Algumas pessoas ficam assustadas ao saberem que, em pleno século XXI, a Igreja Católica não só permite o culto às relíquias, ou seja, a veneração do corpo de santos falecidos ou mártires, mas também guarda com zelo partes desses mesmos corpos. Ora, não seria isso uma coisa macabra, malsã? Mais do que cristianismo, não seria um resquício de superstição pagã, uma vez que eram os gentios que veneravam os antepassados?
A melhor forma de responder a esse tipo de acusação está na Suma Teológica de S. Tomás de Aquino, que diz: “O próprio Deus honra como convém as suas [dos santos] relíquias, pelos milagres que faz na presença delas” (STh III 25, 5). E mesmo que não se creia nos relatos de milagres e curas que ocorreram pelo contato com corpos ou roupas de santos da Igreja, não se pode negar o que diz a própria S. Escritura:
Certa vez, alguns homens que estavam a enterrar um morto avistaram um desses bandos. Atiraram o corpo para dentro do túmulo de Eliseu e fugiram. Aconteceu que o morto, ao tocar nos ossos de Eliseu, voltou à vida e pôs-se de pé (2Rs 13, 21).
É, pois, Deus mesmo quem venera os restos mortais (isto é, as relíquias) de seus santos, como disse S. Tomás. E o que se vê no Antigo está presente também no Novo Testamento, como no caso de S. Paulo, que, enquanto era vivo, servia de instrumento para Deus realizar milagres e, mais pontualmente, o que relata a passagem abaixo, extraída dos Atos dos Apóstolos:
Deus realizava milagres extraordinários pelas mãos de Paulo, a tal ponto que pegavam em lenços e aventais usados por Paulo para os colocar sobre os doentes, e estes eram libertados das suas doenças e os espíritos maus eram afastados (At 19, 11s).
Eis o fundamento das chamadas relíquias de segunda classe. As de primeira classe são os restos mortais propriamente ditos, ao passo que os objetos que estiveram em contato com o santo são as de segunda classe. Há quem fale de relíquias de terceira classe. Contudo, essas poderiam ser chamadas, mais adequadamente, de “lembranças”, por tratar-se de objetos que tocaram o túmulo do santo. Seja como for, não há dúvida de que Deus pode servir-se de qualquer coisa para operar milagres. É evidente, por outro lado, que não é o corpo do santo, em si mesmo, que realiza o milagre — afirmá-lo seria um absurdo teológico e, quiçá, uma forma de “pensamento mágico” —, senão que é algo por ocasião do qual Deus pode e quer realizar prodígios.
A Igreja Católica, não obstante as acusações em contrário, sempre valorizou o corpo humano. A adoração do santíssimo corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo e o sacramento do sagrado Matrimônio, entre outros exemplos, mostram que ela sempre defendeu o valor do corpo. No Concílio de Trento, os padres conciliares aprovaram um decreto sobre a invocação, a veneração e as relíquias dos santos e sobre as imagens sagradas, de 3 de dezembro de 1563. Nele, lê-se o seguinte:
Devem ser venerados pelos fiéis os santos corpos dos santos mártires e dos outros que vivem com Cristo, corpos que foram membros vivos do mesmo Cristo e templo do Espírito Santo, que por ele devem ser ressuscitados para a vida eterna e glorificados e pelos quais Deus concede aos homens muitos benefícios. Por isso, os que afirmam que às relíquias dos santos não se deve veneração nem honra, ou que inutilmente os fiéis as honram como também a outros monumentos sagrados, e que em vão frequentam as memórias dos santos para obter o seu auxílio, todos devem ser absolutamente condenados como já outrora a Igreja os condenou e também agora os condena (DH 1822).
Os corpos ressuscitarão, e é justamente porque serão divinizados que, hoje, os corpos dos santos podem servir de instrumentos de Deus na distribuição aos homens de suas graças e favores. Além disso, os corpos dos santos que serviram a Nosso Senhor são para Deus como que lembranças belíssimas do amor em que eles se consumiram, em penitências e boas obras: são corpos de pessoas que se doaram e gastaram por caridade. Enquanto o mundo idolatra corpos nus, de formas perfeitas e vulgares, os católicos veneramos corpos que se vestiram de virtudes e se enobreceram vertendo o próprio sangue, seja no martírio, seja na renúncia às paixões.
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