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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 2, 16-21)

Naquele tempo, os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria e José, e o recém-nascido, deitado na manjedoura. Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino. E todos os que ou viram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam. Quanto a Maria, guardava todos estes fatos e meditava sobre eles em seu coração. Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido, conforme lhes tinha sido dito. Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido.

Este ano, o dia 1.º de janeiro cai num domingo, no qual celebramos a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. É um domingo especial, porque o estamos celebrando dentro da Oitava de Natal. Este ano, também o Natal caiu no domingo, logo não há aquele domingo intermediário em que se costuma celebrar a Sagrada Família. Em resumo, coincidentemente, a solenidade da Toda Santa Mãe de Deus cai num domingo este ano.

O que podemos dizer a respeito do grande mistério da maternidade divina de Nossa Senhora? A primeira coisa que se deveria notar é o que aconteceu no Natal.

O que aconteceu no Natal foi a realidade de que Deus, em sua infinita misericórdia e seu amor, se humilhou a si mesmo e se encarnou no seio da Virgem Maria.

O que quer dizer isso? Na Carta aos Filipenses, capítulo 2, São Paulo diz que, embora Cristo fosse igual a Deus — por ser o Filho eterno de Deus —, Ele não se apegou ciosamente a essa igualdade, mas se esvaziou a si mesmo e se fez homem, assumindo a forma de escravo.

A humildade de Cristo é, digamos assim, uma das marcas típicas do Natal. Deus, na sua infinita majestade, movido por amor e misericórdia, se faz pequeno. Deus continua a ser Deus, mas ele criou para si uma alma e um corpo humanos no ventre da Virgem Maria e veio a este mundo porque quis mostrar na nossa carne todo o seu amor.

Então, quando nós, na noite de Natal, olhamos para aquela criança envolta em faixas, estamos vendo um grande mistério: o Deus de majestade se humilhou e se fez homem. É o que podemos chamar de anti-Adão.

O que Adão fez? Olhemos para a história da nossa perdição a fim de entender a nossa salvação. Adão, no paraíso terreno, deu ouvidos à serpente: “Sereis como deuses”. Adão, sendo uma simples criatura humana, quis fazer-se Deus.

Ora, Deus viu em que desgraça nós fomos nos meter. Quisemos ser Deus. Resultado? O mundo virou um inferno de egoísmo, de guerra, de destruição, de morte, de doença, de desgraça. 

Deus, querendo nos salvar não somente de nossas maldades mas também do inferno, ao qual certamente estaríamos condenados por nossos pecados, fez o caminho inverso.

Adão, sendo homem, quis ser Deus; Deus, sendo Deus, se fez homem. É o caminho inverso. No livro do Gênesis se descreve o pecado de Eva. Ela olhou para o fruto proibido e quis se apegar a ele. Eva olhou para o fruto e viu que era bom para ser possuído.

A atitude de Eva é a atitude contrária à que nos ensina Cristo. São Paulo, na Carta aos Filipenses, capítulo 2, diz: “Ele não se apegou ciosamente”, ou seja, não fez o que Eva fez.

Eva se apegou ciosamente ao fruto, Eva olhou para o fruto como um ἁρπαγμός [harpagmós], uma coisa a ser presa, a ser agarrada, a ser pega como um grande troféu; Cristo, pelo contrário, “não se apegou ciosamente ao seu ser igual a Deus, mas se esvaziou e se humilhou”.

Jesus, nosso Redentor, está nos mostrando o caminho da humildade, o caminho da salvação. O caminho para o Céu é para baixo, passa pela humilhação. Nós temos de nos humilhar e fazer-nos pequeninos: “Se não fordes como crianças, não entrareis no reino dos céus”.

A atitude do filho que tudo recebe, do filho que depende do pai, eis o que Deus quer nos ensinar. Deus quer nos ensinar a ser filhos que dependem do pai, e não a ser filhos rebeldes que saem de casa batendo as portas: “Eu não preciso mais do senhor! Vou-me embora! Sou independente, mando no meu nariz”. Não pode ser assim.

Humilhemo-nos, sejamos humildes e pequenos. Essa é a atitude de Cristo, esse é o mistério do Natal. Deus, que sustenta o universo, é sustentado pelos braços de Nossa Senhora; Deus, que alimenta os pássaros e os animais do campo, é alimentado por Nossa Senhora; Deus, que sustenta as estrelas, se faz frágil e necessitado de estar deitado num berço, envolto em faixas. Que coisa misteriosa! Deus se fez pequenino por amor a nós. E que amor, que amor imenso!

Pois bem, esse mistério do Natal, dessa humildade, é exatamente o que explica a maternidade divina de Nossa Senhora, celebrada neste dia 1.º de janeiro. Se Jesus é o anti-Adão, a Virgem Santíssima é a anti-Eva.

Quando Nossa Senhora ficou grávida de Jesus, ela se apresentou ao anjo como escrava do Senhor, logo depois foi à casa de Isabel e ali prorrompeu, numa exultação de alegria, em seu hino “Magnificat”.

Antes de os anjos cantarem glória na noite de Natal, “glória a Deus nas alturas”, Maria cantou o seu glória a Deus no “Magnificat”: “A minha alma engrandece o Senhor, e exulta o meu espírito em Deus, meu Salvador”.

Por que ela exulta tanto? Por que ela canta esse hino de louvor, esse glória “in excelsis”, nas alturas? Por que a sua alma magnifica a Deus? Porque Deus “respexit humilitatem ancillae suae”, Deus “olhou para a humildade de sua serva”.

Há quem não goste de pensar que Nossa Senhora fala da própria humildade, por isso traduzem como: “Deus olhou para a pequenez da sua serva”. Não, não é “pequenez”. Deus olhou para a humildade, ou seja, para a virtude da humildade. 

“Mas, padre”, dirá alguém, “uma pessoa humilde não diz que é humilde”. De fato, não diz, a não ser que ela seja imaculada e só possa dizer a verdade.

Que pensar de Jesus quando Ele diz: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” Jesus é soberbo? Não. Ele está dizendo que é manso e humilde de coração, porque Ele de fato é! Jesus é humílimo, é o mais humilde de todos, não há como ser mais humilde do que Jesus.

Por quê? Lembra Santa Teresa que a humildade é caminhar na verdade. Nossa Senhora não pode mentir. Nossa Senhora é a Mãe da Verdade, que se fez carne e habitou entre nós.

Ora, a mesma Maria diz: “Deus olhou para a humildade da sua serva”. O que ela está dizendo? São João Eudes comenta: “Deus se sentiu atraído pela humildade de Maria”. Maria tem uma multidão de virtudes. Afinal de contas, estamos falando aqui da “cheia de graça”, Χαῖρε, κεχαριτωμένη [Cháire kecharitōménē], disse o anjo, “Ave, cheia de graça”, a transbordante de graça.

Ou seja: no Coração de Maria há um amor por Deus maior do que o amor de todos os querubins e serafins! No Coração de Maria há uma fé maior do que a de Abraão!

No Coração de Maria há mais pureza do que em todos os espíritos puros, uma virgindade extraordinária, uma paciência, uma fortaleza, todas as virtudes!…

Nossa Senhora tem todas as virtudes em abundância, mas não foram essas virtudes o que atraiu a Deus. A virtude que o atraiu foi a humildade: “Respexit humilitatem”. Deus olhou para a humildade de Maria.

Ora, quando Deus vê a humildade de uma criatura, uma humildade sincera, sente-se como que atraído, ou — para usar uma palavra inadequada, mas que talvez transmita a ideia — Deus se sente “seduzido” pela humildade.

É como se a humildade exercesse um poder sobre Deus. A humildade o atrai. Quando Deus vê humildade, Ele como que se lança; quando Deus vê um coração humilde, vazio de si, Ele se lança naquele abismo para preenchê-lo. Essa é a realidade da Encarnação: Deus, querendo humilhar-se, procurou a mais humilde de todas as criaturas para ter um abismo em que pudesse se lançar. Esse é o mistério da maternidade de Maria.

Além disso, Maria não é somente a anti-Eva, Maria é também a anti-Lúcifer.

O anjo que recebera mais talentos naturais e mais graças sobrenaturais, por causa de sua soberba, foi lançado no mais profundo do inferno. Maria, a humilde serva que, por sua natureza, sendo ela humana, portanto muito inferior à dos anjos, recebeu mais graças sem se ensoberbecer nem se apegar ciosamente.

De fato, o anjo surpreendeu Nossa Senhora ao dizer-lhe “Cheia de graça!” Ela deve ter olhado para si e dito: “Quem? Eu?”, “Sim, você. Você é a cheia de graça”. “Mas como assim? Eu? Bom, se um anjo o está dizendo deve ser verdade. Eu sou cheia de graça”. Ela então diz: “Deus olhou para a humildade de sua serva. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome”.

De fato, Deus fez maravilhas em Nossa Senhora. Santo Tomás de Aquino, sempre muito comedido nas palavras, que não faz poesias nem usa de figuras de linguagem em excesso, diz que a maternidade divina de Nossa Senhora tem uma dignidade como que infinita.

Por quê? Porque “o Senhor fez em mim maravilhas”. O Senhor fez nela o que não fez em ninguém mais.

Ora, qual é o pressuposto dessas maravilhas, da maravilha da Encarnação, da maravilha da maternidade divina? O pressuposto é a humildade: “Respexit humilitatem”.

Por quê? Porque Deus, com o poder de seu braço, dispersou os soberbos nos pensamentos do seu coração, “mente cordis sui”. Ou seja: Satanás e os soberbas são derrubados do trono pelo poder de Deus.

Para entender o que é humildade, há que parar um pouco para entender o que é a soberba. Afinal, sem clareza nas palavras não é possível meditar sobre o assunto.

Muitas pessoas confundem soberba com vaidade, mas as coisas são bem diferentes. Um pecado consciente de vaidade, de forma geral, é um pecado venial; um pecado consciente de soberba é sempre mortal. Só com isso já se vê a diferença.

O que é a vaidade? A vaidade é uma falta de amor próprio. A pessoa vaidosa não se ama, quer ser outra coisa, então termina criando uma máscara.

Veja-se, por exemplo, a mulher que não gosta do próprio rosto dela. Ela põe uma maquiagem tão pesada, tão transformadora, que aquilo se torna uma verdadeira máscara. Ela se odeia. É como a pessoa careca que põe uma peruca porque quer ser outra coisa. É como a pessoa que submete o corpo a inúmeras cirurgias porque quer ser outra coisa. Essa pessoa não se ama.

Então, em seu gênero, a vaidade é uma desordem; é um pecado, se for consciente, mas pode ser simplesmente venial: a pessoa está fazendo aquilo à procura de uma consolação boba.

O soberbo não. O soberbo acha-se melhor do que os outros. Não somente isso. Ele se acha melhor do que Deus. Satanás se senta no trono para julgar a Deus e diz que Ele está errado: “Eu que sei como deve ser”.

“Nossa, padre, que horrível isso. Graças a Deus eu nunca fiz isso na minha vida”. Ah, é? Nunca fez? São Gregório Magno, que é santo e Doutor da Igreja, nos diz que a soberba é a raiz de todos os pecados, tanto é assim que ele não enumera a soberba entre os sete pecados capitais porque acha que a soberba é a origem dos sete pecados capitais. É um “super-pecado” capital.

O que é pecado capital? É bom entender que a palavra “pecado”, aqui, não quer dizer pecado, mas uma tendência desordenada que costumo chamar de “doença espiritual”.

O que é a soberba? É a tendência — que você tem, eu tenho, todos nós temos porque fomos mordidos pela serpente — de julgar a Deus. Todas as vezes que se peca, o pecado é sempre fruto da soberba, de um sentar-se no trono e dizer o seguinte: “Deus está dizendo que isso é mau; mas, pensando bem, eu julgo melhor: não é tão ruim assim. Vamos experimentar”.

Essa foi a soberba de Eva. Deus disse: “Se tu comeres dessa fruta, vais morrer”. Eva prefere acreditar na serpente: “Não! Para que esse radicalismo todo. Não pode comer? Nem uma mordidinha? Uma mordidinha vai levar alguém para o inferno? Vamos experimentar!”

Então, a atitude aqui é de soberba, de sentar-se no trono, na cadeira do juiz, para julgar a Deus: “Deus está errado. Eu sei melhor”.

Todo pecado, absolutamente todo pecado, tem isso na origem. Pode ser que tenha isso de forma inconsciente, porque pode ser que não se cometam pecados de soberba, mas se tenha a tendência da soberba.

Qual é a diferença? O pecado precisa ser advertido, consciente. A maior parte das pessoas o faz inconscientemente. “Deus diz que isso é pecado. Será? Deixe-me ver”. Não houve advertência, a ponto de se dizer assim: “Olha, você está julgando Deus”, e ela então disse: “Eu quero julgar mesmo assim, porque Deus está errado e eu certo”.

Não houve um ato consciente de soberba, logo não houve um pecado consciente de soberba. Mas está lá a mordida da serpente, está lá a mordida da serpente, dizendo: “Não é bem assim. Estou reformando a sentença divina. Deus foi a primeira instância, mas eu sou a segunda, a instância reformadora. Eu sei melhor que Ele”. 

Pois bem, essa é a soberba. Quem faz isso termina disperso, perdido, como barata tonta: “Dispersit superbos mente cordis sui”.

Terminam perdidos como “Martas”: “Marta, Marta, tu te angustias e te inquietas”. Nós nos perdemos por muitas coisas quando nos deixamos levar pela soberba. Mas Maria, seja a irmã de Lázaro, contemplativa aos pés de Jesus, seja a Mãe de Jesus, escolheu a melhor parte, o único necessário. Não é soberba. Maria sabe que Deus é tudo e ela, nada. Por isso Deus olhou para a humildade de sua serva.

Então, celebrando o Natal e a maternidade divina de Nossa Senhora, o que nós podemos levar para a vida? A virtude fundamental, extraordinária e maravilhosa da humildade. Deus, vendo que a humanidade padecia de soberba, a raiz e origem de todos os pecados, quis curar Adão com a humildade de Cristo.

Para entrar no mundo, Deus não poderia ter escolhido porta melhor do que o abismo de humildade que é o Coração de Nossa Senhora, humildade de saber que Deus é tudo, e nós não somos nada; Ele fez tudo, nós nada fazemos. É tudo graça! Até mesmo a capacidade que temos de merecer é graça de Deus.

Que maravilha poder aproximar-se da manjedoura, do presépio neste Natal, e ver a humildade daquela criança envolta em panos, a humildade daquela gruta, a humildade daquele ambiente pobre de Belém, simplesmente uma espécie de sacramental de uma humildade maior. A primeira gruta, a primeira manjedoura humilde na qual Deus veio morar, que foi o Coração de Maria.

Se nós também formos humildes; se nós, na nossa vida de oração, nos apresentarmos todos os dias com cada vez mais humildade, seremos — permita-se a expressão — “sedutores” para Deus.

Deus não irá resistir. Deus não irá resistir a esse abismo de humildade que é preciso criar no coração. Para isso, é preciso, com a vida, mostrar também humildade e aceitar os juízos de Deus, isto é, aceitar o que Deus faz em nossas vidas.

Quantas vezes já nos sentamos no trono para julgar a Deus! Quantas vezes já pensamos: Tenho rezado pela família, pelo Brasil, e veja-se a situação do Brasil… Rezei, fiz novenas, recitei as mil Ave-Marias, fiz jejum, fiz sacrifícios… e Deus não me ouviu”! Não vemos a soberba disso? É o mesmo que dizer: “Se eu fosse Deus, faria diferente”.

Mas graças a Deus não somos Deus! Sejamos humildes. Confiemos, como confiou Nossa Senhora. Com humildade, receba de Deus tudo o que Ele nos quiser dar. Assim aprenderemos da divina maternidade de Maria.

Recordemos um versículo da Primeira Carta de São Pedro: “Humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus, lançai sobre Ele as vossas preocupações, pois Ele tem cuidado de vós”. Se nos humilharmos, Deus lançará sobre nós suas graças, não as que queremos, mas as de que precisamos. São essas as que Ele quer-nos dar. 

Eis o caminho. Humildade, aceitação, confiança, abandono nos braços da Mãe de bondade que Deus fez para si e nos deu a nós — a Virgem Maria, a toda pura Mãe de Deus.

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