Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 9, 22-25)
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.
Depois Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará. Com efeito, de que adianta a um homem ganhar o mundo inteiro, se se perde e se destrói a si mesmo?”
Iniciamos ontem nosso caminho quaresmal e Jesus, no Evangelho de hoje, já nos coloca diante da realidade fundamental do cristianismo, a cruz, que designa o amor divino que irrompe neste mundo. O cristianismo é a religião do amor, por isso é a religião do Crucificado que dá a sua vida por amor a nós.
O Evangelho de hoje é o primeiro anúncio da Paixão, em que São Pedro acaba de professar a fé, dizendo a Jesus que Ele é o Messias. Logo em seguida, Nosso Senhor começa a explicar que precisará partir para Jerusalém, onde entregará sua vida, e apresenta também a necessidade de trilharmos o caminho do Calvário se quisermos segui-lo. É um acolitato: o cristão é aquele que acolita Cristo, que segue Jesus no caminho do Calvário, em cujo cume está a Cruz.
Por isso, Jesus, como se estivesse explicando as “regras do jogo”, afirma com toda clareza: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz de cada dia e siga-me”. Estranhamente, as pessoas perderam essa noção que sempre foi muito concreta em dois mil anos de catolicismo. Nós católicos sabemos que, se quisermos seguir Jesus sem a cruz, terminaremos sem Jesus e sendo esmagados pela cruz.
A cruz do dia a dia é algo que faz parte da condição humana após a Queda de Adão e Eva — a que os teólogos chamam condição “pós-lapsariana”. Então, não há duas opções: a vida com cruz e a vida sem cruz. Não! Na vida, sempre haverá cruz. O que precisamos nos perguntar é se haverá Jesus em nossa vida.
Não importa se você é ateu, agnóstico, cristão, budista, confucionista, seja o que for, você irá sofrer, e vai sofrer todos os dias. A cruz não dá trégua. Quanto a isso não há escolha. O que podemos escolher é o seguinte: ter a cruz todos os dias e ficar esperneando; ou parar de espernear — “renuncie a si mesmo”, diz Jesus — e abraçar a cruz cotidiana. Renuncie à vontade louca e egoísta que grita dentro de você dizendo: “Eu não quero sofrer”.
Quem não faz essa renúncia, acaba fazendo coisas impensáveis e autodestrutivas para não sofrer: quer fugir da cruz e se droga; quer fugir da cruz e se embebeda; quer fugir da cruz e busca o sexo desregrado; quer fugir da cruz e come de forma desenfreada; quer fugir da cruz e procura qualquer forma de prazer... Mas há um problema: a cruz não vai embora. O máximo que a pessoa irá conseguir é um autoengano que, geralmente, só faz aumentar o peso da cruz. Se a pessoa esperneia, a cruz fica mais pesada; se renuncia a si mesmo e, com Jesus, toma a sua cruz dia após dia, certamente ela ficará mais leve. Por que isso ocorre? Porque, desse modo, ela tem uma motivação real para carregar a própria cruz, que se torna uma oportunidade de manifestar amor a Deus.
Sofrer todos sofrem: a maioria por mero egoísmo, mas outros abraçam o sofrimento e conseguem transformá-lo em amor. Essa é a graça do cristianismo que precisamos colocar em prática nesta Quaresma, suplicando a Deus que transforme o nosso sofrimento egoísta em amor, em amor por Deus, que morreu por nós na Cruz, e amor aos irmãos, que são a forma concreta que temos de amar a Deus. Mas, para isso, precisamos renunciar a nós mesmos.
Por fim, Jesus conclui o Evangelho com aquele princípio basilar, que, no fundo, é uma constatação da Sabedoria Divina: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la e quem perder a sua vida por causa de Mim”, ou seja, por causa do amor, por causa de Deus, “esse a salvará”. Tenhamos, pois, coragem nesta Quaresma para renunciar a nós mesmos, parar de espernear, abraçar a nossa cruz e caminhar com Cristo, o Cirineu que torna leves nossos fardos cotidianos.
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