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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 4,14-22a)

Naquele tempo, Jesus voltou para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza. Ele ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam. E veio à cidade de Nazaré onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga no sábado, e levantou-se para fazer a leitura.

Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”.

Depois fechou o livro, entregou-o ao ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir”. Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca.

Comentário

Explicação do texto.E foi a Nazaré, onde se tinha criado, e, segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga. Segundo de Bruges, o evangelista refere-se ao costume de frequentar a sinagoga, que Jesus observara desde pequeno; outros pensam que se trata do costume de ensinar todos os sábados na sinagoga, como é dito pouco antes (v. 15): Ensinava nas sinagogas deles etc. — E levantou-se, oferecendo-se espontaneamente ou a pedido do arquisinagogo, para fazer a leitura.

V. 17. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías, e quando desenrolou (lt. explicuit) o livro etc. A lição gr. criticamente mais provável é ἀνοίξας = ‘como abrisse’; contudo, a lição da Vg exprime melhor a ideia (gr. ἀναπτύξας, cf. v. 20: πτύξας), pois os livros dos hebreus tinham formato de rolo. Jesus encontrou (gr. εὗρεν, lt. invenit) o lugar não por acaso, mas de propósito, embora sem esforço.

V. 18. O Espírito do Senhor repousou sobre mim etc. As palavras são tiradas de Is 61,1s, mas um pouco modificadas (do v. 1, omite-se: curar os de coração despedaçado, e do v. 2: o dia da vingança do nosso Deus; acrescenta-se de Is 58,6: deixar ir livres os que estão oprimidos). Ali, o Servo de Javé expõe o plano da futura obra da redenção. Eleito pelo Senhor (Javé) e investido de uma missão oficial (gr. ἔχρισέν με, lt. unxit me), foi enviado (gr. ἀπέσταλκέν με) para pregar um ano de indulgência divina, trazer aos miseráveis e afltios (gr. πτωχοῖς, hebr. anawîm = pobres, desprezados) a alegre notícia de uma nova era; a libertação e a manumissão aos cativos (aos que estavam detidos em cativeiro pelos gentios ou, em sentido espiritual, aos que estão aprosionados sob o poder do pecado e de Satanás), e aos cegos, i.e. aos que desejam luz por estarem sentados nas trevas e na sombra da morte (cf. Is 9,2; 42,7; 49,6), a vista, i.e. a luz da felicidade e da liberdade (ou, em sentido material por metonímia, aos que são afligidos por doenças e dores corporais a cura, i.e. pondo uma só espécie por todo o gênero); aos que são oprimidos pela força (gr. τεθραυσμένους, lt. confractos) a esperança e o conforto da libertação (in remissionem).

Numa palavra, exprime a missão de que foi encarregado: Pregar o ano favorável (gr. δεκτόν = aceito, grato, i.e. cheio de graça e benevolência) do Senhor, i.e. um ano (= um tempo) em que Javé estará maximamente disposto a perdoar e atender. A nova era é comparada a um ano sabático ou a um ano jubilar (cf. Lc 25,10.39ss; Dt 15; Jr 34,8ss), no qual todos recuperavam o patrimônio perdido e os servos eram postos em liberdade (1). De fato, o advento de Cristo constitui o jubileu perfeitíssimo e definitivo, no qual os escravos do pecado recuperam a antiga liberdade e, antes expulsos da herança paterna, voltam ao estado de graça e de eterna bem-aventurança (cf. Is 49,8; 2Cor 6,2) (2).

V. 21. Hoje se cumpriu esta escritura (este lugar da Escritura) em vossos ouvidos, i.e. o que acabais de ouvir: ‘nesta mesma hora em que a ouvistes ela começou a se cumprir’, ou ‘já está cumprida’. O autor sagrado nos deixou apenas o início e o tema do sermão, mas passou em silêncio, pelo que se pode supor, a belíssima explicação da profecia. Que, no entanto, tenha sido belíssima, pode-se inferi-lo do v. seguinte. Com efeito:

V. 22a. Todos lhe admiravam a habilidade para falar, a suavidade, a elegância e a força persuasiva das palavras (verba gratiæ); não só isso, manifestavam também aprovação (gr. ἐμαρτύρουν, lt. testimonium illi dabant) ao que era dito por ele. Segundo Mt e Mc, admiravam-se por causa da doutrina, da sabedoria e das virtudes, i.e. dos milagres de Cristo; de fato, consta por Mc 6,5 que ele já realizara ali alguns milagres, poucos embora.

V. 22b. Mas, tendo-se lembrado da condição modesta de seus pais e de seu passado humilde, os nazarenos imediatamente converteram em desprezo o que antes fora admiração, e diziam: Não é este o filho de José? Em Mt: Porventura não é este o filho do carpinteiro, i.e. de um simples plebeu? Em Mc: Não é este o carpinteiro, filho de Maria . . . ? Era-lhes forçoso testemunhar sua ciência, virtude etc.; mas, como vissem que era de origem e condição humilde, ficavam escandalizados com ele (Mt 13,57: gr. σκανδαλίζοντο ἐν αὐτῷ, lt. scandalizabantur in eo), i.e. parecia-lhes um excesso que Jesus se arrogasse a dignidade messiânica e se proclamasse enviado por Deus.

V. 23. Mas Jesus está preparado para responder a tais preconceitos: Sem dúvida que vós me aplicareis esta semelhança (gr. παραβολήν, lt. similitudinem = provérbio): Médico, cura-te a ti mesmo (3). Este v. se pode explicar de um duplo modo: a) relativamente ao projeto messiânico antes apresentado: ‘Se queres, como o Messias, remediar os males de outros, então cumpre primeiro em ti e em tua casa as resoluções e deveres que te atribuis’; ou b) no sentido referido pelas palavras seguintes: Todas aquelas grandes coisas que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum etc., i.e. ‘parece justo que por tua cidade, Nazaré, realizes os mesmos sinais que ouvimos realizastes para os habitantes de Cafarnaum, uma cidade para ti estrangeira’.

V. 24. Jesus, porém, responde a essa objeção com outro provérbio: Na verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua pátria; os homens, com efeito, costumam admirar as coisas raras e exóticas, e desprezar as cotidianas e familiares, ainda que sejam grandes (Teofilacto), pois, como diz o ditado, assueta vilescunt, o costumeiro torna-se banal. Nos outros sinóticos lê-se: Não há profeta sem prestígio senão na sua pátria, na sua casa (Mt e Mc) e entre os seus parentes (Mc).

V. 25ss. No tempo da carestia, durante o reinado de Acab, o profeta Elias não foi enviado a nenhuma das viúvas de Israel, mas apenas a uma viúva pagã de Sarepta (hoje Sarafand), no território da Sidônia, para lhe multiplicar a farinha e o óleo (cf. 1Rs 17,9ss). Deus manifesta seu poder onde bem lhe apraz, não onde prefeririam os homens, e nisto não faz qualquer injustiça. — Durante três anos e seis meses; indica o mesmo número Tg 5,18. O que se lê em 1Rs 17,1 e 18,1, sc.: que choveu no terceiro ano, deve-se entender em referência ao tempo transcorrido desde a estadia de Elias na casa da viúva em Sarepta; mas, antes dessa estadia, passara já algum intervalo de tempo, i.e. o período que profeta esteve junto da torrente de Garit (cf. 1Rs 17,5ss). — Muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi curado (pelo profeta), senão Naamã, o sírio (cf. 1Rs 5,9ss). Logo, se Jesus age de modo semelhante, bem-fazendo antes a estrangeiros que a seus conterrâneos, estes não têm por que repreendê-lo.

V.28ss. Os nazarenos, que queriam ouvir coisas agradáveis (cf. Is 30,10), vendo-se preteridos em proveito não só de outras cidade, mas até mesmo de pagãos, encheram-se de ira . . . lançaram-no fora da cidade e conduziram-no até o cume do monte, sobre o qual (gr. ἐφ’ οὗ = junto, ou perto do qual) estava edificada a sua cidade. Este monte não é o chamado mons saltus, ou monte do precipício (ar. djbel el-qafze), situado a mais ou menos 3 km ao sul da cidade, embora tenha sido identificado com ele muitas vezes a partir do período bizantino; provavelmente, trata-se de certo declive, contíguo à igreja dos maronitas, com cerca de 40–50 pés (10–12 m) de altura. — Mas ele, passando (gr. διελθών = tendo pasado) pelo meio deles, ou por ter-se feito invisível, ou por tê-los cegado momentaneamente, ou por lhes ter mudado a intenção, ia, i.e retirou-se a passo lento e grave (cf. Jo 7,30.45; 8,59).

Laus Deo Virginique Matri

Notas

  1. H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., iterum recognita a J. G. Dorado. Marietti, 1944, vol. 1, p. 619, n. 448, nota 1: ‘O termo «ano» não tem aqui mais que um valor simbólico. Os tempos de glória não se reduziam a um ano no pensamento de Isaías [só] porque eram comparados com o anjo jubilar’; M.-J. Lagrange, L’Évangile de Jésus-Christ. Paris, J. Gabaldas et Cie., 1954, p. 112, nota 3: ‘Limitar a pregação de Jesus a um ano por causa deste texto é o mesmo que limitar a um ano o tempo da salvação, período que se crê deveria ser muito longo, senão indefinido. Este ano dura até hoje’.
  2. Is 61, 3: E o dia da retribuição (falta no texto gr.), hebr. jôm nakam, LXX ἡμέραν ἀνταποδόσεως, i.e. o dia da vingança, quando as injúrias a Deus serão vingadas. Por isso o Messias será para uns causa de ressurreição; para outros, de ruína. O evangelista, contudo, seguindo o Senhor, omite de propósito estas palavras, a fim de não mesclar notícias tristes com alegres.
  3. Este provérbio era comum entre hebreus, gregos e romanos, e.g. ‘Médico, cura teu aleijão’ (Beresith rabba, 23); Ἂλλωυ ἰατρὸς αὐτὸς ἓλκεσιν βρύων (Eurípedes, fragm. 1071, ed. Nauck, III, p. 296); ‘Et, fateor, medicus turpiter æger eram’ (Ovídio, De arte amandi, 316).

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