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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 11, 25–30)

Naquele tempo, Jesus pôs-se a dizer: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.

Nos últimos domingos, começamos a ler o capítulo 10 do Evangelho de Mateus. Jesus escolheu doze Apóstolos, depois os enviou em missão, não sem antes lhes dizer como se haviam de comportar e o que lhes havia de suceder.

No Evangelho de hoje, capítulo 11, os Apóstolos voltam de sua primeira missão e relatam a Jesus o resultado da obra. O Senhor, vendo aquela colheita — lembremos que Ele dissera: “Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários” (cap. 10), e “A colheita é grande, mas os operários são poucos” (cap. 9) —, agora prorrompe num hino de louvor: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra”.

Primeiro, vemos Jesus rezar. Versículos antes, Ele nos convidara a rezar, a fim de que houvesse operários para a colheita; em seguida, Ele mesmo rezou antes de escolher os Doze; agora, Ele louva a Deus, porque, sendo o Filho unigênito, se fez homem e, como tal, convinha-lhe submeter-se ao Pai: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra”. 

O início desta oração faz eco à bênção que os judeus rezam até hoje: Barukh ata Adonai Elohein, — “Bendito seja o Senhor”. No original grego, essa característica fica pouco clara, porque o verbo utilizado é ‘confessar’ (ξομολογέω): “Eu vos confesso, ó Pai”; o sentido, porém, é: “Eu te louvo, ó Pai”. A razão disso, como nos recorda Santo Tomás de Aquino, é que há três formas de confessar.

Com efeito, o verbo ‘confessar’, tanto em grego como em latim, pode ter três objetos: (1) pode-se confessar a fé, o que em português se diz ‘professar’; (2) podem-se confessar os pecados, para o que não temos outra palavra; (3) pode-se, enfim, confessar a Deus, ou seja, louvá-lo por suas obras. “Eu te confesso”, quer dizer, “eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra”.

Louvá-lo por quê? Por ver a mão de Deus nas almas convertidas por obra dos Apóstolos, o que causa verdadeiro maravilhamento na alma de Nosso Senhor: “Porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos” em sentido carnal, o mesmo usado por São Tiago: “Deus resiste aos soberbos”. 

Quem quiser conhecer a Deus em virtude do próprio engenho humano, querendo-o enquadrar num conceito acessível à compreensão humana, jamais o conhecerá. Para entender a Deus, ou para captar à luz da fé um pouco do que realmente é o mistério divino, é preciso ser pequenino. É às “criancinhas” que Deus se revela.

Por isso é importante se dar conta de que fé e humildade, duas virtudes básicas, andam sempre juntas. Humildade, entre outras coisas, é pôr-se diante de Deus, de sua infinita e tremenda majestade. Jesus mesmo se propõe como exemplo de humildade: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração”.

A alma de Jesus é humilde porque, enquanto alma humana, reconhece a grandeza de Deus, quer dizer, o abismo existente entre Ele e as realidades criadas. A alma de Jesus é humílima; na verdade, é o exemplo máximo de humildade.

Quantos filósofos e cientistas atuais — às vezes nem tão filósofos nem tão cientistas… no fundo, gente metida à besta — acham-se “sabichões” o bastante para pôr a Deus no banco dos réus. Os grandes ateus da história fizeram isso, imitadores fiéis o pai das trevas, Lúcifer, o anjo soberbo que se quis superior a Deus.

Um exemplo entre muitos. Voltaire, “filósofo” ligado à Revolução Francesa, escreve contra Deus palavras que chegam à loucura, para não dizer demência. É como um soberbo que vocifera: “Se Deus não entra na minha cabeça, Ele não tem o direito de existir; se Deus não segue os meus esquemas ou meu jeito de pensar, então Ele não existe”. Ora, para compreender a Deus só há um meio: antes de tudo, a humildade.

Na prática, isso quer dizer o seguinte: Deus, por definição, não pode ser compreendido pelo homem, muito menos dominado pela mente humana. Deus, pelo fato mesmo de ser Deus, é inacessível à nossa inteligência. Não porque não possamos conhecer nada a respeito dele, mas porque não podemos conhecê-lo de forma adequada e exaustiva.

Temos certeza de que Ele é bom, e o que não compreendemos de seus desígnios se deve, não a uma falta de bondade por parte dele, mas à nossa própria insuficiência. É pela humildade que se abrem as portas da inteligência, porque Deus resiste aos soberbos, mas se dá a conhecer aos humildes. 

Agora, um conselho bem prático para os que já têm fé, mas de vez em quando vacilam: Humilhem-se sempre diante da presença de Deus. Quantas vezes tenho visto, em aconselhamento e no confessionário, pessoas tentadas a julgar a Deus por circunstâncias da vida ou por dramas pessoais… Acabam cedendo à tentação de Satanás, que lhes sussurra: “Onde estava o teu Deus?”

Não, a Deus não se põe no banco dos réus! “Humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus”. Nem sempre compreendemos por que o Senhor permite certas coisas; nem sempre compreendemos seus desígnios e suas bondades, por isso renunciemos à atitude, arrogante e soberba, de pretender julgá-lo. Antes, inclinemos a cabeça diante dele e o adoremos. Aprendamos de Jesus, que é humilde de coração, e louvemos o Pai, que esconde seus mistérios aos soberbos e entendidos, mas os revela aos pequeninos. 

Primeira atitude, pois: humildade e adoração diante de Deus, com a fé de quem sabe: “Ele me ama mais do que eu amo a mim mesmo. Ele é sábio; eu, ignorante. Ele é bom; eu, desconfiado e malicioso”. Eis o primeiro ponto. 

Passemos ao segundo, também baseado no exemplo de Jesus: “Aprendei de mim, que sou manso de coração”. Nosso Senhor, diante de Deus, é humilde; diante de nós, é manso. Mas o que quer dizer mansidão? 

Aqui se descortina outro problema. Além de não sermos humildes, mas soberbos diante de Deus, também somos irritadiços, raivosos e coléricos com os irmãos, a quem tratamos muitas vezes com verdadeira malevolência. 

É algo típico da humanidade decaída, tanto ontem como hoje; mas nestes nossos tempos, de modo mais particular, as pessoas têm vivido tamanhas tensões afetivas, tamanhas preocupações, que parecem ter ainda mais dificuldade em ser pacientes umas com as outras. 

Ora, Jesus está nos dizendo que precisamos ser mansos de coração. Como? Sem fazermos grandes meditações sobre o conceito de mansidão, tomemos um exemplo básico e corriqueiro. O que é um animal manso? Santo Isidoro de Sevilha, em suas Etimologias — muito intuitivas do ponto de vista espiritual, embora nem sempre corretas sob a perspectiva filológica —, diz que a palavra ‘manso’ (em latim, ‘mansuetus’) vem de ‘manu adsuetus’ [1], ou seja, refere-se ao animal acostumado com a mão do dono. 

Cachorro manso, por exemplo, é aquele em que podemos passar a mão; ele está tão acostumado, que já não reage com violência. Nesse sentido, é manso o coração que não se revolta diante de dificuldades, de inconveniências, de contrariedades. É o coração que aprendeu pacientemente a carregar a cruz. 

Não há como escapar; nós sempre seremos contrariados no dia a dia. Não há alternativa; nem mesmo aos mais poderosos e mais ricos da Terra as coisas sucedem sempre segundo os seus desejos. Além disso, quem vive em família deve acostumar-se a ser contrariado diariamente. É impossível viver em família sem pedir divórcio, sem querer abandonar os pais num asilo etc., se não se está disposto a ser contrariado. Sabiamente vivida, a família é uma escola maravilhosa para desenvolvermos as virtudes.

Jesus carregou também essas dores. Durante os anos que viveu em Nazaré, quantos atos de paciência, de mansidão e de cordura Ele não teve de ter para com os habitantes da cidade, os mesmos que, mais tarde, não mereceriam ver os seus milagres, porque não tinham fé! Como aquela gente deve ter contrariado Nosso Senhor, e com que paciência, com que mansidão Ele carregou tantos infortúnios! 

Sim, o exemplo máximo de paciência se dará na Cruz; mas se esta é tão heróica — quase sobre-humana —, a ponto de nos parecer mais admirável do que imitável, é porque nos esquecemos que, antes de subir um dia o Calvário, Jesus suportou os nazarenos por anos a fio, carregando o peso das dificuldades de seus conterrâneos.

Nesse sentido, o nosso próximo é, por excelência, escola de mansidão. (De fato, aprendemos a ser mansos quando as coisas não sucedem como imaginávamos, o que não quer dizer que devamos ser passivos e indiferentes.) Seja como for, é necessário ter sempre em mente que, se quisermos viver juntos e amar ao próximo, não podemos ser “egóicos”, centrados em nós mesmos. Paciência e mansidão são necessárias; é isso que Jesus nos ensina no Evangelho de hoje.

Em síntese, trata-se de viver os dois grandes mandamentos, que ao fim e ao cabo se resumem em um só: o mandamento do amor, fruto do Coração de Jesus. Se o amor a Deus sobre todas as coisas começa pela humildade, o amor ao próximo só é possível pela mansidão, pela capacidade de carregar os pesos uns dos outros.

Trilhemos, pois, esse caminho e veremos como o nosso coração se ilumina e esclarece como o dos pequeninos: “Se não fordes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”. Por isso disse Jesus no Evangelho: “Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.

A quem o Filho quer revelar esse conhecimento? “Vinde a mim todos vós, que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos”, isto é, do egoísmo, da soberba, da ira, da impaciência; “tomai sobre vós o meu jugo”, isto é, o jugo da caridade e do amor, “e aprendei de mim” a trilhar o caminho do amor, pois “sou manso e humilde de coração”.

Que esse seja o nosso caminho, amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, por amor a Deus.

Notas

  1. Etymologiae, 10.169 (ML 82,385A): “Mansuetus, mitis vel domitus, quasi manu adsuetus”; cf. Alcuíno, De grammatica (ML 101,891A): “Fit quoque […] ab adsuesco adsuetus”.

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