Normalmente, um cristão bem formado não daria dois minutos de atenção às bobagens que, todos os anos, são escritas (ou gravadas) para desmistificar o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas os tempos são outros, e a formação catequética (ou a falta dela) também. Hoje, infelizmente, a fé já não é um pressuposto evidente, de modo que precisamos nos dar ao trabalho de explicar com detalhes quase cirúrgicos o que para outras gerações seria óbvio, especialmente quando uma festa tão importante para o cristianismo é posta em xeque.

Comecemos por reiterar que não é de hoje que atacam o Natal. Na década de 1970, Gustavo Corção teve de descer à liça para defender a Encarnação de Cristo contra figurões da época que pelejavam, por exemplo, em Jornal do Brasil, O Pasquim e Manchete e insistiam em publicar artigos blasfemos sobre Jesus às vésperas do dia 25. O imbróglio rendeu uma série de crônicas do escritor, apoiado então por inúmeros católicos, todos prontos a entrar em campo para defender o sagrado depósito da fé.

O que surpreende, porém, é que essa ofensa à grande solenidade do nascimento de Nosso Senhor não vem apenas lá de fora, do mundo. É do meio dos cristãos, é de dentro do cristianismo que vêm as acusações mais esdrúxulas e insensatas contra tão bela e augusta festa. Durante muito tempo o Natal foi proibido na América protestante porque, para os seguidores de Calvino, se trataria de uma “celebração genuinamente pagã”. E é aí, nas fábulas protestantes, que muita gente vai buscar informações para desacreditar a sagrada noite de Belém.

“Eu vos anuncio uma grande alegria…”

Qualquer um que consultasse, pouco que fosse, a bibliografia disponível sobre o cristianismo, saberia que Wikipédia e almanaques protestantes são o último lugar para quem deseja conhecer, com o mínimo de rigor científico e transparência intelectual, a história da Igreja Católica e de suas tradições. Prova disso é a confissão nada suspeita de ninguém menos que Adolf von Harnack, teólogo luterano que afirmou certa feita: “Estou convencido, pela experiência constante, de que os alunos que deixam nossas escolas têm ideias mais desconexas e absurdas a respeito de história eclesiástica” [1]. E ele falava das faculdades protestantes da Alemanha. A ideia, no entanto, facilmente se aplica aos alunos de outras escolas, cujo conhecimento sobre Igreja Católica é, como dizia ele, “uma terra incógnita”, com “noções completamente triviais, incertas e, muitas vezes, nitidamente sem sentido” [2].

Também nesta matéria temos um misto-quente de críticas desconexas, absurdas e (convenhamos) triviais sobre a solenidade do Natal. Em primeiro lugar, acusa-se a Igreja Católica de ter-se rendido aos desmandos de Constantino, aceitando uma síntese indigesta entre cristianismo e paganismo. O Natal, portanto, não passaria de uma festa pagã com verniz cristão, a fim de enganar os incautos e levá-los, sem se darem conta, à adoração do diabo. Por isso, conclui-se, nenhum cristão sinceramente empenhado em seguir os ensinamentos de Cristo e a Sagrada Escritura deveria comemorar a data. Afinal, não há sequer evidências, bíblicas ou históricas, de que Jesus tenha nascido no dia 25 de dezembro.

Mas os anjos do céu, naquela noite feliz, desceram a esta terra para dizer aos homens: “Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 10). Sem dúvida, a noite do Natal é, sim, uma noite de alegria, de celebração e encontro, e que não devemos temer, como advertiram os anjos, pois foi nessa noite gloriosa que Jesus veio assumir a nossa condição miserável e estabelecer conosco uma nova aliança, “muito mais admirável que a primeira”. Em razão disso, a Igreja Católica se serviu de todos os meios para proclamar a mesma alegria a todo o povo.

No Natal, os católicos não celebramos o aniversário de Jesus, mas o mistério da Encarnação do Verbo divino, com todas as suas implicações para a nossa vida. Sendo assim, a data exata do natalício de Cristo não é necessária, no fundo, para a celebração do mistério, porque a Liturgia nos insere no presente eterno de Deus, por meio de gestos, orações, símbolos e cantos. Na Missa de Natal, recorda-nos Dom Henrique Soares, não dizemos: “Há dois mil anos nasceu Jesus”; dizemos, ao contrário: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo, desceu do céu a verdadeira paz”.

Como quer que seja, documentos históricos indicam que já no séc. III a Igreja celebrava o Natal no dia 25 de dezembro. Entre os que mencionam a data está S. Hipólito de Roma, um ardente defensor da ortodoxia, que jamais aceitaria qualquer forma de sincretismo religioso. Cai por terra, com isso, a afirmação de que o Natal seria resultado de uma “paganização” promovida por Constantino, a quem os protestantes, diga-se de passagem, gostam de culpar por todas as legítimas tradições católicas que eles mesmos rejeitaram.

Ora, não foi o imperador romano que dominou a Igreja; foi a Igreja que venceu o Império, de modo que este precisou rever toda a sua política externa e interna. “A influência da Igreja […] imprimiu um caráter diferente no processo como um todo. Os ideais da Igreja eram opostos a todas as principais características da sociedade imperial anterior”, afirma o historiador Christopher Dawson [3].

A cristianização nessa época aconteceu por meio da Liturgia, que “não era somente uma fonte de teologia cristã, mas também um dos elementos primários na formação de uma cultura” [4]. A Igreja, como era de esperar, varreu do mapa as antigas celebrações pagãs pelo culto cristão, transformando templos dedicados a falsos deuses em basílicas para nosso Senhor Jesus Cristo. É o caso do Panteão e da Basílica de Nossa Senhora sobre Minerva, em Roma, símbolos concretos da vitória de Cristo sobre o paganismo. Ninguém ajuizado diria que a mesquita construída sobre o Templo de Salomão, em Jerusalém, é um templo sincretista para muçulmanos e judeus. Faz parte de uma religião suplantar o culto adversário. A Igreja fez isso com o paganismo.

Vale lembrar ainda que, após o Concílio de Niceia, Constantino assumiu o partido dos arianos. Se a Igreja, de fato, estivesse amarrada aos ideais do imperador, nós estaríamos hoje rezando o credo herético de Ário, e não o niceno-constantinopolitano. As acusações contra o Natal não batem minimamente.

Uma conspiração natalina?

Já comentamos aqui um artigo de Monsenhor Nicola Bux que prova como a data de 25 de dezembro tem bases bíblicas e históricas. Recomendamos aos nossos leitores que assistam ao vídeo abaixo, que responde se “Jesus nasceu mesmo no dia 25 de dezembro”:

Importa agora desfazer outras afirmações absurdas. Para provar que o Natal é uma festa pagã, muitos recorrem à técnica das “religiões comparadas” e afirmam que, no mesmo período, outras festividades pagãs aconteciam, como a “festa de Mitra”, a “festa da Saturnália” ou do “Sol Invicto”. Portanto, todas essas festividades na mesma data indicam que o Natal é uma celebração igualmente pagã de culto ao demônio. Trata-se de um raciocínio “irretocável”: dadas duas coisas, se ambas coincidem em algum aspecto, é porque são idênticas em todos… Se, portanto, ao tempo do Natal se celebravam quiçá outras festas pagãs, é porque o Natal era, também ele, uma festa do gênero.

Ainda a respeito da comparação entre religiões politeístas e o cristianismo, Chesterton observava o seguinte [5]:

A religião comparada é de fato muito comparativa. Quer dizer, é a tal ponto uma questão de grau que apenas comparativamente ela é bem-sucedida quando tenta comparar. Quando a examinamos de perto, descobrimos que ela compara coisas que são realmente incomparáveis.

O Natal é realmente incomparável a quaisquer festas pagãs, e apenas uma pessoa com visão muito distorcida pode metê-las no mesmo saco. No Natal, não celebramos “tempo de colheita” nem adoramos algum corpo celeste, senão o Corpo do Menino Jesus, o Filho de Deus encarnado que veio a este mundo para dar à nossa vida um rumo decisivo. A diferença é abissal.

Além disso, a “festa da Saturnália” ocorria de 17 a 22 de dezembro comumente. Pela lógica, o Natal então deveria ser celebrado nesse período, e não em 25 de dezembro. Não faz sentido, como também não faz sentido a ideia de que a “festa do Sol Invicto” seja a base para o Natal cristão. Aquela festividade pagã foi instituída no tempo do imperador Juliano, o Apóstata, justamente para combater a Igreja Católica. “O imperador procurou restabelecer e reformar a religião idólatra, dando-lhe no neoplatonismo um novo fundamento e imitando várias instituições que viera a conhecer no cristianismo”, explica Frei Dagoberto Romag [6]. Tratava-se, portanto, de dois eventos antagônicos, não coincidentes.

Na verdade, os bons exegetas observaram que no dia do Natal cristão também se celebrava a Dedicação do Templo de Jerusalém, conforme a prescrição de Judas Macabeu em 164 a.C. “A coincidência de datas”, diz Bento XVI, “significaria então que com Jesus, que apareceu como luz de Deus na noite, se realiza deveras a consagração do templo, o Advento de Deus nesta terra”.

Insiste-se, por outro lado, que o nascimento de Jesus em 25 de dezembro é improvável porque, nesse período, é inverno na Palestina, e o Evangelho de São Lucas registra a existência de pastores cuidando de suas ovelhas à noite (2, 8). 

É preciso recordar, porém, que a Palestina não é a Inglaterra ou a Rússia. Esses pastores provavelmente trabalhavam numa região que fica à leste de Belém, onde a temperatura costuma ser mais amena, por estar mais próxima do mar Morto. Além disso, eles costumavam agrupar o rebanho num mesmo redil durante a noite, cabendo aos pastores revezar-se em turnos para vigiá-lo. Além disso, Taylor Marshall explica que Belém está numa latitude semelhante à da cidade de Dallas, nos Estados Unidos, onde no inverno se pode sair de shorts e regatas normalmente. (Talvez não nós, brasileiros, acostumados ao calor intenso o ano todo.)

Para espanto de qualquer historiador, há também quem se lance contra a existência histórica de São Nicolau e insinue que a árvore de Natal seja um “objeto pagão”. Um pouco mais de atenção, no entanto, nos revelaria o zelo e a piedade verdadeiros do valente bispo de Mira, como também a milagrosa vitória de São Bonifácio sobre o ídolo nórdico Thor, da qual surgiu a tradição da árvore de Natal. Foi justamente por ter derrubado a árvore do falso “deus do trovão” que São Bonifácio instituiu a “árvore do Menino Jesus”.

Além dos livros, essas informações estão aí à disposição, na internet. É só procurar no lugar certo.

Um conto de Natal

Está na boca do povo a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial. Talvez nos interessasse saber, portanto, que, durante a Primeira Guerra Mundial, soldados alemães e ingleses decidiram estabelecer uma trégua para celebrarem juntos o nascimento do Menino Jesus. Houve uma Missa, eles enterraram os mortos, repartiram o pão, trocaram presentes e jogaram uma partida de futebol. Por alguns dias, a solenidade católica do Natal foi capaz de neutralizar o mais sangrento combate até então, tocando o coração duro daqueles soldados. A história virou um filme chamado “Feliz Natal”.

De fato, se os homens se detivessem mais diante do Menino Jesus, certamente não precisaríamos temer outro conflito mundial. Na liturgia natalina, a Igreja prepara os fiéis espiritualmente, durante as semanas do Advento, para que recebam Cristo em suas vidas, porque “Cristo é a nossa paz, ele que de dois povos fez um só” (Ef 2, 14). É preciso, portanto, “que tenham um coração unânime os que foram recriados segundo a mesma imagem”, diz São Leão Magno [7]. Daí toda a tradição das novenas, das Antífonas do Ó, das Têmporas e das decorações com luzes, árvore e, sobretudo, um presépio.

Mas os arautos da divisão dos cristãos não querem celebrar o Natal, não se alegram pela Encarnação do Menino Deus, porque acreditam ser uma “festa pagã”. Com isso, eles transformam a noite feliz em uma noite qualquer, sem sentido nem significado, apenas para refeições e outros prazeres mundanos; e não percebem que quem está levando o Natal para o paganismo são eles mesmos e os que comungam de suas ideias.

Essa, sim, é a verdade. Doa a quem doer.

Referências

  1. Adolf von Harnack. Aus Wissenschaft und Leben, vol 1. Giessen, A. Topelmann, 1911, p. 97.
  2. Idem.
  3. Christopher Dawson. A formação da cristandade. São Paulo: É Realizações, 2014, p. 216.
  4. Ibidem, p. 230.
  5. G. K. Chesterton. O homem eterno. Cajamar: Mundo Cristão, 2010, p. 95.
  6. Frei Dagoberto Romag. Compêndio de História da Igreja: a antiguidade cristã. Petrópolis: Vozes, 1949, p. 181.
  7. São Leão Magno, Sermo 6 in Nativitate Domini, 2-3, 5: PL 54, 213-216.

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