Durante muito tempo, e em boa parte das civilizações, a masculinidade esteve associada a virtudes como coragem, resiliência, disciplina etc., coisas que seriam necessárias para um menino tornar-se “homem de verdade”. Por isso, várias dessas civilizações possuíam códigos de honra e rituais de passagem, que os rapazes mais jovens do grupo precisavam cumprir para ganhar o respeito não só do líder da tribo, mas também das mulheres.

De modo geral, a vocação masculina costumava ser resumida em três palavras-chave:  “procriar”, “prover” e “proteger”. Com o passar do tempo, no entanto, esse código passou por mudanças e agora, entre tantas discussões sociais, políticas e sexuais, encontra-se no centro do debate. Se, em outras épocas, alguém poderia afirmar tranquilamente que “a masculinidade faz do mundo um lugar mais seguro”, como fez o ator Juliano Cazarré, em seu Instagram, hoje isso pode causar não só escândalo como uma enxurrada de críticas ao patriarcalismo ou, como quer a novilíngua, à “masculinidade tóxica”.

Em outro comentário, Cazarré teve de explicar que, calma lá, “masculinidade não é equivalente a machismo, a feminicídio, a patriarcalismo” etc., mas “significa agir com coragem mesmo quando se tem medo”, “ajudar quem precisa”, “valorizar as virtudes cardeais” e “fazer algo em vez de ficar parado reclamando da vida”. O óbvio, porém, não é mais tão óbvio assim, sobretudo quando a linha entre masculinidade e machismo tornou-se, aparentemente, tão tênue.

A origem da barbárie. — O censo mais recente sobre feminicídio no Brasil revelou que, durante a pandemia, os casos cresceram 22% em 12 estados. Também, nos últimos anos, aumentou o número de mães solteiras. Além desses dados, outros números são igualmente preocupantes: homens são as principais vítimas de homicídio e a maior população carcerária do Brasil. Geralmente, eles têm uma expectativa de vida inferior à das mulheres, sendo mais propensos que elas à dependência química e a cometer suicídios. Para completar, são cada vez mais comuns rapazes com problemas de disfunção erétil e ejaculação precoce.

Na origem dessa barbárie, vários estudiosos acusam o “machismo estrutural” de reforçar entre os homens a ideia de que eles “podem tudo”, que é da natureza deles a “brutalidade” e que, por isso, eles têm o direito de usar as mulheres e depois largá-las; podem dominá-las, tratando-as como uma propriedade ou, em situações extremas, matando-as. E esse machismo teria representatividade justamente em lugares como a família, a Igreja, a política e a arte, que, segundo eles, defendem uma ideia de homem “agressivo”, “dominador”, “predador”, entre outros estereótipos.

“Você pode ser masculino sem ser tóxico, ‘mano’”. Palavras de ordem comuns em manifestações feministas nos EUA.

De fato, a chamada cultura pop está repleta de ícones masculinos baseados na ideia do “predador sexual”, que se deita com quantas mulheres quiser, apenas por supostamente ser forte, viril e derrotar os inimigos da história. Que sejam esses, inclusive, os protagonistas dos filmes mais vistos das plataformas de streaming não é mero acaso: “Exalta-se entre os homens a baixeza” (Sl 11, 8). Ao fim e ao cabo, trata-se de mais do mesmo na indústria cinematográfica: sexo, sexo e sexo.

É fácil perceber a relação entre essas representações masculinas e o comportamento machista de muitos homens, considerando que a pornografia é a teoria e o estupro, a prática. Produções desse gênero, longe de falar da complementaridade e respeito entre sexos, só o que fazem é exibir o domínio de um sobre o outro. Seja como for, não há dúvida de que a exposição constante a cenas de sexo, explícitas ou não, provoca uma séria alteração no cérebro masculino. E se os homens são, em sua maioria, consumidores frenéticos dessa droga, a consequência inevitável é que tais comportamentos se reproduzam na vida real, em maior ou menor medida. Prova disso são os escândalos de abuso que assolaram Hollywood nos últimos anos e fizeram a Academia revisar boa parte de sua política.

Quanto à acusação que se faz aqui e ali à Igreja, no entanto, é difícil acreditar que homens se masturbando dentro de transportes públicos (notícia que tem se tornado, infelizmente, muito comum), tenham se sentido autorizados a fazê-lo depois de uma homilia dominical. Na verdade, há quem considere o cristianismo uma religião mais feminina que masculina. Mas o fato de a Igreja ser comandada hierarquicamente apenas por homens e ter, em sua pregação, um discurso sobre papéis institucionais e diferença entre os sexos seria o suficiente para sustentar um “machismo estrutural” e “simbólico”. Ao menos, é o que pensam muitas feministas.

Os remédios para o machismo. — A discussão torna-se, a partir daqui, mais melindrosa e fora do senso comum. Para grande parte das feministas, a reação adequada à “masculinidade tóxica” seria abolir toda e qualquer mentalidade considerada patriarcal, desde a noção de família à convicção de que existe uma natureza humana que faz os homens serem biologicamente diferentes de mulheres. O esforço, portanto, deveria ser o de construir socialmente novos “papéis de gênero”, enfraquecendo os códigos de masculinidade que falam em “procriar”, “prover” e “proteger”. Uma tendência disso pode ser vista no vestuário ou no cinema, com roupas masculinas cada vez mais emasculadas e filmes cujos protagonistas homens têm personalidades bem suaves e frágeis — quando não imbecis.

É uma guerra cultural. As feministas mais radicais acreditam que, entre o homem que usa a força para “prover” e “proteger” sua família e o que a utiliza para abusar de mulheres, parece, em tese, não haver diferença alguma, senão de grau: enquanto o último representaria o estágio mais avançado do troglodita, o primeiro esconderia seu machismo sob a fachada de “pai de família”. A violência de um é física: ele oprime com o punho; a do outro é institucional: ele oprime com o olhar. Assim, a única solução para a masculinidade seria transformá-la ao ponto de não restar sombra do tal “macho alfa”. Em outras palavras, é a abolição da testosterona.

Acontece que uma coisa é a ideologia e outra, a realidade: homens menos viris não são necessariamente menos opressores. Ao contrário, eles podem ser bem mais onerosos sobre suas famílias, sobre seus filhos e sobre a sociedade, quando não têm desafios para enfrentar, quando não decidem assumir responsabilidades e empregar as próprias habilidades para promover o bem e formar o caráter. No fundo, grande parte da violência masculina, hoje em dia, se deve ao vazio que os homens sentem, por não saberem mais que papel desempenhar na sociedade, o que lhes causa enorme ansiedade e frustração. Os homens não querem mais ser homens.

Homens censurando uma mulher, J. K. Rowling, por ela afirmar o óbvio — sim, mulheres menstruam — sem considerar o disparate — “há muitos homens transsexuais que menstruam, e muitas mulheres trans que não” — é a quintessência do machismo. Porque se, antes, era considerado abuso que os homens quisessem “proteger” e “prover” suas esposas, que se dirá agora de homens que forçam juridicamente, e com apoio da mídia mainstream, mulheres a relativizar algo tão íntimo como o ciclo menstrual, para se adequarem a novos “papéis de gênero”? É a intromissão total sobre o corpo da mulher, a imposição arbitrária da imaginação sobre a realidade, imposição dos fetiches sexuais sobre a natureza biológica. Enquanto muitas feministas se preocupam com os Rosários dos católicos contra o aborto, é a ideologia de gênero que lhes arranca o útero e a garganta.

Nesse contexto, cresce ainda o fenômeno chamado MGTOW (sigla para Men Going Their Own Way; em português: “Homens seguindo o seu próprio caminho”), que reúne homens que preferem não criar nenhum vínculo com mulheres, a fim de conservar seus negócios, patrimônios e independência. Eles podem até manter relações sexuais com elas, mas jamais as assumirão como namoradas ou esposas.

Curados pelo amor. — No fim das contas, em toda essa balbúrdia, para a qual parece não haver solução, há no entanto quem ainda acredite no amor dos homens: “Toda mulher quer amar e ser amada por homens em sua vida. Seja gay ou hétero, bissexual ou celibatária, ela deseja sentir o amor de seu pai, avô, tio, irmão ou amigo” [1]. Essa não é a afirmação de uma mulher “bela, recatada e do lar”, mas de uma feminista dissidente, bell hooks (sim, com minúsculas), que, para além da ideologia, percebe que os homens têm um papel necessário na vida familiar, na criação dos filhos e no mundo feminino.

Em The will to change (em português: “Desejo de mudança”), a ativista fala de sua infância e de como ela, criada num lar onde a figura paterna era muito severa, desejava que as mãos de seu pai a abraçassem, abrigassem e protegessem, tocando-a com ternura e cuidado. A partir de sua experiência, ela afirma que a abordagem sobre a masculinidade deve focar não na ideia negativa do “poder” dos homens — como fazem muitas feministas —, mas na capacidade deles para o amor. Para hooks, dentro da cultura atual, na qual se prega tanto a dominação de um pelo outro, a escolha pelo amor é a atitude mais heroica. 

A escritora feminista bell hooks.

A observação de hooks é que muitos meninos crescem pressionados a serem fortes e resilientes, como se essas fossem as virtudes principais, mas eles não são ensinados a lidar com a vida interior. Eles têm dos demais homens, bem como dos seus colegas, ou até de suas mães, a cobrança para que cumpram seus papéis sociais sem, por outro lado, o suporte para aceitarem o próprio temperamento e os limites pessoais. É como se tivessem de desenvolver uma ataraxia, o que se expressa frequentemente pelo imperativo: “Seja homem”. E quando não correspondem a essas expectativas, acabam expressando a própria dor por meio da violência, da sexualidade, do vício etc.

“Para amar os meninos corretamente”, insiste ela, “devemos valorizar sua vida interior o suficiente para construirmos mundos, tanto privados quanto públicos, onde seu direito à totalidade possa ser consistentemente comemorado e afirmado, onde a necessidade deles de amar e serem amados possa ser satisfeita” [2]. Portanto, ela conclui que “apenas uma revolução dos valores em nossa nação acabará com a violência masculina, e essa revolução deve ser necessariamente baseada numa ética do amor” [3].

A descoberta de bell hooks é fantástica, sem dúvida. No entanto, vem com certo atraso. Um século antes da publicação de The will to change, o livro de outro autor, Chesterton, já falava do “dano mais terrível” que as virtudes, “isoladas uma da outra”, causavam ao mundo. Em Ortodoxia, o jornalista dizia que “o mundo moderno está cheio de velhas virtudes cristãs enlouquecidas” circulando por aí sozinhas [4]. É por isso que, quando falamos da fortaleza masculina e da missão de “prover” e “proteger”, somos facilmente identificados com o machismo. Para a sociedade atual, à fortaleza não está unida a virtude da caridade. E é por isso também que, para reagir ao machismo, muitas feministas preferem aniquilar a masculinidade em vez de redimi-la pelo amor, como fez Cristo.

A masculinidade do homem cristão. — É uma pena que, por conta de sua experiência particular, hooks veja na Igreja apenas o sinal de um patriarcalismo e de uma mentalidade machista e misógina. Mas, data venia, é preciso dizer que, se há no mundo alguma instituição que lutou, desde o início, para ensinar aos homens a virtude do amor, essa instituição se chama Igreja Católica. E as confusões a esse respeito se dão simplesmente porque, não sabendo interpretar os paradoxos do cristianismo, muitos não entendem como São Paulo pode, na mesma carta, pedir a submissão das mulheres aos seus maridos e, logo em seguida, dizer aos maridos que amem suas esposas como Cristo amou a Igreja. Mas tudo se explica neste versículo: “Sede submissos uns aos outros, no temor de Cristo” (Ef 4, 21).

Quando Davi disse para Salomão “ser homem”, ele associou a masculinidade não tanto à força física — porque Deus não se deleita com músculos, diz o salmista (147, 10) — quanto à obediência aos preceitos divinos. Nesse sentido, a escolha dos doze Apóstolos significou uma revolução de todo o código de masculinidade, pois Cristo chamou homens fracos e débeis aos olhos do mundo, para ensiná-los que: “Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja o servo de todos” (Mc 10, 43). Nosso Senhor substituiu a lei de talião — “olho por olho, dente por dente” — pela máxima da caridade — “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15, 12).

De fato, Jesus curou a crise entre o homem e a mulher, que não é uma crise de sistemas patriarcais ou matriarcais, como se a mera substituição de um pelo outro resolvesse algo, mas uma crise antropológica e espiritual, que vem desde a Queda no Éden: “A teu marido irá o teu desejo, e ele te dominará” (Gn 3, 16). Essa foi uma das consequências do pecado original, que só pode ser remediado pela graça do amor de Deus. Restaurados em Cristo, a relação entre o homem e a mulher deixa de ser a de “senhor e escrava” para converter-se na de “senhor e senhora”. É um serviço mútuo em que cada um empenha suas qualidades para a edificação amorosa do próximo.

No romance Quo Vadis, que conta a história dos primeiros cristãos, a diferença entre a masculinidade cristã e a do paganismo é notável. Enquanto o general Marcus Vinícius, chefe das tropas romanas, sente-se no direito de possuir a jovem Lígia, simplesmente por defender a nação e ser um homem com feitos heroicos, o cristão Ursus, um homem fisicamente robusto, recusa-se a utilizar a força para espetáculos de gladiadores. “Eu não luto”, responde ele a uma proposta de Marcus Vinícius, “porque é pecado matar”. Ursus só utiliza a força para proteger Lígia numa arena, quando os dois, por serem discípulos de Jesus, são jogados à sorte das feras. Com isso, o homem cristão mostra ao general pagão que a força dele não é para conquistar troféus e prêmios neste mundo, mas a graça do amor de Deus e a vida eterna. 

E essa, sem dúvida, é a masculinidade que faz do mundo um lugar mais seguro.

Referências

  1. bell hooks, The will to change: men, masculinity and love. New York: Atria Books, 2004 (versão eletrônica).
  2. Id.
  3. Id.
  4. G.K. Chesterton, Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2010, p. 31.

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