiro ódio a Deus.

Por isso, é necessário que o Espírito Santo venha no Batismo e na Confissão para queimar esse ódio e, no lugar dele, acender o fogo do seu amor. As almas em pecado mortal não têm a verdadeira caridade. Nelas, Deus ainda está presente, mas não como amigo. Elas até podem achar-se amigas dele, mas não o são. Por isso, peçamos insistentemente a Deus a graça de uma verdadeira conversão, de um propósito, firme e resoluto, de deixar todos os pecados mortais de uma vez por todas e para sempre. 

“Ah, mas eu não sei se vou conseguir me arrepender, porque há um pecado em que sou já um inveterado… é gostoso, padre!” Arrependimento não quer dizer deixar de “gostar” do pecado. Arrependimento quer dizer que, se Deus revelou o que é pecado e o que nos faz mal, ainda que o achemos prazeroso, o detestamos com um ato de vontade, como quem diz: “Eu detesto isso porque Deus me mandou detestá-lo. Ele é sábio; eu, apenas um ignorante, cego pelo pecado”. 

Há quem pense assim: “Droga? Acho que nem faz tanto mal”; “Adultério? Até que não faz tanto mal”; “Masturbação e pornografia? Até que não faz tanto mal assim”; “Roubo, corrupção, mentira? Não faz tanto mal assim”; “Ah, vou deixar de ir à Missa de domingo. Que mal há nisso?”… Ora, Deus nos revelou que tudo isso faz mal, sim, e é pecado mortal. Por quê? Porque mata em nós a caridade. Vivendo nesses pecados, de certa forma, nossa alma morre; ela “vive” em estado de morte.

Logo, o primeiro passo é decidir-se a largar de uma vez para sempre todo e qualquer pecado mortal: Batismo e Confissão; o segundo é viver em amizade com Deus. Afinal, como é possível amar alguém a quem nunca se encontra? Você precisa sentir necessidade de estar com Deus. E foi para nos habituar à inabitação trinitária que Jesus nos deu o sacramento da Eucaristia.

Por isso, você precisa comungar com frequência. Não deixe a comunhão apenas para os domingos. Comungue bem, comungue com fé. Se for preciso, “amarre-se” ao banco da igreja para permanecer por vários minutos em oração íntima e de amizade com Deus.

Quantas horas você gasta ao telefone com os amigos? Quanto tempo você perde no WhatsApp ou no Facebook? Jesus olha para você e diz o mesmo que dissera aos discípulos no Horto das Oliveiras: “Não fostes capaz de permanecer comigo uma hora sequer?” Você não é capaz de ficar em vigília por pelo menos uma hora? Que amizade é essa?

Precisamos ter com Deus uma verdadeira amizade, cientes de que a todo momento podemos mergulhar em nossa alma e encontrar a presença trinitária. São, como dizia Elisabete da Trindade, os “nossos Três” amigos, presentes em nossa alma como num pequeno “céu”, a fim de nos levarem um dia ao Céu definitivo.

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