Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo Marcos
(Mc 1, 21-28)
Estamos ainda no início da narrativa de São Marcos, nos primeiros passos do ministério público de Nosso Senhor. Enquanto prega em Cafarnaum, "um homem possuído por um espírito mau" o interpela: "Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus". Cristo, porém, rejeita a confissão do demônio, intimando-o a calar-se (a palavra grega usada é "Φιμώθητι", a mesma para se referir a uma mordaça). Mas, por que Ele faz isso? Por que não aceita a profissão do diabo?
Porque, explica Santo Agostinho, nos demônios existe a ciência, mas sem a caridade [1]. E, no dizer do Apóstolo, "a ciência infla, mas a caridade edifica" [2]. De fato, Deus não quer de Suas criaturas uma mera profissão de conhecimento. Não basta conhecê-Lo, se não houver caridade; não basta dizer que se crê n'Ele, se não há amor. Os demônios sabiam quem era Jesus, mas não O amavam. A sua ciência era orgulhosa, assim como a de muitos homens desta "era científica": pensando conhecer as coisas, confundem-se em sua soberba e, sem amor, perdem a essência da Verdade.
Cristo também não quer para Si uma simples e superficial admiração, como a narrada pelo Evangelista: "todos ficaram muito espantados"; e "a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte". Ele quer verdadeiro compromisso por parte das pessoas. Uma coisa é admirar-se, outra é crer e evangelizar; uma coisa é ser "discípulo missionário", como pediu o Documento de Aparecida, outra é ser apenas um curioso fofoqueiro.
No que diz respeito à ciência destas coisas sobrenaturais, Santo Agostinho comenta que a situação dos homens é ainda pior que a dos demônios, os quais pelo menos alguma ciência têm acerca de Cristo. O que eles, por causa de sua soberba, não conseguem enxergar, bem como os seres humanos, é "Dei humilitas, quae in Christo apparuit, quantam virtutem habeat – quanto poder existe na humildade de Deus, que apareceu em Cristo" [3].
Na Primeira Leitura deste Domingo, tirada do livro do Deuteronômio, Deus revela a Moisés que suscitará para ele, do meio dele, dentre os seus irmãos, um profeta como ele. Ora, uma das características mais importantes deste patriarca era que ele se comunicava com Deus "face a face". Neste sentido, a promessa divina encontra seu pleno cumprimento em Nosso Senhor. Comenta o Papa Bento XVI, em seu livro "Jesus de Nazaré":
"Neste contexto devemos ler a conclusão do prólogo de S. João: 'Ninguém jamais viu a Deus; o Filho unigênito que repousa no seio do Pai é que no-lo deu a conhecer' (Jo 1, 18). Em Jesus cumpriu-se a promessa do novo Moisés. N'Ele se realiza agora plenamente o que em Moisés se encontrava apenas de um modo fraturado: Ele vive diante do rosto de Deus, não apenas como amigo, mas como Filho; Ele vive na mais íntima unidade com o Pai.
A partir deste ponto podemos então compreender realmente a figura de Jesus, tal como a encontramos no Novo Testamento, tudo o que nos é contado em palavras, ações, sofrimentos, na glória; tudo isto está ancorado aqui. Se omitirmos este autêntico centro, passamos ao lado da figura autêntica de Jesus; então ela se torna contraditória e, em última análise, incompreensível. A questão que cada leitor do Novo Testamento deve levantar - aonde é que Jesus foi buscar a sua doutrina, onde é que se pode esclarecer a sua aparição -, esta questão só a partir daqui é que pode ser realmente respondida. A reação dos seus ouvintes era clara: esta doutrina não tem a sua origem em nenhuma escola. Ela é totalmente diferente do que se pode aprender nas escolas. Ela não é uma explicação à maneira da interpretação tal como é dada nas escolas. Ela é diferente; é explicação 'com autoridade' (...).
A doutrina de Jesus não vem da aprendizagem humana, seja ela de que espécie for. Ela vem do contato imediato com o Pai, do diálogo 'face a face', da visão daquele que repousa no seio do Pai." [4]
O espanto das pessoas com a "autoridade" ("ἐξουσίαν", em grego) de Nosso Senhor nasce de Sua humildade e de Seu rebaixamento, atingindo o seu cume no Calvário, quando o centurião vê Jesus expirar e exclama: "Na verdade, este homem era Filho de Deus!" [5]. Não importa tanto, pois, entusiasmar-se com os sinais e prodígios operados por Cristo, mas enxergar o poder que tem "humilitas Dei – a humildade de Deus".
Percebendo esta realidade, então, estamos prontos para fazer um ato de fé verdadeiramente amoroso – já que não se pode conhecer autenticamente uma pessoa sem amá-la – e nos tornarmos discípulos de Cristo. Afinal, é para isto que o Evangelho, o Magistério da Igreja e a Tradição dos Santos existem: para nos levar à fé católica, íntegra e reta, sem mutilações.
Uma vez com esta fé, é importante fazê-la crescer. Não há melhor instrumento para isso do que a oração. Que, neste ano, tomemos o propósito de ser generosos com Deus e, à semelhança de Maria, irmã de Marta, nos coloquemos aos pés de Cristo, em adoração e escuta silenciosa. A soberba procura engrandecer o homem pelas vias erradas. Na verdade, nunca o ser humano é tão grande como quando se põe de joelhos diante de Deus.
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