Sustenta Allan Kardec que “as próprias palavras de Jesus não permitem dúvida” a respeito da pluralidade das existências; e cita Jo 3, 3: “Respondendo a Nicodemos, disse Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se um homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus” (O Livro dos Espíritos, p. II, c. V, n. 222).

Podemos encontrar estas palavras nos cabeçalhos de revistas e jornais espíritas, como se fossem a mais insofismável afirmação da reencarnação. No entanto, a coisa não é tão evidente. E primeiramente chamo a atenção para a tradução, que não é de todo exata. São João escreveu seu evangelho em grego. A palavra que interessa no caso é o “nascer de novo”. No original grego diz ánoothen que quer dizer: nascer do alto. Por isso a tradução exata da passagem seria assim: “Quem não nascer do alto não pode entrar no reino de Deus”. Já se vê que assim a dificuldade é sensivelmente menor, se é que já não desapareceu de todo.

E se lermos o texto inteiro, em seu contexto, veremos que o próprio Nicodemos não o entendera bem e ele pedira maiores esclarecimentos. E então Jesus explica seu pensamento: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do alto (outra vez: ánoothen), por meio da água e do espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do espírito é espírito”. Jesus insiste: é preciso nascer do alto, sim, mas “por meio da água e do espírito”. E isso, evidentissimamente, não é reencarnação.

Também em outros lugares a Sagrada Escritura fala desta necessidade de “nova” vida, da regeneração espiritual:

Renovai-vos, pois, no espírito do vosso entendimento, e vesti-vos do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeira. (Ef 4, 23-24)

Despojando-vos do homem velho com todas as suas obras e revestindo-vos do novo, aquele que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou. (Cl 3, 9-10)

Se não vos converterdes e vos não fizerdes como crianças, não haveis de entrar no reino dos céus. (Mt 18, 3)

Por isso o sacramento do Batismo, instituído por Cristo (cf. Mt 28, 19; Mc 16, 16), mas negado pelos reencarnacionistas, foi sempre chamado de “sacramento da regeneração”.

São Paulo a Tito nos dá um eco fiel das palavras de Cristo a Nicodemos e da verdadeira doutrina cristã:

Pois também nós dantes fomos néscios, desobedientes, extraviados, escravos de toda sorte de concupiscências e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, dignos de ódio e odiando-nos uns aos outros. Mas apareceu então a benignidade e o amor humanitário de Deus, nosso salvador. Não movido pelas obras justas que houvéssemos feito nós (durante as reencarnações), mas pela sua misericórdia, ele nos salvou mediante o batismo da regeneração e renovação do Espírito Santo, que ele abundantemente derramou sobre nós… (Tt 3, 3-6; cf. Gl 3, 27; 1Cor 6, 11)

Por isso, para São João, quem foi batizado é “nascido de Deus”. E isso é ánoothen: “Nascer do alto” ou “nascer de novo”. Mas não é, nem de longe, a reencarnação dos ocultistas de nossos tempos.

Referências

  • Trecho extraído e levemente adaptado de “Espiritismo: Orientação para Católicos”. 9.ª ed., São Paulo: Loyola, 2014, pp. 117-118.

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