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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 5,1-12)

Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.

Neste domingo, celebramos a Solenidade de Todos os Santos, celebrada na verdade no dia 1.º de novembro, data para a Igreja do mundo inteiro; mas, aqui no Brasil, por não ser feriado, a solenidade, importantíssima, é transferida para o domingo seguinte. Hoje, a Igreja celebra com júbilo o dom da santidade. O Evangelho proclamado é o das bem-aventuranças, no início do Sermão da Montanha. Para entender a bem-aventurança do Céu, é preciso em primeiro lugar definir santidade. Afinal, de pouco adianta falar de uma coisa tendo dela uma idéia aproximativa, turva.

Pois bem, a santidade, para nós cristãos, é diferente da “santidade” de outras religiões, ou mesmo daquela do povo judeu no Antigo Testamento. Para nós, a santidade é algo que ninguém jamais imaginara, um mistério escondido desde os séculos por Deus e finalmente revelado por Nosso Senhor Jesus Cristo. Ninguém antes o sabia, mas Cristo nos revelou que Deus, em sua bondade e misericórdia infinitas, quer que participemos de sua vida no Céu. Deus é Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo —, e a felicidade eterna das três Pessoas divinas é em si mesma inalcançável para qualquer criatura. No entanto, Deus se fez homem. A segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho eterno, sem deixar de ser Deus, nasceu como homem no ventre da Virgem Maria.

Essa é a fé da Igreja, solenemente confirmada pelo Concílio de Calcedônia, em 451. O Papa São Leão Magno escreveu uma famosa carta ao então patriarca de Constantinopla, Flaviano, conhecida por isso como Tomo a Flaviano. Nela, São Leão Magno afirma que Jesus, sem perder o que tinha, isto é, a divindade, assumiu o que não tinha, a nossa humanidade. Essa doutrina foi proclamada infalivelmente em Calcedônia, e os Padres conciliares, depois de lida a carta, clamaram: “Pedro falou por Leão” [1].

Trata-se aqui de uma definição dogmática. Cristo assumiu nossa humanidade para que pudéssemos participar da vida divina. Nisso está a santidade, em Cristo, Deus feito homem, os homens participam da vida de Deus. Santidade, portanto, é configuração a Cristo, união a Jesus, o Filho encarnado, que nos dá acesso à vida divina. E isso é especificamente cristão, ausente em qualquer outra religião.

Segundo a definição etimológica, “santo” é o mesmo que “separado”. O que faziam os pagãos? Pegavam uma coisa, um terreno, por exemplo, e o dividiram: uma parte era para uso comum, profano, e a outra se reservava para a divindade, e ali erguiam um templo dedicado exclusivamente ao culto. Algo análogo fazemos nós cristãos, por exemplo, ao consagrar um altar, um cálice e outros objetos litúrgicos para o serviço divino. A santidade, num primeiro sentido, é apenas isso — algo estar separado do profano e dedicado ao divino.

Nisso se baseia a experiência de santidade das várias religiões espalhadas pelo mundo. Também Israel, no Antigo Testamento a vivenciou, porém de forma mais plena, porque o Tabernáculo e os objetos litúrgicos dedicados por Moisés ao serviço divino foram santificados pela própria presença divina, simbolizada pela nuvem. Mas tudo isso, no Antigo Testamento, era só prefiguração, profecia e antecipação de outra santidade, revelada plenamente só mais tarde por Jesus Cristo.

Nele, temos em carne visível o Santo dos Santos. Ele mesmo o disse: “Destruam este templo, e eu o reconstruirei em três dias”, referindo-se ao próprio corpo, ou seja, Deus estava menos presente no Templo de Jerusalém do que em Cristo mesmo. Afinal, a raiz primeira e principal da santidade de Cristo homem não é outra senão o mistério da união hipostática, união que não destrói a natureza assunta, permanecendo uma e outra, divina e humana, distintas sem separação, unidas sem confusão. Por isso Jesus é Emanuel, Deus conosco, Deus em nosso meio.

Pois bem, para participar da vida de Deus no Céu, é preciso unir-se a Jesus, e essa união se dá, antes de tudo, pela fé, como o dizem as Sagradas Escrituras. Ora, o que é a fé? Não é um sentimento, não é simples confiança; é um dom derramado por Deus em nossos corações. Ela é o laço que nos une a Cristo, mas é só o primeiro, como uma semente chamada ainda a crescer e florescer.

Com efeito, no primeiro capítulo da Epístola aos Romanos, São Paulo escreve: “Eu não me envergonho do Evangelho porque o Evangelho é uma força de Deus para aquele que crê” (v. 16), isto é uma δύναμις [dýnamis], uma dinâmica; antes, uma “dinamite”, uma força de Deus, e o justo que vive pela fé vai crescendo de fé em fé, unindo-se cada vez mais ao Senhor. Ora, o que fizeram os santos para se tornar santos? Uniram-se a Jesus, portanto é impossível ser santo sem estar unido a Cristo, ou seja, sem ser, para início de conversa, cristão católico. Não é possível porque somente a plena união com Cristo gera em nós a santidade.

“Mas não há santos no judaísmo, por exemplo?” Não. Houve-os no judaísmo antes de Cristo ou, melhor dizendo, no Antigo Testamento, cuja religião não é o judaísmo tal como o conhecemos hoje, mas a própria religião cristã em germe [2].

O Apocalipse, aliás, fala dos santos do Antigo Testamento, dando o número de 144.000, 12 mil pertencentes a cada uma das tribos. Por que 144.000? Porque o número de santos do Antigo Testamento era relativamente pequeno; mas, com a vinda do Verbo encarnado, os santos crescem em número, por isso o Apocalipse refere-se a uma “multidão incalculável”. São esses os santos, de modo mais particular, que nós celebramos hoje.

A santidade, no Antigo Testamento, apesar de real, era coisa de poucos. No Novo, tornou-se coisa de muitos, ao menos para os que a desejam. Também é importante lembrar que a santidade, ou seja, a configuração a Jesus é plena no Céu, onde se contempla a Deus face a face. Sim, ela existe já no Purgatório, onde não há pecado mortal, embora permaneçam por algum tempo certas imperfeições, penas e culpas veniais não de todo expiadas, com o que não se pode comparecer à presença puríssima de Deus.

Noutras palavras, as almas do Purgatório já são santas, mas não perfeitamente; estão de certo modo confirmadas no amor a Deus, de modo que já não podem mais desviar-se dele por culpa grave nem, consequentemente, começar a odiá-lo. No Purgatório há dor, sim, mas não como a do Inferno. As almas benditas sofrem porque amam, mas não entraram ainda na posse do Amado, e se consolam porque sabem que dentro em breve o possuirão; as almas condenadas sofrem porque odeiam, e sabem que perderam para sempre a chance de ser felizes.

Essas considerações nos ajudam a entender como se alcança a santidade na terra. Há uma característica própria de todos os santos, estejam eles no Céu, amando e vendo a Deus face a face, ou ainda no Purgatório, amando-o sem vê-lo, mas cheios de esperança e fé, inflamados de chamas do amor a Cristo, ansiosos pela hora de o ver plenamente.

Nós, aqui na terra, tampouco podemos ser santos sem a caridade de Cristo, sem amor por Jesus, que é o Espírito Santo derramado em nossos corações. A santidade consiste, pois, num amor, mas num amor que não é “meu amor”; é o amor de Cristo em mim, é um amor que Ele mesmo me dá para que eu o ame como Ele é digno de ser amado.

O santo, pela força do Espírito Santo, ama a Deus de todo o coração, e porque o ama assim, ama-se a si mesmo. Por quê? Porque quem não ama a Deus, não pode se amar ordenadamente. Deus, com efeito, é a razão do nosso ser; ora, se não ama a raiz de meu próprio ser, como posso me amar de verdade? E se não me amo nem a mim mesmo, como hei de amar ao próximo?

Só o amor de Deus transborda e nos impele a nos amar e, amando-nos, a amar ao próximo, a evangelizar, a levar todos para a caridade de Cristo. Quem descobre essa santidade, plasmada em tantos santos — em Nossa Senhora, em Santa Teresinha, em Santa Teresa d’Ávila, no Padre Pio de Pietrelcina, santos extraordinários, exuberantes —, quem vê a santidade vivida realmente se sente entusiasmado, atraído pelo amor a Jesus.

O que faz um santo é o amor a Jesus. Com que amor Nossa Senhora amava Jesus e o ama ainda no Céu! Com que amor São José amava Jesus na terra e ainda agora o ama no Céu! Com que amor os santos anjos amam Jesus! Também nós temos de amá-lo. Isso é santidade, amor a Cristo, e não qualquer amor, mas o derramado pelo Espírito Santo em nossos corações. É o mesmo amor com o qual Ele nos ama, mas também o amor com o qual o amamos acima de todas as coisas, amando-nos a nós mesmos e ao próximo por amor a Ele.

Como, pois, aproveitar na prática a Solenidade de Todos os Santos? Em primeiro lugar, cantando cheios de alegria um hino de glória ao Senhor, pois “o que é o homem para que Deus se recorde dele?”, e no entanto “o fizestes como um Deus”. Jesus, derramando o Espírito Santo em nosso coração, fez com que esses santos maravilhosos amassem a Cristo já aqui na terra, que maravilha! Que coisa extraordinária! Por isso, ação de graças, louvor a Deus, por ter derramado a caridade em nossos corações, dando-nos o poder de amar a Ele neste mundo para enfim sermos felizes com Ele no Céu.

Em segundo lugar, recorrendo à intercessão dos santos. Devemos pedir-lhes não só pelas nossas pequenas necessidades materiais, que infelizmente é o que o todo o mundo só recorda de pedir, mas também a graça de, um dia, concelebrarmos com eles a glória de Deus no Céu. Eis a graça que devemos pedir: “Ó santos todos de minha devoção! Ó santos cujo nome conheço, santos de minha família e cujo sangue corre em minhas veias! Vós, que celebrais já a glória de Deus, intercedei por mim; para que um dia possa glorificar convosco a Deus, vendo-o face a face no Céu”. Não há santidade longe de Cristo. Somente nele — por Cristo, com Cristo e em Cristo — alcançamos a santidade para a maior glória a Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, junto com todos os santos e anjos do céu, pelos séculos dos séculos. Amém.

Notas

  1. Cf. M. Jugie, Theologia dogmatica (Paris, 1926), I 53: “Entre as sessões, por diversas vezes os Padres ou aclamaram por si mesmos a São Leão Magno como sucessor de Pedro e cabeça de toda a Igreja, ou ouviram-no, sem qualquer oposição, ser aclamado como tal por seus legados. Na segunda sessão, após a leitura da Epístola dogmática de Leão a Flaviano, todos clamaram: ‘Esta é a Fé dos Apóstolos […] Pedro a falou por Leão’”; J. David, Antiqua Ecclesiæ Syro-Chaldaicæ traditio (Roma, 1870), 51: “[…] o imperador Marciano, após a assembleia dos bispos ter-se reunido em sínodo em Constantinopla e lido o Tomo (isto é, a célebre constituição dogmática) do romano pontífice Leão, disse-lhes ‘Eis o testemunho e a fé de Leão, que é o maior Padre entre vós’. Estas palavras, postas embora na boca do imperador, foram não obstante ratificadas pelos Padres do Concílio, pois não só nenhum deles, à exceção de […] Dióscoro, patriarca de Alexandria, que fora condenado por Leão […], se opôs ao dito pelo imperador, mas todos, pelo fato mesmo de terem aderido plenamente ao Tomo de Leão, aprovaram o que dissera.”
  2. A Lei divina se divide em antiga e nova, não como em espécies coordenadas sob um gênero comum, mas como o imperfeito se distingue do perfeito dentro da mesma espécie, na medida em que, sendo idêntico o fim de ambas, a segunda ordena o homem a tal fim de modo mais eficaz e perfeito do que a primeira (cf. Santo Tomás de Aquino, STh I-II 107, 1c.), donde dizer São Paulo que “a Lei se nos tornou pedagogo encarregado de levar-nos a Cristo, para sermos justificados pela fé” (Gl 3,24).
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