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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 6,52-59)

Naquele tempo, os judeus discutiam entre si, dizendo: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” Então Jesus disse: “Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim o que me come viverá por causa de mim. Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre”.

Assim falou Jesus, ensinando na sinagoga em Cafarnaum.

Meus queridos irmãos e irmãs, continuamos o belíssimo discurso do Pão da Vida e, a partir do último versículo do Evangelho de ontem, Jesus muda a temática, ou seja, continua falando de si mesmo como pão, mas começa a dizê-lo de forma mais explicitamente eucarística: “A minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida”. Não poderia ser mais clara a alusão à Eucaristia.

Na realidade, aqui devemos continuar aquela mesma meditação que nós vínhamos fazendo. Nós precisamos alimentar o nosso organismo espiritual, que foi plantado em nós no Batismo, como uma pequena semente; mas essa semente precisa ser regada, precisa da água, precisa do adubo, precisa do Sol, para que se torne uma árvore frondosa. É evidente que essa árvore só será plena no Céu, na glória; mas como os santos se alimentam na glória? Nós poderíamos dizer que eles comem o “pão dos anjos”.

Os anjos se alimentam, sim. São puros espíritos, mas eles se alimentam da verdade, ou seja, da verdade de Deus. Eles conhecem a Deus, colocando na realidade aquilo que São Paulo prevê na Carta aos Coríntios: “Nós conheceremos como somos conhecidos” (1Cor 13,12). Deus já me conhece, e no Céu veremos a Deus face a face e isso proporcionará para nós um conhecimento tão profundo que poderemos finalmente amar. Então, sendo amado e amando, sendo conhecido e conhecendo, acontece o progresso na vida espiritual, e é disso que vivem os bem-aventurados no Céu. Nós, aqui na terra, precisamos começar esse caminho, mas só podemos começar na fé.

Então, quando comungamos, somos tocados pelo corpo de Cristo. Mas não basta só tocar no corpo de Cristo. Os soldados romanos que o crucificaram tocaram no corpo de Cristo, mas não mudaram de vida nem foram salvos. Nós precisamos tocar nesse corpo de Cristo com fé e precisamos beber o sangue de Cristo com amor. Somente assim estaremos alimentando aqui na terra aquela vida que virá no Céu. Santo Inácio de Antioquia, que foi discípulo de São João, o autor desse Evangelho, escreve uma carta aos cristãos da Trália na qual diz assim: “a fé é o corpo de Cristo e o sangue de Cristo é a caridade”.

Essa união, essa identificação entre corpo de Cristo e fé, sangue de Cristo e caridade, pode parecer interessante, e algumas pessoas podem não gostar porque acham: “Não, está perdendo o realismo, padre! O senhor tem de entender que a Eucaristia é o corpo e o sangue de Cristo de verdade!” Eu sei que é o corpo e o sangue de Cristo de verdade. Mas acontece que, quando comungamos, entramos em contato com esse corpo e esse sangue de verdade por um espaço de tempo limitado. Durante o dia, se fizermos atos de fé e de caridade, estaremos em contato com o corpo e o sangue de Cristo de verdade, não sacramentalmente; mas de verdade, de tal forma que esses atos alimentam o dia inteiro a vida da nossa alma.

Vejam, amarrando um pouco as ideias que eu coloquei nessa reflexão, vamos entender o seguinte: você precisa comungar e comungar bem, e para comungar bem você precisa fazer um ato de fé no Cristo que está lá. Os soldados romanos não tinham fé, mas a hemorroíssa tocou em Jesus com fé, ao contrário da multidão que apalpava Jesus sem fé, e foi curada. Se nós tocarmos Jesus com fé, seremos alimentados espiritualmente, e se o amarmos, ali a fé se une à caridade de forma maravilhosa.

Isso que vivemos e temos na Eucaristia podemos estendê-lo para o resto do dia quando nós, então, na nossa oração pessoal, mesmo sem termos comungado, quisermos repetir essa mesma experiência de nos unir ao mesmo corpo e sangue de Cristo pelas mesmas virtudes que nos uniram: a fé e a caridade. Com atos de fé e de caridade, estaremos vivendo na prática a grande esperança de um dia chegarmos à glória do Céu.

* * *

V. 52-55. Ensina explicitamente que este pão há de entender-se misticamente, e que não é senão sua própria carne e seu próprio sangue. As palavras pela vida do mundo aludem ao sacrifício cruento da cruz. Quem não se alimenta da carne e do sangue de Cristo não terá a vida em si, isto é, não será salvo. Ao contrário, o que come deste alimento celeste tem a vida eterna… “primeiro porque, enquanto dá vida, isto é, a graça à alma, dá-lhe o penhor e como que certo início da bem-aventurança, que se chama vida eterna; ora, a bem-aventurança da alma redunda no corpo…; além disso, porque o Corpo de Cristo, por ter em si, em razão da união hipostática com a divindade, vida infinita e divina, a gera em nossos corpos por seu contato, quando de fato o recebemos no sacramento a Eucaristia. Assim, imprime em nossos corpos certo gérmen de imortalidade, em virtude do qual hão de ressuscitar depois, não de qualquer modo, como os corpos dos condenados, mas de forma especial, a saber: do modo como ressuscitou o próprio Corpo de Cristo, não para a morte segunda, isto é, para os suplícios [do inferno], mas para a bem-aventurança e a vida eterna” (Maldonado, In Ioh. 6,50).

V. 56-59. Declara de forma ainda mais clara a natureza e a excelência deste alimento admirável. A minha carne é verdadeiramente (ἀληθής = verdadeira) comida, e o meu sangue é verdadeiramente (verdadeira) bebida, isto é, diz-se comida e bebida não em sentido metafórico, mas próprio, porque se come e se bebe de verdade. E como o efeito do alimento é ser assimilado e coagmentado ao que come, em seguida acrescenta: Quem come a minha carne… permanece em mim, e eu nele, não só pela fé e a união de vontades, mas por união material, “pois assim como, se alguém misturar uma vela liquefeita com outra igualmente liquefeita, parece produzir-se de ambas uma única coisa, assim também, pela comunhão do Corpo e do Sangue de Cristo, Ele está em nós, e nós nele” (Crisóstomo). Mas esta conjunção é totalmente singular e admirável: Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do (διά = pelo) Pai, assim o que me come viverá por causa de (por) mim, isto é, assim como o Pai me dá a vida com sua mesma substância na geração eterna, assim também eu dou uma participação, ou seja, a graça, de minha vida divina ao fiel na sagrada Comunhão. Toledo e Maldonado interpretam o primeiro membro por referência à vida divina comunicada a Cristo homem na união hipostática. 

Outros entendem a partícula διά em sentido final, como na Vulgata (por exemplo, Lagrange). “Mas, se não há certeza quanto ao sentido exato, o sentido geral tencionado por Cristo é este: Assim como a vida do Filho é a vida do Pai, assim a vida de Jesus é a vida de quem [dele] se alimenta’, o que pode ser entendido em sentido efetivo ou fontaliter, exemplar e final” (Vosté, 182), a saber: Assim como o Filho recebe a vida do Pai e para o Pai vive, assim o fiel recebe a vida do Filho e para o Filho deve viver.

São belíssimas as palavras de Santo Agostinho: “Conhecem os fiéis o Corpo de Cristo, se não desprezam ser o Corpo de Cristo. Tornam-se o Corpo de Cristo, se querem viver do Espírito de Cristo: ora, do Espírito de Cristo não vive senão o Corpo de Cristo… Não seja membro podre, que merece ser amputado; não seja disforme, que faz corar de vergonha; seja belo, seja útil, seja são; una-se ao Corpo, viva para o Deus de Deus; trabalhe agora na terra, para depois reinar no céu” (In Ioh., tract. 26

Notas

  1. “Estaríamos assim na presença de uma noção nova. Unido a Cristo na Eucaristia, o fiel se consagraria inteiramente a promover os interesse daquele que se lhe entrega” (Braun, 367a).

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