Nas intenções desta Santa Missa, recordamos a Diocese de São Luiz de Cáceres, nossa vizinha, sufragânea de Cuiabá; afinal, hoje é dia de seu padroeiro: São Luís, Rei de França. A devoção a São Luís em Cáceres, que antigamente se chamava Vila Maria, deu-se pelo fato de a cidade ter sido renomeada em honra a um importante governador do nosso estado — mais especificamente de nossa capitania, na época em que fazíamos parte do Reino de Portugal —, o governador Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.
O famoso São Luís IX participou das Cruzadas na Idade Média e foi um exemplo luminoso de estadista, de pai de família e de santo. Hoje, a família do Carmelo também celebra Santa Maria de Jesus Crucificado, ou Santa Míriam, a Pequena Árabe, que viveu uma vida sofrida e impressionante.
Ainda pequena, Míriam foi literalmente martirizada: por se recusar a abandonar sua fé cristã para se casar com um muçulmano, teve sua garganta cortada. Foi então levada a uma gruta, onde Nossa Senhora cuidou dela. Durante toda a sua vida, foi sempre um milagre ambulante, os médicos não sabiam explicar, por exemplo, como aquela ferida tinha se restabelecido, com os exames mostrando que faltavam dois anéis da traqueia, sinal claro de que ela havia sido degolada.
Nossa Senhora também previu que Míriam faria parte de uma congregação dedicada a São José, e finalmente terminaria no Carmelo. Na época em que era noviça, a Pequena Árabe foi vítima de possessões. Era tomada por legiões de demônios cada vez mais fortes, que inicialmente eram exorcizados por sua superiora, depois por um padre e, finalmente, só um bispo era capaz de exorcizá-los. Ele também apresentou o único caso de que temos conhecimento, na história, de possessão angélica. Ou seja, depois que os demônios saíram, ela foi possuída pelos anjos.
Irmã Míriam teve um forte e importante papel no Concílio Vaticano I. Ainda que de longe, lá no Carmelo em Belém, ela intercedeu pelo bem-aventurado Papa Pio IX, pelo desenvolvimento do Concílio e pelo estabelecimento do dogma da Infalibilidade Papal.
Trazemos essas duas notas do nosso calendário litúrgico para vermos que, no Céu, contamos com estes grandes intercessores — São Luís IX de França e Santa Míriam de Jesus Crucificado — rezando por nós.
A liturgia de hoje nos apresenta o Evangelho do Amor, com dois grandes Mandamentos: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” e “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” (cf. Mt 22,34-40). Aqui, Nosso Senhor não resume somente a Lei de Deus, mas todo o processo de nossa santificação.
Vamos entender isso muito brevemente e aplicar à nossa vida. Em primeiro lugar, todo esse processo de santificação não começa quando amamos a Deus.
“Como assim, padre? Amar a Deus sobre todas as coisas não é o maior Mandamento?”, você pode perguntar. De fato, aí está o primeiro e maior Mandamento, mas tudo começa com uma fé inabalável no amor que Deus tem por nós. O amor consiste nisto: Deus nos amou por primeiro. E cada um de nós, ao termos notícia e sabermos o quanto Ele nos amou e se entregou por nós — ou seja, exercendo, de fato, a Fé, repetindo convictos em nosso íntimo: “Eu sou amado!” — então cada um de nós quer amá-lo de volta.
Quando dizemos “amar de volta” não nos referimos, simplesmente, a uma decisão com força humana, mas sobretudo a uma ação divina que acontece em nós. Com o ato de fé, Deus ilumina a nossa inteligência e convida a nossa vontade para amar. E isso acontece quando somos capazes de dizer: “Eu quero o que Deus quer. Eu desejo o que Ele deseja. Eu não quero o que eu quero.” Respondemos ao amor de Deus quando deixamos de fazer nossa própria vontade para nos unirmos à vontade dele, que é muito bom e sumamente digno de ser amado sobre todas as coisas.
Outro equívoco que as pessoas cometem é que, ao falarmos sobre amar a Deus, isso logo é reduzido à noção de sentir afetos por Deus. Ora, amar a Deus, de verdade, é querer o que Deus quer. É ter a nossa vontade unida à vontade dele: assim como a esposa quer se unir ao esposo, de tal forma que os dois sejam uma só carne, a alma quer se unir a Deus de tal forma que sejam uma só vontade.
Quando você ama uma pessoa, sente vontade de dar alguma coisa a ela, não é verdade? Quem ama seu filho, namorado, marido, esposa, amigo, quer fazer a essa pessoa algo de bom. É um amor de benevolência. Quando amamos a Deus, começamos seguindo os seus Mandamentos, ou seja, deixando de o ofender. Ora, isso é um amor mínimo! Mas depois que nos confessamos e não estamos mais ofendendo a Deus com com pecados mortais, então pela graça começamos a sentir uma grande vontade de entregar as coisas para Ele.
Então começamos a nos entregar a Deus, renunciando a algumas coisas por amor a Ele. Isso acontece, por exemplo, quando damos um de nossos bens em esmola; quando damos o nosso tempo, através da oração; quando entregamos a nossa sexualidade, através da castidade e do celibato. Mas a maior doação de todas é a doação de nossa vontade. Porque quem entrega a Deus a sua vontade deu a Ele tudo — não há mais nada para oferecer.
Vamos pensar? O que temos para dar a Deus, uma vez que entregamos a nossa vontade e podemos dizer: “Não quero mais nada. Eu quero o que Ele quer!” E então, não importando o nosso estado de vida — casado, como São Luís; monja, como Santa Míriam de Jesus Crucificado; padre ou leigo —, uma vez que queiramos tudo o que Ele quer, então demos tudo.
“Amar a Deus…”, como diz Jesus, “...de todo o coração, de toda alma, com todo o seu entendimento.” Essa totalidade pode ser resumida num amor em que a nossa vontade se funde com a vontade de Deus: “Deus quer chuva? Que haja chuva! Ele quer seca? Que haja seca!”.
Deus quer que as coisas se resolvam com facilidade em minha vida? Então aceito esse dom, e docilmente me deixo conduzir. Mas, ao contrário, Ele quer que as coisas em minha vida sejam sempre trabalhosas, doídas, provadas, sofridas? Eis-me aqui para trabalhar, lutar, sofrer! “Eis-me aqui, Senhor! Quem seria louco de não querer o que Tu queres?”.
Amar a Deus, meus irmãos, é antes de tudo saber — com o dom da Fé — que Ele é muito bom, e sumamente digno de ser amado. Quer dizer, também, que a vontade dele é sumamente digna de ser seguida; e, portanto, a minha vontade tem uma única missão: conformar-se à perfeita vontade dele, querendo o que Ele quer. Desse modo, renuncio aos meus caprichos e veleidades, para querer o que Ele quiser, em seus mínimos detalhes.
Meus irmãos, devemos assim amar a Deus e, então, porque Ele nos ama, terminamos nos amando! O segundo Mandamento é “amar ao próximo como a si mesmo” — e isso começa com o “si mesmo”. Amamos a nós mesmos com aquele amor com o qual Deus nos ama. Não nos conhecemos de verdade, não sabemos quem realmente somos nem qual o projeto que Deus tem para cada um de nós. O que podemos dizer, convictos, sobre nós mesmos, é que Deus nos pensa do jeito que realmente somos.
Quanto a nós, temos “vagas lembranças” de quem somos, nos recordamos de nós mesmos e das coisas que somos de forma seletiva. Quantas vezes as pessoas com as quais convivemos lembram de episódios do nosso passado que gostaríamos de já ter esquecido e soterrado? Somos incomodados por alguém que vem, jocosamente, relembrar aquilo que somos ou que fomos, algo que fizemos; e nós, num mecanismo de autodefesa e de proteção, já queríamos ter esquecido aquilo.
Somente Deus conhece todos os pequenos e mínimos detalhes de nossa alma, do que realmente somos. Ele sabe a história de cada um de nossos átomos, desde a criação do universo até chegar à ponta do nosso nariz. Será que esse átomo não esteve em oceanos distantes ou no topo de montanhas altíssimas? Deus sabe os detalhes dessa história! Deus sabe quem somos: e nos ama, aprova e aceita — pelo Batismo, recebemos a graça do Filho, e por isso o Pai olha para nós e diz: “Eis o meu Filho muito amado, no qual coloquei todo o meu bem-querer”.
Pelo Batismo e pela graça santificante, então nós nos tornamos um presente. Podemos amar ao próximo, podemos nos doar, porque amamos com aquele amor com que Deus nos ama. Aceitamos o que Deus aceita de nós, queremos o que Ele quer que sejamos, rejeitamos o que Ele quer que abandonemos, entregamos o que Ele quer que entreguemos. Somos um presente para os outros, amando-os com aquele mesmo amor abrasado com o qual Deus nos ama.
Eis a arquitetura daquilo que é o nosso caminho de santidade. Mais do que dois Mandamentos, o Evangelho de hoje nos fala de todo um itinerário de vida e de santificação. Tudo começa com a Fé — uma fé que não precisa ser afeto, precisa ser notícia: sabemos que Deus nos ama. Nós mesmos, se tivermos algum juízo, não nos amaríamos. Mas Deus tem suas loucuras de amor, e ama mesmo aquilo que não é amável; porque, amando, Deus faz com que aquilo que não é amável se torne amável. O amor de Deus faz e transforma. É a causa da amabilidade de tudo que é amável. Nós amamos as coisas porque elas são boas. Deus, porque ama, faz com que as coisas sejam boas.
Deus nos ama e, porque nos ama, vai nos transformando em pessoas melhores na medida em que acolhemos esse amor! Respondemos a esse amor conformando nossa vontade à dele. Como começamos esse caminho: seguindo os Mandamentos? Depois, dando o nosso tempo? Em seguida, abrindo mão de algum bem? Pois bem, agora precisamos dar tudo! E devemos fazer isso entregando a Ele a nossa vontade.
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