Há três perguntas básicas sobre a oração que devem ser respondidas nesta aula, a saber: O que é oração? Como começar uma vida de oração? Como perseverar em uma vida de oração? Falaremos, principalmente, da oração dos principiantes, daqueles que estão ainda no começo da vida espiritual.
Antes de qualquer coisa, é importante buscar uma definição de oração. São João Damasceno diz que “a oração é a elevação da alma a Deus ou o pedido a Deus dos bens convenientes” (De fide orthodoxa III 24: PG 94, 1089D, citado no Catecismo, § 2559). Quando se fala de oração, fala-se de uma realidade para seres racionais, mas de uma atitude que parte sempre de um ser inferior em direção a um superior. Assim, só os homens e os anjos podem rezar.
Mas a oração não é algo simplesmente racional; trata-se de um fato ligado ao amor. Como diz Santa Teresa d’Ávila:
Para aproveitar neste caminho e subir às moradas desejadas, o essencial não é pensar muito — é amar muito. Escolhei de preferência o que mais vos conduzir ao amor.
Talvez nem saibamos o que é amar, o que não me espanta. Não consiste o amor em ser favorecido de consolações. Consiste, sim, numa total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo, em procurar, o quanto pudermos, não ofendê-lo e rogar-lhe pelo aumento contínuo da honra e glória de seu Filho e pela prosperidade da Igreja Católica (Moradas IV 1, n. 7).
Rezar é muito mais do que pensar: é cultivar um relacionamento com Deus. A santidade não consiste simplesmente em seguir os Mandamentos, mas em aumentar o amor para com Deus. Para ser santo é preciso progredir no amor, e este, por sua vez, cresce quanto maior e mais frequente é a oração que se faz. Diz, ainda Santa Teresa, noutro lugar:
E outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade — estando muitas vezes tratando a sós — com quem sabemos que nos ama. E se ainda o não amais (porque para que seja verdadeiro o amor e para que dure a amizade hão de encontrar-se as condições: a do Senhor já se sabe, não pode ter falta; a nossa é ser viciosa, sensual, ingrata), não podeis por vós mesmas chegar a amá-lo, porque não é da vossa condição; mas, vendo o muito que vos vai em ter a sua amizade e o muito que vos ama, passais por esta pena de estar muito com quem é tão diferente de vós (Livro da Vida VIII 5).
A realidade do amor está no fundamento da oração. Embora isso pareça óbvio, olhando para a nossa vida espiritual, nem sempre a encaramos dessa forma. Às vezes, nós pensamos na oração mais como um dever que como um ato de amor. Mas a oração não é um artifício para nos livrarmos de Deus. Trata-se, sobretudo, de um ato de amor.
Quando se fala de amor, é importante não o confundir com certo “gosto” na oração. Como diz Santa Teresa, “não consiste o amor em ser favorecido de consolações”. É possível colocar-se diante de Deus em um período de grande aridez — a oração terá muito mais valor que no período das consolações, inclusive. O amor “consiste, sim, numa total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo”.
Na prática da vida espiritual, algo que nos pode ajudar muito e que Santa Teresa recomenda é a meditação sobre a Paixão de Cristo. Não sem razão o diabo odiou tanto o filme de Mel Gibson: ele deu-nos um conteúdo muito forte para a meditação. Nesse processo, também ajudam-nos as imagens de Cristo ensanguentado na Cruz. Basta lembrar que Santa Teresa se converteu diante de uma imagem de Cristo chagado:
Aconteceu-me de, entrando um dia no oratório, ver uma imagem guardada ali para certa festa a ser celebrada no mosteiro. Era um Cristo com grandes chagas que inspirava tamanha devoção que eu, de vê-lo, fiquei perturbada, visto que ela representava bem o que Ele passou por nós. Foi tão grande o meu sentimento por ter sido tão mal-agradecida àquelas chagas que o meu coração quase se partiu; lancei-me a seus pés, derramando muitas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalecesse de uma vez para que eu não o ofendesse (Livro da Vida IX 1).
Na oração mental, pensar no Cristo crucificado por amor a nós é fundamental para nosso crescimento interior. Por outro lado, tirar as cruzes de nossa vida faz um tremendo mal para a nossa vida de oração.
É evidente que tudo isso é uma graça de Deus. O Catecismo (§ 2560-2561) recorda-nos aquele trecho do Evangelho no qual Jesus conversa com a boa samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva” (Jo 4, 10). Em outra parte, diz Jesus: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba” (Jo 7, 37). Deus quer dar uma água viva para saciar o coração humano.
Em seu livro As Três Idades da Vida Interior, o Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, ao falar da generosidade que os principiantes devem ter no início de sua vida espiritual, recorda uma multidão de santos — Santa Catarina de Sena, Santo Tomás de Aquino, Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz — que invocam justamente este versículo do Evangelho para lembrar a necessidade que todos os homens têm de recorrer à fonte da água viva, que é Jesus. A vida de oração só vai acontecer se nós abrirmos o coração a esse dom de Deus.
Além disso, a vida de oração depende fundamentalmente da virtude da humildade. Recorda o Catecismo (§ 2559): “A humildade é o fundamento da oração. ‘Nem sabemos o que seja conveniente pedir’ (Rm 8, 26). A humildade é a disposição para receber gratuitamente o dom da oração; o homem é um mendigo de Deus”. Não é possível apresentar-se diante de Deus com soberba, pois Ele “resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (1Pd 5, 5).
Ao mesmo tempo, porém, Deus chama todos os homens à contemplação da grandeza de sua vocação, à santidade, à grandeza de alma, em suma, à virtude da magnanimidade. A um olhar desatento, essas duas virtudes podem parecer contraditórias, mas não são. Para rezar, é preciso reconhecer-se um nada, um “vaso de barro”, no qual, no entanto, Deus colocou um tesouro. Então, não por causa de nós, mas por causa do dom de Deus, somos chamados à grandeza espiritual, que é a magnanimidade. Por isso, a humildade não a contradiz: nós, em nós mesmos, somos esterco, mas a Trindade habita em nossos corações.
Então, a primeira atitude a tomar, quando nos colocamos em oração, é um ato de humildade, que nos deve levar a adorar Deus em nós mesmos, inclusive. Quando nos humilhamos, quando reconhecemos a nossa pequenez e miséria, isso leva-nos quase que automaticamente à adoração. Como canta o salmista:
Contemplando estes céus que plasmastes
e formastes com dedos de artista;
vendo a lua e estrelas brilhantes,
perguntamos: “Senhor que é o homem,
para dele assim vos lembrardes
e o tratardes com tanto carinho?” (Sl 8, 4-5).
Quando lançamos um olhar à condição do homem no universo tão vasto, tomamos consciência de nosso nada. No meio da imensidão das coisas criadas, não é incrível que Deus nos ame, se importe conosco e venha habitar em nosso coração? E, no entanto, por mais estonteante que seja, essa é a verdade cristã.
Ao colocarmo-nos em adoração, o que brota imediatamente é um ato de fé. Esse esquema de oração foi tirado do livro Perfeição cristã e contemplação, também do Pe. Garrigou-Lagrange. O ato de fé não necessita de muitas palavras; trata-se de um olhar simples dirigido a Deus com admiração e amor. É olhar para os mistérios da salvação — a Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor, principalmente — e dizer: “Creio”. Mas esse ato de fé não é separado do amor, já que a caridade dá forma a todas as virtudes; a fé é acompanhada de admiração, amor e gratidão. Isso, por sua vez, leva o orante à súplica, que é a “linguagem da esperança”: com confiança nós pedimos — e verdadeiramente esperamos de Deus —, sobretudo, os meios necessários para a salvação eterna, a saber, o pão espiritual e o pão material. É importante, no ato de esperança, exercitar essa sede de Deus, de estar com Ele, de contemplá-lo face a face, de unir-se a Ele.
Por fim, parte-se ao ato de caridade, que pode ser dividido em duas partes: o ato afetivo e o ato efetivo.
No ato afetivo de amor, a pessoa vê os benefícios que Deus lhe dá e imediatamente o ama pelo que Ele é, com amor de amizade. Normalmente, as pessoas têm a visão de que o amor-caridade é superior ao amor-amizade. Mas Santo Tomás não é dessa posição, porque a amizade com Deus é exatamente o amor-caridade: o amor a Deus é sempre uma resposta, porque, na verdade, Ele “nos amou primeiro” (1Jo 4, 19). Assim, não existe verdadeira caridade no ser humano que não seja já uma resposta ao amor de Deus.
Essa é a tese do Pe. Duarte da Cunha em sua obra A amizade segundo São Tomás de Aquino (Principia, 2010): no livro, ele mostra claramente que o amor a Deus no ser humano não pode não ser amizade. Abelardo, durante a Idade Média, queria que o homem amasse a Deus sem recompensa nenhuma, mas isso é impossível, porque, para começar, todos já fomos recompensados. Tudo o que somos e o que temos recebemos de graça: a existência, a salvação, a graça santificante... O que se pode fazer senão agradecer? Então, definitivamente, a vida de oração não pode ser outra coisa senão uma vida de amizade com Deus.
No ato efetivo de amor, o orante procura adequar a sua vontade à de Deus, repetindo, com insistência, a petição do pai-nosso: fiat voluntas tua, “seja feita a vossa vontade”. Muitas pessoas querem crescer na vida de oração, mas se esquecem que a oração é para mudar não a vontade de Deus, mas a nossa. A oração deve transformar aquele que reza. Por isso se diz que o amor deve ser afetivo e efetivo.
Nas pessoas mais adiantadas na vida espiritual, as realidades aqui descritas — os atos de humildade, adoração, fé, esperança e caridade — acontecem de forma quase unitária, já que essas almas são mais dadas à contemplação. Enquanto não se chega à meta, no entanto, é preciso perseverar nesse exercício.
Muitos dizem ter uma grande dificuldade para rezar. Isso pode acontecer porque não se prepara o coração para o encontro com Deus. Ao longo do dia se deveria, com muita frequência, elevar o coração a Deus, resistindo à tendência de construir um muro de separação entre a vida ativa e a vida de oração. Esse muro não funciona. Não se trata de duas vidas diferentes, mas de uma só. Por exemplo, é preciso aproximar-se das pessoas como se aproximaria do Santíssimo Sacramento, oferecer pequenos sacrifícios a Cristo etc. Mas atenção: é importante fazer tudo isso com os olhos voltados para Jesus. O que diferencia o amor natural da caridade é o fato de a causa formal desta ser sempre Deus: ame-se a si mesmo, ao próximo ou a Deus (diferentes matérias), mas sempre por Deus (mesma forma). É assim que o amor é elevado ao nível sobrenatural, a partir uma “total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo”, seja qual for o objeto material.
Outra coisa importante para preparar a oração é o silêncio. As pessoas vivem, a todo instante, atordoadas e cercadas de barulho e, normalmente, não conseguem encontrar-se a si mesmas. Ora, se elas não conseguem encontrar-se nem consigo mesmas, como querem encontrar-se com Deus?
Quanto à perseverança: para alcançá-la, é preciso confiar que é Deus quem vai conduzir a nossa vida de oração. Isso quer dizer que, muitas vezes, as coisas não acontecerão da forma como planejamos. Quando entramos na vida de oração, começamos a receber consolações. Mas, se cumprirmos com os nossos deveres e fizermos muita oração e penitência, manifestando generosidade para com Deus, enfrentaremos um período de aridez, aridez essa que a nós, que estamos na vida ativa, pode ser acompanhada de perseguições, problemas familiares, dívidas e muitas outras provações. Quando essas coisas começarem a acontecer, não podemos desanimar: é Deus quem age em nossa alma para purificar o nosso amor.
Crescer na vida de oração é crescer no amor a Deus. É preciso cultivar a amizade com Ele. Na conclusão da tese de seu livro, o Pe. Duarte da Cunha recorda que a causa final da amizade é a comunhão de vida: terminado o curso da vida terrena do homem, ele participará dessa comunhão (communicatio) de vida com Deus, no céu. Aquele que aqui contemplamos às apalpadelas e às escuras estará um dia diante de nós. Importa que comecemos nesta vida a amá-lo: eis a finalidade de nossa existência.
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