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Se não há pecados, como haverá misericórdia?

Misericórdia e pecado são ideias correlativas: se nos desfazemos de uma, jogamos fora também a outra. E se os cristãos da nossa época se gabam de ter superado a essa “velharia” chamada pecado, como esperam encontrar misericórdia e compaixão junto de Deus?

Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 6, 36-38)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso colo; porque com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”.

No Evangelho de hoje, pede-nos o Senhor que, assim como Deus Pai, sejamos misericordiosos de coração. Trata-se de um tema que, embora presente nos quatro evangelhos, apresenta em S. Lucas uma coloração especial, já que é ele o único evangelista a narrar que Jesus, já crucificado, rogava, não uma, mas várias e insistentes vezes a Deus que perdoasse aos seus algozes: “Perdoai-lhes, Pai, pois eles não sabem o que fazem”. À medida que os nossos pecados iam ferindo o Corpo de Cristo, mais o seu Coração se expandia em atos de amor, mais perdão implorava por nós e para nós. É somente diante desta cena tão cruel que podemos compreender o que é a misericórdia vivida e pregada por Cristo, porque se não somos capazes de reconhecer quão grave ofensa a Deus é o pecado, somos igualmente incapazes de compreender o que custou a Cristo ser misericordioso; se nos esquecemos que cada pecado é um cravo pregado nas mãos do Deus encarnado, tampouco sabemos o preço que custou a misericórdia com que fomos perdoados. Podemos até ser mais “tolerantes” do que os homens de outros tempos, mas nem por isso somos mais misericordiosos, pois se os que nos precederam eram rígidos na aplicação de penas, eram também mais sensíveis ao reconhecimento das culpas e, portanto, da necessidade de perdão. Nós, ao contrário, tudo toleramos, porque o pecado (ou, pelo menos, alguns pecados) já não nos parece intolerável. E se não há mais pecados, como haverá perdão? E se não há perdão, que sentido tem agora a palavra “misericórdia”? Que este tempo santo de Quaresma nos cure deste mal tão terrível, que parece haver apagado do espírito humano a memória do triste estado em que todos nascemos, e suscite em nossos corações um sentimento muito profundo, muito vivo e muito verdadeiro de contrição pelas nossas culpas, tanto sabidas como esquecidas. Somente assim poderemos levantar as mãos ao céu, dizendo: Pai, pela crucificação que o vosso Filho padeceu por minha causa, perdoai-me os meus pecados, porque já não sei quanto Sangue vos tem custado o meu perdão!

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