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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 19,25-34)

Naquele tempo, perto da cruz de Jesus, estavam de pé a sua mãe, a irmã da sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. Daquela hora em diante, o discípulo a acolheu consigo. Depois disso, Jesus, sabendo que tudo estava consumado, e para que a Escritura se cumprisse até o fim, disse: “Tenho sede”.

Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram numa vara uma esponja embebida de vinagre e levaram-na à boca de Jesus. Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está consumado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Era o dia da preparação para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque aquele sábado era dia de festa solene. Então pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e quebraram as pernas de um e depois do outro que foram crucificados com Jesus. Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água.

O Evangelho que nos é proposto hoje, Memória da bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, contém uma das passagens que mais enchem de doçura o coração dos fiéis: “Eis aí a tua mãe”, diz o Senhor crucificado a São João, que aos pés da cruz, fazendo as vezes de toda a humanidade, ali recebe como sua a Mãe do Criador.

Estas palavras de Cristo padecente se devem tomar em sentido próprio e literal, e não meramente acomodatício, já que o Magistério ordinário da Igreja sempre viu nelas uma prova clara da maternidade espiritual de Nossa Senhora. São, com efeito, incontáveis os testemunhos que a esse respeito se podem encontrar nos documentos públicos dos Romanos pontífices, na sagrada Liturgia, nas antigas instituições catequéticas, no parecer unânime dos teólogos e nos escritos de exegetas e oradores sacros: Maria é verdadeiramente Mãe dos homens na ordem da graça, e esta é uma verdade católica que, apesar de nunca ter sido expressamente definida pela Igreja, encontra um eco tão universal no coração e na boca do povo fiel que negá-la seria algo não só temerário, mas próximo à heresia.

Ora, que Maria seja nossa Mãe significa, em sentido próprio, que foi ela quem nos deu não só a vida sobrenatural, mas o Autor dela; foi Maria, portanto, quem nos concebeu espiritualmente, ao conceber no dia da Anunciação a Cabeça de que somos membros; foi Maria quem nos deu à luz no monte Calvário, quando lá foi consumada por Jesus Cristo a nossa Redenção e a regeneração sobrenatural da humanidade, iniciada trinta anos antes em Nazaré. O título de Mãe da Igreja, por conseguinte, não vem senão explicitar o que já está contido no de Mãe dos homens: a Virgem Santíssima, por ser Mãe de Cristo, é por isso mesmo Mãe do Corpo de Cristo, que é a Igreja, pois seria uma grande monstruosidade que aquela que deu à luz a Cabeça não fosse também Mãe dos membros.

Ela esteve, pois, e está sempre presente na história da nossa Salvação, dando o fiat que trouxe do céu à terra o Verbo divino; oferecendo ao Pai eterno, no monte Calvário, o fruto bendito que, ao contrário de Eva, ela não quis reter para si; compadecendo enfim com Nosso Senhor, gerado sem dores, pela Redenção dos que, em seu Filho, seriam também filhos seus, gerados na dor que então lhe traspassou o Coração.

Que a memória frequente do título Mãe da Igreja nos leve a crescer mais e mais na devoção à Virgem Santíssima, em quem teremos sempre um refúgio seguro nas nossas lutas e uma intercessora poderosa junto de Cristo, Nosso Senhor.

* * *

I. Legado filial: a terceira palavra de Jesus (Jo 19,25ss). — Entre os verdugos de Cristo e a ímpia multidão de blasfemos, mostra-nos o evangelista algumas piedosas mulheres vindas da Galileia. Tendo servido e seguido Jesus até o fim, assistem com fortaleza ao seu suplício; entre elas, menciona-se primeiro a Virgem deípara, quer por sua dignidade, quer pela dor acerbíssima que lhe trespassava a alma, quer enfim por sua plena obediência e configuração a Cristo.

V. 25. Junto à cruz de Jesus estavam sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. A pontuação tanto da Vulgata quanto do texto grego não permite decidir se João enumera quatro ou três mulheres (i.e., se se deve ler mulher de Cléofas como aposto de a irmã de sua Mãe, ou como outro membro da lista). Suposta a primeira leitura, segue-se de Mt 27,55s e de Mc 15,20 que a irmã da Mãe de Jesus só pode ser Salomé, mãe de Tiago e João; mas seria de estranhar que o evangelista, ao referir-se pela primeira vez a essa personagem, a colocasse em momento tão dramático sem nem lhe mencionar o nome. Além do mais, é evidente que o evangelista João não conhecia Jesus (antes de lho indicar o Batista como, cf. Jo 1,35s), o que seria inexplicável se os dois fossem primos (naturalmente, ter-se-iam conhecido antes).

N.B. — Essa passagem do IV Evangelho é complementada pelos sinóticos: segundo Mateus (cf. 27,55s) e Marcos (15,40s), achavam-se ali, embora a certa distância (gr. ἀπὸ μακρόθεν, lt. a longe), Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu (provavelmente, a mesma mulher que Marcos chama Salomé); estavam também, segundo Lucas (cf. 23,49), todos (em sentido moral, i.e., em grande número ou os principais entre) os conhecidos de Jesus. As palavras de João: Junto à cruz de Jesus estavam etc., e as dos sinóticos: Estavam de longe observando não se contradizem. Com efeito, é provável que os evangelistas tenham considerado dois momentos distintos do mesmo acontecimento e que a maioria dos presentes à crucificação (de fato, em Mt 27,49 se lê: Achavam-se também ali muitas mulheres) tenham permanecido a alguma distância, enquanto os mais íntimos iam-se aproximando pouco a pouco.

Todos admiram e louvam — como é justo e natural — a constância e a invencível fortaleza da bem-aventurada Virgem Maria, posta em angústias de espírito tremendas. “De pé junto à cruz estava a Mãe e, enquanto fugiam os varões, ela, só, permanecia firme” (Santo Ambrósio). É portanto alheio à verdade o costume de certos pintores que, desejando representar em cores vivas o suplício da Mãe dolorosa, a retratam desfalecida ou prostrada no chão. Ora, o evangelista deixa claro, ao dizer simplesmente que Maria estava junto à cruz, que ela nada fez de grosseiro ou ruidoso, apesar de toda a tristeza, fosse soluçando, fosse desfazendo o cabelo etc. Com efeito, João faz notar, entre outras coisas, a modéstia da Virgem; a tristeza que, silenciosa, lhe pungia o Coração; e o decoro que sempre a caracterizou, como convinha à sua virgindade, que não toleraria destemperos, e à sua fé, que jamais duvidara da ressurreição.

V. 26s. Jesus, vendo sua Mãe, e, junto dela, o discípulo que amava (i.e., o próprio evangelista João), disse a sua Mãe: Mulher, eis o teu filho, quer dizer: “Eu morro, mas doravante este será, em meu lugar, o teu filho” pelo amor, pela obediência, pelo cuidado etc. — Depois disse ao discípulo: Eis a tua Mãe, a quem deves respeito e tudo o que é próprio da piedade filial. E, de fato, o discípulo amado atesta ter observado fielmente este mandado: Desta hora por diante, levou-a o discípulo para a sua (gr. εἰς τὰ ἴδια, lt. in sua = lit. para as coisas que lhe são próprias), i.e., para a sua casa, a fim de lhe providenciar comida, abrigo e tudo o que é necessário à vida.

N.B. — O termo mulher (γύναι), usado como vocativo, não conota desprezo; antes, pelo contrário, é sinal de reverência e estima (cf., e.g., Jo 19,26; 20,13.15; entre os autores profanos, Homero, Iliad. III 204: ὦ γύναι ἦ μάλα, τοῦτο ἔπος νημερτὲς ἔειπες; Sófocles, Œdip. tyr. 755: τίς ἦν ποτε ὁ τούσδε λέξας τοὺς λόγους ὑμῖν, γύναι⋅ — “No original, não há o menor traço de repovoação ou severidade no termo. O tratamento é de delicado respeito, e até de carinho… Ao mesmo tempo, enfatiza a relação especial por ele expresso: neste caso, o contraste entre o Filho divino e a Mãe humana” (B. F. Wescott, The Gospel according to St. John, Londres, 1908, p. 36, n. 4) [1].

II. A quinta palavra de Jesus a conhecemos somente por meio de João (cf. 19,28s), conquanto a suponham também os sinóticos (cf. Mt 27,48; Mc 15,36), visto que relatam, entre as piadas sobre a vinda de Elias, a oferta de vinagre.

V. 28. Depois disso, Jesus, sabendo que tudo (i.e., referente à obra messiânica) estava consumado, para que se consumasse a Escritura (i.e., para que se cumprissem até o fim os vaticínios a seu respeito, ou: para que se realizasse a única profecia que ainda restava), disse: Tenho sede. Previra o Espírito Santo (cf. Sl 21,16) que o Messias, na hora morte, sentiria uma sede horrível e que, nesse suplício, lhe dariam de beber vinagre (cf. Sl 68,22). A palavra de Cristo parece aludir ao primeiro vaticínio, mas o v. 29 é mais acorde ao segundo. De fato, os crucificados costumam sentir muitíssima sede, tanto pela perda de sangue como pela inflamação das vísceras, e Jesus, que até então guardara silêncio, apesar de tantos suplícios, queixou-se enfim da sede, para que se cumprissem as profecias [2].

V. 29. Havia ali uma jarra cheia de vinagre. O evangelista parece referir-se a uma posca, mistura de água e vinagre que os soldados romanos usavam para matar a sede. Como o suplício de um crucificado podia estender-se por muitas horas, não estranha que os soldados tivessem à mão uma jarra dessas. — (Mt 27,48s): Imediatamente, correndo um deles (i.e., dos soldados, dos executores ou dos guardas), tendo tomado uma esponja, ensopou-a em vinagre (posca), pô-la sobre uma cana (em João, sobre um hissopo) [3], e lhe dava de beber, talvez para o ridicularizar ou, o que é mais provável, por compaixão. Porém, os outros diziam: Deixa; vejamos se vem Elias livrá-lo. Marcos põe estas palavras também na boca do que dera o vinagre: Deixai; vejamos… Os verbos deixa e deixai, no modo imperativo, são meramente expletivos, e em grego helenístico costumam ser empregados antes de um subjuntivo deliberativo.

V. 30. Ele tomou o vinagre e disse: Tudo está consumado, i.e., tudo o que foi escrito a meu respeito, quer dizer, tudo o que se refere à obra messiânica, segundo os vaticínios sagrados, levei-o a cabo (cf. v. 28); falta-me somente morrer. — (Lc 23, 46): E, exclamando (outra vez, diz Mateus: cf. 27,50) em alta voz (φωνήσας φωνῇ μεγάλῃ), disse: Pai, em tuas mãos encomendo (παρατίθεμαι = deponho) o meu espírito (cf. Sl 30,6). Dizendo isto, expirou (ἐξέπνευσεν, assim também Marcos; mas Mateus ἀφῆκεν τὸ πνεῦμα = emitiu [soltou, liberou] o espírito, e João: παρέδωκεν τὸ πνεῦμα = entregou o espírito, locuções que dão a enteder claramente que Jesus cedeu à morte livremente, cf. Jo 10,18).

N.B. — 1) Que este último clamor não se identifique com o das palavras Tudo está consumado, é interpretação bastante provável. Com efeito, os particípios φωνήσας (Lucas), κράξας (Mateus) e ἀφείς (Marcos) são concomitantes ao indicativo do aoristo subsequente, como bem o traduz a Vulgata (clamans… ait). — 2) Segundo muitos autores católicos, “tal como os milagres que se lhe seguiram, também este grande clamor manifesta a divindade de Jesus, para que se cresse ser mais do que homem aquele que tão alto clamara, acima da natureza humana, já em seu último suspiro”; com efeito, morria não por falta de forças, mas por livre poder e decisão [4].

III. Transfixão do lado de Jesus (Jo 19,21-37). — V. 31s. Os romanos deixavam na cruz o corpo dos condenados para ser comidos por feras ou abutres, ou para ali apodrecer [5]. Aos judeus, porém, se impunha: O seu cadáver não ficará no lenho, mas será sepultado no mesmo dia (Dt 21,23), i.e., para que a maldição que pairava sobre o crucificado não permanece por mais tempo na Terra Santa (neste caso, foi embalde: cf. Flávio Josefo, Bell. VI 5, 2). Mas desta vez havia outra razão, e ainda mais grave, para que os judeus se apressassem em tirar no mesmo dia os corpos das cruzes: era, com efeito, parasceve do grande sábado, i.e., preparação para a grande festa da Páscoa, que naquele ano coincidia com um sábado. Por isso pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas aos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados (provavelmente outros, deputados para esta operação e providos do equipamento necessário, qual seja uma clava de maneira ou de ferro [daí que se chamassem clavatores]) foram e quebraram as pernas de um e depois do outro (ladrão) que foram crucificados com Jesus. — Esse procedimento, chamado crurifrágio (σκελοκοπία), era desfecho frequente da crucificação, pois acelerava a morte do condenado, caso vivesse mais do que o esperado.

V. 33s. Ao se aproximarem de Jesus, e vendo que já estava morto (e, acima de tudo, proibindo a divina Providência que se infligisse ao corpo do Senhor esse último opróbrio), não lhe quebraram as pernas; mas um soldado, para se certificar de que estava morto, abriu-lhe o lado com uma lança (λόγχῃ, donde talvez derive “Longinho”, nome tradicionalmente atribuído ao soldado) [6], e logo saiu sangue e água. — Na Vulgata, lê-se: aperuit, “abriu”, o que traduziria ἤνοιξεν; mas o texto gr. traz ἔνυξεν = punçou, perfurou [7].

N.B. — Não à toa, ensinam os Santos Padres haver neste fato muitos e profundos mistérios. “Teve o evangelista o cuidado de não escrever: Feriu-lhe o lado, mas abriu-lhe, para indicar que ali, de certo modo, franqueou-se a porta da vida, da qual manaram os sacramentos da Igreja, sem os quais não se pode entrar na vida verdadeira” (Agostinho, In Ioh. tract. 120., n. 2). Que a água signifique o batismo, ensina-o toda a Tradição. “Quanto ao sangue, variam as explicações. No mais das vezes, dizem os Padres que o sangue representa a nossa redenção… Muitos veem significado nele o martírio… Não poucos ensinam que com ele se indica a Eucaristias (e.g., Crisóstomo, Cirilo, Leão I etc.). Ora, como estes dois, sendo os principais, representam todos os sacramentos, Agostinho e Beda dizem com frequência que do lado aberto de Cristo jorraram os sete sacramentos, pelo quais, costumam acrescentar, é formada a Igreja; donde nasceu a Igreja; com os quais é edificada a Igreja, e expressões similares [8].

* * *

Escólio sobre a maternidade espiritual de Maria. a) Dogmáticos e exegetas sempre interpretaram Jo 19,25ss como se João representasse todo o gênero humano, ao qual Maria foi dada ou, antes, do qual solenemente declarada Mãe por Cristo antes de expirar. — b) No entanto, segundo o parecer de vários exegetas modernos, Cristo, ao proferir essas palavras, quis unicamente prover antes da morte às necessidades da Mãe, procurando-lhe refúgio junto do discípulo amado (aqui, portanto, Jesus teria selado um testamento familiar); a outra interpretação, quase desconhecida pela tradição antes de Dionísio, o Cartuxo (séc. XV), ou, no máximo, antes de Ruperto de Deutz ou de Eadmero, ambos dos séc. XII, não poderia ser proposta senão como piedosa acomodação ou, quiçá, como sentido extensivo ou consequente [9].

c) A interpretação piedosa, porém, é claramente a preferida de Leão XIII: “Em João, como desde sempre o sentiu a Igreja, designou Cristo a pessoa do gênero humano, sobretudo daqueles que, pela fé, lhe estariam unidos” (Encíclica Adiutricem populi Christiani, 5 set. 1895; cf. Quamquam pluries, 25 ago. 1889; Octobri mense, 22 set. 1981; Iucunda semper, 8 set. 1984); e também de Pio XI: “Maria, santíssima rainha dos Apóstolos, tendo no Calvário todos os homens encomendados ao seu seio maternal…” (Encíclica Rerum Ecclesiæ, 28 fev. 1926: AAS 18 [1926] 83).

d) Nem faltam razões no próprio IV Evangelho que tornam essa interpretação, quando menos, bastante provável: 1) a majestade sobrenatural da cena, na qual Cristo é apresentado pelo evangelista não já como filho de Maria, mas como Pontífice do NT, a oferecer a Deus seu sacrifício; 2) o sentido profundo das outras palavras ditas por Cristo crucificado, referentes sem dúvida alguma aos vaticínios do AT; 3) o costume, observado por Jesus desde a infância, de mostrar-se independente na obra messiânica de quaisquer vínculos naturais de carne e de sangue, inclusive dos que o ligam à santíssima Deípara (cf. Lc 2,49; 11,28; Jo 2,4; Mt 12,46-50) [10].

e) Como quer que seja, não se pode dizer que o sentido mariano da passagem corresponda ao sentido literal primário nem que seja igualmente principal; tampouco é típico, pura acomodação ou consequência, mas pertence ao chamado sentido plenior.

Referências

  • Para a reflexão: Tradução adaptada de Gabriel M.ª Roschini, Mariologia. 2.ª ed., Roma: Angelus Belardetti, 1947, vol. 2, pp. 200-213. — Para o comentário exegético e o escólio: Tradução de H. Simón–G.G. Dorado, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, pp. 979s.983ss, nn.741s.744s.

Notas

  1. Comentando Jo 19,26, o mesmo autor observa (op. cit., p. 276, n. 26): “Relações terrenas especiais chegam agora ao fim. Para Cristo, o título de parentesco (‘Mãe’) é substituído pelo título comum de respeito (‘mulher’). Se, como parece ser o mais provável [sic], os ‘irmãos’ de Cristo eram filhos de José de um outro casamento, e São João era filho da irmã da Mãe do Senhor, a dificuldade sentida quanto ao papel que lhe foi confiado em preferência aos [outros] irmãos, que aparecem entre os primeiros fiéis (cf. At 1,14), desaparece de todo: São João, com efeito, era o mais próximo da Virgem por laços de sangue”. — Mas não parece razoável, a fim de contornar uma dificuldade, supor tantas coisas, e contrárias ao sentir comum da Igreja, para a qual José se manteve virgem nem teve outra esposa além de Maria. Demais, a Escritura diz quem era a mãe de dois dos “irmãos” do Senhor, Tiago e José. Trata-se de Maria, irmã da Mãe do Senhor (cf. Mt 27,56; Mc 15,40; 16,1; Jo 19,25). É evidente, poi, que a palavra “irmão” é usada no Evangelho em sentido amplo.
  2. Sem negar o sentido literal físico, nada impede que se interpretem essas palavras em sentido espiritual, como sói acontecer. Jesus, com efeito, sofreu isso e muito mais pela salvação do gênero humano, a qual Ele tanto desejava, que se dispôs a suportar as dores mais atrozes. Cf. Tomás de Aquino, Super Ioh. 19, l. 5: “Pelo que diz: Tenho sede, mostra que sua morte é verdadeira, não aparente [phantasticam]. Outrossim, mostra-se seu ardente desejo pela salvação do gênero humano”. 
  3. O hissopo de que fala João, para alguns estudiosos, não seria a planta conhecida hoje por esse nome (Hyssopus officinalis), mas o Origanum maru, cujo caule pode servir de vareta, chegando a atingir 3 ou 4 pés de altura (cf. L. Fonck, “Hyossopus”, §3s, em: M. Hagen, Lexicon Biblicum. Paris: P. Lethielleux [ed.], 1905, vol. 2, col. 576ss). Porém, vários autores contemporâneos negam que tal planta existisse na Palestina ou que pudesse servir ao fim descrito, já que o caule dela, sendo muito frágil, não poderia sustentar uma esponja empapada de vinagre. Conjecturam (como já fora proposto por Joachim Camerarius [✝ 1574]) que se trata de erro textual, de forma que, em vez de ὑσσώπῳ περιθέντες, se deveria ler ὑσσῷ περιθέντες, i.e., pondo-a sobre uma haste (ou lança). É a tese, e.g., do luterano *G.H. Dalman, Jesus-Jeshua: Studies in the Gospels. Trad. ing. de Paul F. Levertoff. Nova Iorque: Macmillan Co., 1929, p. 208.
  4. O que está mais do que suficientemente indicado em Mc 15,39; mas a lição κράξας ([porque assim] clamasse) falta nos principais códices nem costuma ser adotada por editores do NT. — Desta passagem, sem embargo, buscam provar alguns que Jesus demonstrou ser verdadeiro Deus; cf., e.g., A. M. Iannotta, “Quum Iesus Christus ‘emissa voce magna exspiravit’ sese vere Deum esse ostendit”, em: Divus Thomas 36 (1933) 265-273.
  5. Cf. Plauto, Miles glor. II 4, 372s: Scio crucem futuram mihi sepulcrum: ibi mei sunt maiores siti, pater, avus, proavus, abavus; Horácio, Ep. I 16, 48: Non pasces in cruce corvos; Cícero, Tusc. I 43, 102: Theodori quidem nihil interest, humile an sublime putescat; Plutarco, Cleom. 39, 1: Οἱ τὸ σῶμα τοῦ Κλεομένους ἀνεσταυρωμένον παραφυλάττοντες εἶδον εὐμεγέθη δράκοντα τῇ κεφαλῇ περιπεπλεγμένον καὶ ἀποκρύπτοντα τὸ πρόσωπον, ὥστε μηδὲν ὄρνεον ἐφίπτασθαι σαρκοφάγον.
  6. Cf. Gesta Pilati 16,4 (T 387). Noutro apócrifo (cf. Acta Pilati 11,1: T 309), dá-se o nome Λογγίνος ao centurião que glorificou a Deus atestando missão divina de Cristo crucificado (cf. Mt 27,54), por isso é venerado no Oriente com o título de São Longino, ὁ Ἑκατόνταρχος, i.e., “o Centurião”. No apócrifo Evang. Petri (cf. 8,31), o centurião que guardou o sepulcro de Jesus, provavelmente o mesmo que ficou de guarda ao lado da cruz, é chamado Petronius (cf. E. Preuschen, Antilegomena. Giessen: J. Ricker, 1901, p. 18, l. 22).
  7. Cf. Plauto, Asinaria II 3, 474: Crura, hercle, diffringentur; Cícero, Philipp. XIII 12, 27: Quod… proverbii loco dici solet, perire eum non posse nisi crura ei fracta essent. Fracta sunt, et vivit; Suetônio, August. 67: Crura ei fregit. — Às vezes, porém, não se abreviava o suplício: “Porque suportam maior tormento os que não têm as pernas quebradas após a crucificação, mas vivem com muito tormento, às vezes durante a noite toda, e até depois dela, durante todo o dia” (Orígenes, In Matth., frag. lt. 140 [= 27,54], em: Origenes Werke. Leipzig: J. C. Hinrichs (ed.), 1935, vol. 11, p. 290, l. 17ss).
  8. Para um farto catálogo de testemunhos, veja-se S. P. C. Tromp, “De nativitate Ecclesiæ ex corde Iesu in cruce”, em: Gregorianum XIII/4 (1932) 489-527.
  9. Os que assim pensam dizem que a maternidade espiritual de Maria pode ser demonstrada suficientemente a partir do fato de a Virgem bendita ser Mãe de Cristo íntegro, i.e., tanto da Cabeça (Jesus) quanto dos membros (os homens), sem necessidade de a fundamentar em Jo 19,25ss.
  10. Cf. J. M. Bover–F. C. Burgos (eds.), Bíblia Sagrada. Nuevo Testamento. Madri: BAC, 1947, vol. 2, p. 259, n. 25: “Mulher, ei aí o teu filho. Jesus confia sua Mãe desolada à solicitude filial do discípulo amado. Mas nesta entrega familiar não se esgota o profundo sentido destas palavras. A solenidade da ocasião, o contexto histórico e literário, o simbolismo característico do quarto Evangelho descobrem nestas palavras do Redentor moribundo mais alta significação: a da maternidade espiritual da Virgem Corredentora com respeito a todos os discípulos de Cristo e a todos os homens chamados sê-lo”.

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