Uma celebração consciente do Natal não deve ocultar — sepultados na calda das sobremesas e na ternura — seus aspectos mais sombrios. Chesterton nos advertiu: “os sinos que celebram o nascimento do Menino soam como tiros de canhão”; porque, de fato, naquela noite em Belém, teve início uma guerra sem tréguas que só terminará quando Cristo voltar. É uma guerra que já fora anunciada muito antes (“Ponho inimizade eterna entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela”), mas que só foi declarada de forma inequívoca naquele momento vertiginoso em que Deus reafirmou sua aliança com o homem, assumindo o corpo frágil e indefeso de um Menino. As crianças tornaram-se, assim, objeto do ódio ferrenho da antiga serpente, que, a partir de então, não cessou de maquinar como exterminá-las, profaná-las e aviltá-las das formas mais imundas e aberrantes.

“Os Santos Inocentes”, por Gwyneth Thompson-Briggs.

Sempre que uma criança é concebida, tremem os alicerces do palácio de Herodes; sempre que uma criança nasce, Herodes perde um pedaço de seu reino; sempre que uma criança é amamentada no seio materno, Herodes é condenado ao exílio. A descendência da antiga serpente não parou, desde aquela noite longínqua, de tramar crimes contra as crianças, crimes nefastos que matam seus corpos, mas sobretudo suas almas. Assim, a descendência da antiga serpente transformou o ventre das mulheres em um campo de extermínio; concebeu formas de propaganda e de entretenimento que degradam e debilitam as almas das crianças; deu vazão aos instintos mais depravados, para que pudessem encontrar nos corpos das crianças um remédio para a sua concupiscência; e, neste crepúsculo da história, prepara-se para profanar as almas das crianças, infundindo-lhes o desejo quimérico de mudar seus corpos, de as transformar em farrapos que enriquecerão as empresas farmacêuticas durante toda a vida, empanturrados com hormônios e antidepressivos.

Esta guerra total da velha serpente contra as novas vidas nunca cessou desde aquela noite longínqua em Belém. É claro que se disfarça com álibis humanitários que nos dão ânsia de vômito; mas basta arranhar-lhe a carapaça para que brilhe, fosforescente como um cadáver em decomposição, o mesmo ódio antigo e preternatural que se espalhou pelo palácio de Herodes, naquela longínqua noite de Belém. Uma noite, aliás, em que nasceu um menino, tal como o arcanjo Gabriel tinha anunciado: o Menino Jesus jamais poderia ser um “menine”, pois, nos planos de Deus, o corpo nos fala de Deus e o revela. E esse Menino haveria de tornar Deus visível, como Ele mesmo nos dirá quando crescer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). E a velha serpente precisa ofuscar essa verdade, precisa eclipsar o modo como Deus escolheu revelar-se aos homens, reformatando os corpos das crianças, para encher de morte e de aflição suas vidas frágeis e indefesas.

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