Com alegria, hoje recordamos São Rafael Arcanjo. No antigo calendário litúrgico, havia um dia distinto para cada um dos três arcanjos: São Miguel, no dia 29 de setembro; São Rafael, no dia 24 de outubro; e São Gabriel, no dia 23 de março. A reforma do calendário uniu os três arcanjos numa só Festa — o que, com todo respeito, entendemos que acabou empobrecendo a celebração; afinal, são três personalidades angélicas com funções bastante distintas.
Segundo o que sabemos através do Livro de Tobias, São Rafael tem a função de acompanhar os viajantes e, portanto, também nos acompanha no itinerário desta vida, sobretudo os jovens. Por quê? Porque São Rafael é o arcanjo da realização vocacional. Podemos recordar que Tobias parte de casa rumo a um caminho desconhecido; e é São Rafael um dos sete espíritos que estão sempre diante de Deus, quem guia o rapaz para aquilo a ele que foi chamado: seu caminho de discernimento no matrimônio.
Entretanto, no meio desse caminho vocacional existem perigos. Tobias é defendido de cada um deles e, na primeira noite de sua jornada, mata o peixe que será depois para ele fonte de libertação dos espíritos malignos e meio de cura física para seu pai. É interessante notarmos que, coincidentemente, as duas intervenções de São Rafael — uma na inteligência que vê, porque o Arcanjo curou a cegueira de Tobit; e outra na cura das paixões desordenadas e da vontade, porque causou o exorcismo do demônio Asmodeu, que representa a sexualidade desregrada — estão como que acenadas no Evangelho de hoje (Lc 12,35-38) por coincidência: Jesus diz que nós precisamos estar com as lâmpadas acesas e os rins cingidos. Essas são duas coisas que nós precisamos fazer se queremos caminhar no amor de Deus, para amá-lo e servi-lo.
As lâmpadas acesas significam a nossa fé. Precisamos que a nossa inteligência esteja constantemente atenta, prestando atenção ao Deus que nos fala a todo momento. Nós precisamos andar neste mundo sob a luz da presença sobrenatural de Deus em todos os lugares. São Rafael cura Tobit de uma cegueira física, que é símbolo e sinal da cegueira espiritual, mais perigosa e terrível para todos nós. Nós precisamos pedir a Deus mais fé, para que sejamos capazes de enxergar a sua divina presença em todos os pequenos detalhes de nossa vida. Se desejamos encontrar a nossa vocação, se não queremos nos perder em nosso caminho, deixemo-nos conduzir pela mão de nosso santo anjo da guarda. Peçamos a intercessão de São Rafael para que saibamos enxergar o que Deus quer de nós.
“O que quereis de mim, Senhor?” Sobrenaturalidade! Deus quer que vejamos nas pequenas coisas, em cada pequeno detalhe da vida, um chamado divino. Nada é por acaso, nada é fortuito, tudo tem uma predisposição da Providência. Neste ano, por exemplo, em nossa região no Mato Grosso, Deus permitiu que a chuva se atrasasse; e por isso o calor está mais intenso do que em outros anos. E se a chuva está vindo devagar, para aumentar ainda mais o calor abafado, Deus não está permitindo isso por acaso. Ele tem um desígnio. Deus tem algo para nos dar através dessa paciência que precisamos ter com o clima de Cuiabá. Na semana passada, estava registrado no termômetro do meu carro: 48° C! Por que Deus quer isso de nós? Ora, em cada pequeno detalhe de nossas vidas, Deus quer alguma coisa: sejam as circunstâncias um calor excessivo, uma noite mal dormida, ou qualquer dificuldade naquilo que programamos para a vida. Em tudo isso, precisamos ter sobrenaturalidade.
Precisamos pedir para que São Rafael e os nossos anjos da guarda nos curem da cegueira de não enxergarmos um convite de Deus em cada contrariedade. Cada vez que somos contrariados, recebemos um convite para amar a Deus. As contrariedades são oportunidades maravilhosas que a divina Providência nos dá; mas em nossa cegueira e soberba, nada vemos, não somos vigilantes. Deveríamos ser como “servos que estão prontos para a vinda de seu senhor”. E a visita do Senhor acontece! Recordemos de Santo Agostinho, portanto: “Tenho medo do Deus que passa, e não volta”.
Cada cruz que recebemos, seja pequena ou grande, é uma visita de Deus. É Jesus que passa e nos convida a amá-lo. Mas quando somos como o cego Tobit, não enxergamos quem nos fez essa visita. Iremos apenas nos revoltar, e talvez até blasfemar, dizendo: “De que adiantaram minhas boas obras e orações?” Pura cegueira!
Além de nos mandar aguardar com as lâmpadas acesas, o Evangelho também quer de nós uma outra cura, mandando que os nossos rins estejam cingidos. O que isso quer dizer? Os rins, na visão antropológica do Antigo Testamento, representam as paixões desordenadas, sobretudo as de caráter sexual. Uma pessoa casta é aquela que “cinge os rins”. É por isso que, ao paramentar-se para a Missa, o sacerdote tradicionalmente põe o cíngulo da castidade (e é de certa forma “profético” que muitos padres tenham abandonado este paramento).
Deus “cinge os nossos rins”, porque Ele segura, “amarra” os nossos instintos e desordens sexuais, e isso tem a ver com a intervenção de São Rafael. Nós sabemos que Tobias queria se casar com uma mulher, Sara, que era atormentada por Asmodeu — o demônio que devora a sexualidade masculina desordenada.
Asmodeu é o demônio que faz com que os homens sejam “menos homens”, é o espírito maligno que transforma a sexualidade masculina em uma desordem autodestruidora. Portanto, vemos que Asmodeu matava os maridos de Sara na noite de núpcias, de tal forma que, na vez de Tobias, o pai de Sara até mesmo já preparou a cova do genro quando o casal entrou no quarto nupcial. No entanto, com a fumaça produzida pelo peixe que São Rafael mandou Tobias pescar, o demônio é exorcizado.
Os nossos jovens — que precisam ser guiados em seu itinerário vocacional para ir enxergando os caminhos de Deus —, também precisam ser curados em sua sexualidade desordenada. São Rafael ajuda homens e mulheres nesta cura, como ajudou Sara e Tobias; mas auxilia sobretudo os homens a viverem a sua virilidade de forma ordenada. Não é viril, não é verdadeiro homem aquele que se aproveita das mulheres. O homem foi feito para derramar seu sangue e defender a mulher. Também não é verdadeira mulher aquela que é “devoradora” da masculinidade, que “mata” o homem em seu papel e não sabe viver a harmonia do casal, deixando o marido exercer a sua liderança na família.
A sexualidade ordenada naturalmente ordena a vida da família, que é o lugar da castidade. Quantas e quantas vezes as pessoas vêm ao confessionário para se confessar de seus pecados e desordens sexuais! Imediatamente, a primeira coisa que faço é colocar a sexualidade dentro da família; quer dizer: “Olhe, você não está se comportando como um pai”; “Você não está se comportando como uma mãe”. É um conselho que serve tanto para solteiros quanto casados! Precisamos pedir a Deus e a Nossa Senhora a graça de um coração de pai, um coração de mãe; porque a nossa sexualidade é uma missão, é aquilo com que Deus nos faz homens e mulheres para os outros. Mas como viver para os outros, se não forem exorcizados os demônios devoradores que querem nos transformar em aproveitadores, em pessoas que devoram, em vez de se doar para os outros?
São Rafael é verdadeiramente esse anjo que nos ajuda a cingir os rins da castidade. E porque os rins da castidade estão cingidos, é possível seguir o nosso grande caminho vocacional para o Céu! O demônio sabe perfeitamente que a vivência casta de nossa sexualidade nos impulsiona como uma flecha em direção ao Céu — e por isso quer impedir que vivamos a pureza.
O cíngulo que simboliza a castidade também é o símbolo do caminho, do itinerário, do viajar. Afinal, quem usa uma túnica comprida, que atrapalha os pés para viajar, precisa “amarrar os rins” para levantar um pouco a roupa e deixar os pés mais livres. Mas não somente isso: quem caminha muito também sabe que, em certa altura, começamos a sentir uma dor nos rins. Por quê? Porque os rins estão como que “boiando” na água dentro do nosso corpo; eles não estão fixos, são órgãos que se movem muito e, com o caminhar, vão batendo e começam a doer. É por isso que se “amarram” os rins. Os antigos percebiam isso: quando se está cingido, se consegue caminhar mais.
Todos esses são os símbolos para esclarecer o Evangelho de hoje: a lâmpada da fé, os rins cingidos como o dos “caminheiros”, agindo como pessoas ordenadas. Tudo isso nos possibilita o ato da caridade. Com a luz da fé e as paixões ordenadas, conseguimos então amar e servir a Nosso Senhor quando Ele vem nos visitar. E então, quando Jesus nos encontrar assim, será Ele que nos fará sentar à mesa e passará nos servindo com o amor eterno com que nos ama desde agora.
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