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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 
(Jo 20, 19-23)

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”.

Neste domingo, transcorridos cinquenta dias após a Páscoa, celebramos a solenidade de Pentecostes. Depois de ressuscitar num domingo, Jesus apareceu aos discípulos durante quarenta dias; mas Ele mesmo disse “é conveniente para vós que eu vá”, a fim de enviar o Espírito Santo. Hoje o Paráclito desce sobre os Apóstolos, reunidos no Cenáculo com Maria Virgem. Tem início, assim, um novo período da história, o tempo da Igreja.

A Igreja está fundamentada no mistério de Pentecostes, porque ela é o novo Corpo do qual Jesus se revestiu. A expressão pode parecer ousada, mas está presente no último capítulo da Vida de Cristo, de Fulton Sheen. O capítulo intitula-se: “Cristo se reveste de um novo Corpo”. Fulton Sheen poderia tê-lo chamado de “Pentecostes”, mas preferiu esse título mais instigante. Isso porque em Pentecostes tem início a Igreja, o Corpo místico de Cristo, continuação, na história, do mistério da Encarnação. Reflitamos um pouco a esse respeito.

É comum ouvirmos algumas pessoas dizendo: “Se eu vivesse dois mil anos atrás, quando Jesus veio ao mundo, não teria dificuldade de crer nele. Agora, porém, Jesus está tão longe… O que sobrou foi uma Igreja corrompida, cheia de pecados. É triste saber que Jesus, tão santo, viveu dois mil anos atrás, enquanto nós o que temos hoje é a Igreja”. 

A verdade é que, se vivêssemos naquela época, tampouco acreditaríamos em Jesus. Se nos escandalizamos hoje com as fraquezas presentes na Igreja, que é o Corpo místico dele, como não nos haveríamos de escandalizar, dois mil anos atrás, com as fraquezas do corpo físico de Cristo? Sim, Jesus é o Filho de Deus; nós, porém, o veríamos crucificado, ensanguentado, desfigurado, irreconhecível. Foi um escândalo para todos, e também seria para nós.

Por que tantos judeus se negaram a crer em Nosso Senhor? Porque o viam apenas como homem, com as fraquezas próprias de um corpo humano. Ele sangrou, sofreu e finalmente se entregou à morte. Ora, como é possível que Cristo, sendo Deus, morra na Cruz? Como é possível que, sendo de condição divina, tenha ao mesmo tempo um corpo frágil, estraçalhado, pregado ao madeiro? Eis o grande escândalo do corpo de Cristo.

Entretanto, Jesus subiu aos céus ressuscitado, em corpo glorioso, e de lá enviou o Espírito Santo para que esse corpo permanecesse na história. Esse Corpo é a Igreja. 

Sob a mesma perspectiva, olhemos agora para a conversão de São Paulo. Jesus subiu aos céus sem que Saulo, ao que tudo indica, o tivesse visto alguma vez. Encarregado de levar os cristãos presos a Jerusalém, Saulo cai por terra a caminho de Damasco e ouve perguntarem-lhe do meio de uma luz fulgurante: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”; “Quem és tu, Senhor, para que eu te persiga?”; “Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (At 9, 3ss).

Saulo poderia ter dito: “Não, Senhor, persigo os que creem ti”. No entanto, Jesus trata-os como se fossem Ele mesmo. Quem, ao tropeçar e bater o pé num móvel da sala, reage dizendo: “Foi só o dedão”? Ninguém. Se o pé se machuca, o corpo inteiro sente-se afetado. Saulo estava pondo membros do Corpo de Cristo na cadeia, por isso Jesus, a Cabeça, queixou-se: “Por que me persegues?” É a experiência da Igreja. Em Pentecostes, vem à luz o Corpo místico de Cristo.

Não se trata de um corpo físico em sentido biológico. A partir da Ascensão, o corpo físico de Jesus está no Céu e, sacramentalmente, nos sacrários da terra, escondido sob a aparência de pão. A Igreja não é o corpo físico de Jesus, é o Corpo místico. Também não se trata de uma associação, como um clube ou uma empresa. As associações humanas são corpos morais, que se sustentam e se perpetuam pela vontade dos associados de permanecerem unidos uns aos outros. O Corpo místico de Cristo não é obra de vontades humanas. Não somos mera instituição humana. A Igreja é o Corpo místico de Cristo; logo, sua alma é o Espírito Santo.

Se os Apóstolos, antes de Pentecostes, tivessem decidido fundar a Igreja com as próprias forças, estariam fundando qualquer coisa, menos a Igreja. A Igreja é uma instituição fundamentalmente divina. Não é a vontade do homem, mas o Espírito Santo quem faz a Igreja.

A Igreja militante é um organismo presente no mundo; é uma sociedade visível, mas diferente de todas as outras. É fruto da ação do Espírito divino derramado sobre os Apóstolos e a Virgem Maria. O Paráclito é para a Igreja o que a alma é para o corpo humano.

A ciência, escreve Fulton Sheen na obra Vida de Cristo [1], já descobriu quais são os elementos que compõem o corpo humano. Ora, reuni-os todos e entregai-os a um grupo de cientistas. Embora conheçam cada um desses elementos, eles não serão capazes de produzir em laboratório um só dedo. Afinal, o que faz um corpo ser propriamente humano é a alma. O que faz um embrião, a célula concebida no tubo uterino de uma mulher, ser humano é a alma em virtude da qual aquele corpinho vai-se desenvolvendo como qualquer ser vivo.

O corpo vivo cresce de dentro para fora. O que não é vivo cresce de fora para dentro. Um edifício, por exemplo, constrói-se assim: primeiro se erguem as paredes e só depois se faz o acabamento. Ora, a Igreja é um Corpo vivo. Ela começa com os Apóstolos; mas não lhe basta ter os elementos — Pedro, André, Tiago, João etc. —, pois é necessário unificá-los pela alma infundida nesse Corpo. E a alma da Igreja é o Espírito Santo.

Em Pentecostes, o Paráclito, princípio vivificante da Igreja, foi derramado sobre ela em forma de línguas de fogo, de modo que a Igreja se tornou, a partir de então, uma realidade visível. Quando São Pedro abriu as portas do Cenáculo, e a multidão que estava do lado de fora ouviu o anúncio do Evangelho, a Igreja verdadeiramente nasceu. Antes havia elementos dispersos, ainda em preparação, que foram reunidos num só e mesmo Corpo vivo pelo Espírito Santo.

A Igreja é uma união de seres humanos com o Ressuscitado num organismo vivo que atravessa a história. Pelo Espírito Santo, estamos unidos a Jesus Cristo como membros ao Corpo. Ele, nossa divina Cabeça, reina glorioso no Céu; nós, membros ainda padecentes na terra, vivemos da vida dele por obra do Espírito Santo que nos foi dado, pelo qual nos chegam as graças atuais de que necessitamos todos os dias: “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Eis o mistério da Igreja. 

Há quem diga: “Eu creio em Deus e em Jesus Cristo, mas eu não creio na Igreja”. Isso não dá certo. O movimento dos inimigos de Cristo, exposto já por Pio XII, é assim: de início afirmam: “Jesus sim, Igreja não”; dali a pouco, fazem a ressalva: “Deus sim, Jesus não, porque temos de unir as religiões”; e enfim proclamam: “Deus não”. Esse é o caminho do Anticristo, que leva a um verdadeiro satanismo [2].

Quem tem fé em Jesus, mas não na Igreja, pode ter acesso a Cristo unicamente por meio da Bíblia? Ora, a história atesta que não haveria Bíblia, se antes não houvesse Igreja. Os três primeiros séculos do cristianismo, com efeito, foram muito conturbados. A Igreja era perseguida externamente pelo Império Romano e dilacerada internamente por uma religião parasita chamada gnose [3]. O gnosticismo foi de longe o maior problema da Igreja nos três primeiros séculos, muito maior do que a perseguição romana. Porque os romanos perseguiam os cristãos, mas o sangue dos mártires, como diz Tertuliano [4], era semente de novos fiéis; o gnosticismo, no entanto, como um parasita dentro da Igreja, esse, sim, estava sugando-lhe a vida.

Em que consiste o gnosticismo? É a promessa de um acesso privilegiado à “verdadeira” doutrina cristã à margem da Igreja e da hierarquia eclesiástica: “Nós, gnósticos, temos a doutrina profunda. Já os bispos, uns ignorantes semi-analfabetos, de nada sabem. Nós é que temos conhecimento, a gnose”. E começaram a produzir dúzias de livros. Entre eles, o “evangelho” de Maria Madalena, listado por Dan Brown, autor de O Código da Vinci, entre os apócrifos excluídos da Bíblia por apresentarem um Cristo demasiado humano [5].

Na verdade, o evangelho de Maria Madalena é um escrito tardio do séc. III, que a Igreja fez bem em não incluir no cânon bíblico, pois é uma invenção gnóstica. Qual, porém, foi a grande “contribuição” de Dan Brown? Dar a conhecer aos ignorantes o que nós, católicos, sempre soubemos: só existe Bíblia, enquanto conjunto de livros inspirados por Deus, porque a Igreja Católica discerniu quais livros são inspirados. Sabemos disso há dois mil anos. Nunca o escondemos de ninguém. Foram os protestantes que, faz meio milênio, resolveram ter Bíblia sem a Igreja. Isso não é possível. Ou se crê na Igreja que nos deu a Bíblia, ou não há explicação para a origem da própria Bíblia [6]. 

“Mas a Igreja Católica”, dizem alguns, “está repleta de pedófilos, de pecadores, de ladrões, de assassinos, de gente sem-vergonha. Longe de mim crer nisso”. É um escândalo idêntico ao dos judeus, dos fariseus e dos sumos sacerdotes que não creram que Jesus é o Filho de Deus feito homem, por terem-no visto sangrar e morrer com um corpo humano cheio de fraquezas. Ora, do mesmo modo que o corpo físico de Cristo, antes da Ressurreição, tinha fraquezas — tanto que morreu crucificado —, assim também o Corpo místico, embora santo e imaculado, tem membros fracos e pecadores neste mundo. 

Todo aquele que quiser ter contato com Jesus ressuscitado deve abrir-se à presença encarnada do Corpo místico dele na história, que é a Igreja. É dela que recebemos a Bíblia, os sacramentos, a sã doutrina, o exemplo e a intercessão dos santos; em suma, todos os nossos tesouros. E se Jesus não tem dois corpos, a Igreja só pode ser única.

Pentecostes nos chama, portanto, a renovar a nossa fé: “Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica”. É una, porque Jesus não tem dois corpos. É santa porque, embora os membros tenham pecados, o Corpo de Cristo é imaculado. É católica, porque em todos os tempos e lugares é a guardiã da fé em sua integridade. É apostólica, porque nossa fé é a mesma pela qual os Apóstolos derramaram o sangue. Os Doze, tímidos dentro do Cenáculo, de lá saíram em Pentecostes cheios do Espírito Santo, homens valorosos, prontos para derramar o próprio sangue, tingindo suas vestes no sangue do Cordeiro. Se eles morreram pela fé, também nós temos de morrer por ela. 

Muitos acusam a Igreja de violência e intolerância por não aceitar a “diversidade”. A resposta é simples. Para os católicos, a fé não é algo pelo qual se deve matar, é algo pelo qual se deve morrer. Estamos dispostos a dar a vida para não deixar de ser membros do Corpo místico. Pentecostes é, por assim dizer, o “aniversário” da Igreja Católica. Derramado sobre os membros, o Espírito Santo dá forma ao Corpo de que Cristo é revestido, a Igreja, pela qual Ele continua vivo entre nós ao longo dos séculos. 

Renovemos, pois, neste domingo nossa fé na Igreja. Renovemos ainda o nosso Batismo e a nossa Crisma, nos quais recebemos o Espírito que nos faz membros do Corpo de Cristo, ungidos como Ele. Por isso somos cristãos. Rezemos pela Igreja, que padece perseguições tanto externas (cristãos encarcerados ou martirizados) quanto internas (heresias que, como parasitas, sugam a vida da Igreja). Rezemos e mais uma vez renovemos a vontade de, cheios do Espírito Santo de amor, pertencer ao Corpo místico de Cristo ressuscitado, a santa Igreja Católica.

Notas

  1. Cf. Fulton J. Sheen, Life of Christ, c. 62. Nova Iorque: Image Books, 1977, p. 444. Cf.
  2. Pio XII, Discurso aos homens da Ação Católica, de 12 out. 1952 (AAS  44 [1952] 832). Leia-se também, em nosso Blog, o artigo “A destruição arquitetada por um anjo”, de 25 jun. 2014.
  3. Para uma exposição sumária do movimento gnóstico, assista à aula “O gnosticismo e o arianismo”, nn. 7–11, do curso Introdução ao Método Teológico.
  4. Cf. Tertuliano, Apologeticum, 50.13 (ML 1,535A; CSEL 69 [1939] 12059s): “Plures efficimur, quotiens metimur a vobis: semen est sanguis Christianorum.”
  5. Cf. Dan Brown, The Da Vinci Code, c. 58. Leia-se também, do nosso Blog, “A verdade sobre os apócrifos”, de 13 nov. 2020.
  6. Ver, a propósito, a aula “Uma Bíblia sem Igreja?”, do curso Por que não sou protestante.

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