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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 4,35-41)

Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca. Havia ainda outras barcas com ele. Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”

Nesta Memória de Santo Tomás de Aquino, o Evangelho nos fala da fé. Jesus atravessa o lago com os discípulos. Durante uma tempestade, eles se desesperam, Jesus acalma a tempestade e lhes pergunta: “Ainda não tendes fé?” Esta passagem do Evangelho nos conduz para a pergunta: o que é realmente esta fé que Jesus está pedindo aos seus discípulos? Santo Tomás de Aquino, em seu famoso Comentário à Carta de São Paulo aos Romanos, nos responde exatamente esta pergunta.

O que é a fé, na prática? O que Jesus está esperando de nós? Na Carta aos Romanos, São Paulo nos coloca diante de uma realidade que é a experiência de todo ser humano que já tentou viver uma vida conforme a lei de Deus. Você recebe as leis como o povo de Israel as recebeu no Antigo Testamento. Os judeus tinham a revelação divina da Lei, e no entanto não conseguiram viver à altura dos Mandamentos de Deus.

Você então tenta por outro lado, pelo lado da inteligência, da razão, dos filósofos gregos. Mas também eles não conseguiram viver coerentemente com seus achados filosóficos. Qual é a reação de todo ser humano? É o desespero. Nós vemos o bem que nós queremos, mas fazemos o mal que nós não queremos. É exatamente a experiência dos discípulos na barca.

No Evangelho de hoje, eles se propõem a atravessar o mar. Estão com Deus, estão com Jesus na barca, começa a tempestade, e eles naufragam miseravelmente. Nós somos náufragos da nossa presunção, da nossa pretensão, do nosso orgulho, do achar que nós seremos capazes de amar. Nós, feridos de pecado, vemos que atua em nós uma força de pecado.

Santo Tomás de Aquino, então, nos faz notar no seu comentário à Carta aos Romanos que a fé é uma força que faz exatamente o contrário. O Evangelho é uma força de Deus para aquele que crê. Quando a pessoa faz um ato da fé e vai crescendo de fé em fé, como diz a Carta aos Romanos, essa pessoa recebe uma força do ato.

Isso é uma realidade que nós podemos constatar na prática. Se você tem dificuldade de mudar de vida, se você está há tanto tempo remando contra a correnteza, querendo ser diferente, quem sabe se lutando com a castidade ou com a fidelidade aos seus propósitos, faça uma oração muito simples: peça fé, peça mais fé.

Se você fizer essa oração com sinceridade, humildade e perseverança, você começará a notar (não na hora em que você faz a oração) uma mudança na sua vida. Por quê? Porque o ato de fé faz com que você receba uma força, diz São Paulo aos romanos: “O Evangelho é uma força de Deus para aquele que crê”. Isto que São Paulo ensinou há tantos anos, Santo Tomás de Aquino o salienta, faz com que essa luz fique no candelabro e a explica com clareza e grandeza.

Por isso Santo Tomás de Aquino é um grande Doutor da Igreja. Que ele interceda por nós no Céu e nos ajude a dar passos na fé, para que nós possamos crescer de fé em fé. Mas isso aqui não é teoria, isso aqui é uma verdade muito concreta em nossas vidas. Pare de bater a cabeça, pare de tentar ser santo com as próprias forças. Humildemente peça fé, exercite a fé na oração, no encontro com Cristo na intimidade.

Você verá esta verdade: o Evangelho é uma força do alto que vem acalmar as tempestades da nossa vida.

* * *

LECTIO VI [1]

Depois que o Apóstolo conquistou a benevolência dos fiéis romanos para os quais escrevia, mostrando seu afeto a eles, agora começa a instruí-los sobre as coisas que pertencem à doutrina evangélica, para a qual dissera ter sido escolhido [1,1c]. E (I) primeiro mostra a virtude da graça evangélica [1,16b–11,36]; (II) segundo, exorta à execução das obras desta graça, onde: Assim que vos rogo [12,1ss]. 

Acerca do primeiro, faz duas coisas: (A) primeiro, propõe o que tenciona [1,16]; (B) segundo, manifesta seu propósito, onde: Com efeito, revela-se [1,18a].

Acerca do primeiro, faz três coisas: (a) primeiro, propõe a virtude da graça evangélica [1,16b]; (b) segundo, a expõe, onde: Porque a justiça [1,17a]; (c) terceiro, confirma a exposição, onde: Como está escrito [1,17b].

a) Proposição (v. 16b)

Diz pois primeiro: Eu não me envergonho do Evangelho porque, embora, como está dito, “a palavra da cruz” seja “loucura para os que se perdem” (1Cor 1,18), para nós ela é a virtude de Deus: Porque é a virtude de Deus [1,16b], o que se pode entender duplamente: (1) de um modo, que a virtude de Deus se manifesta no Evangelho, segundo aquilo: “Manifestou ao seu povo o poder das suas obras” (Sl 110,6); (2) de outro modo, que o próprio Evangelho contém em si a virtude de Deus, segundo aquilo: “Dará à sua voz, voz de virtude” (Sl 67,34).

Acerca da qual virtude devem considerar-se três coisas:

(1) Primeiro, ao que esta virtude se estende, e isto vem designado quando se acrescenta para dar a salvação [1,16b]. — “Recebei com mansidão a palavra enxertada em vós, a qual pode salvar as vossas almas” (Tg 1,21b). — O que se dá triplamente: (a) de um modo, na medida em que, pela palavra do Evangelho, são perdoados os pecados: “Vós já estais puros em virtude da palavra que vos anunciei” (Jo 15,3); (b) segundo, na medida em que, pelo Evangelho, o homem consegue a graça santificante: “Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade” (Jo 17,17); (c) terceiro, na medida em que conduz à vida eterna: “Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).

(2) Segundo, por que modo o Evangelho confere a salvação, que é pela fé, o que vem designado quando se diz a todo o que crê [1,16b], o que se dá triplamente. (a) Primeiro, pela pregação: “Pregai o Evangelho a toda a criatura; o que crer e for batizado, será salvo” (Mc 16,15s); (b) segundo, pela confissão: “Com a boca se faz a confissão para conseguir a salvação” (10,10b); (c) terceiro, pela Escritura, daí que também as palavras escritas do Evangelho tenham virtude salutífera, assim como o bem-aventurado Barnabé curava os doentes sobrepondo-lhes o Evangelho [2].

Há que precaver-se, todavia, das superstições dos caracteres, porque isto é supersticioso. Donde, em Ez 9,6, foram salvos aqueles em cuja fronte estava escrito um tau, que é o sinal da cruz.

(3) Terceiro, a quem o Evangelho é para a salvação, que são tanto os judeus quanto os gentios. Com efeito, Deus não é só dos judeus, mas também dos gentios [cf. 3,29], e por isso acrescenta primeiro ao judeu, e depois ao grego [1,16c], entendendo por grego todo gentio, pois que dentre os gregos surgiu a sabedoria dos gentios.

[Objeção.] Mas se abaixo se diz: “Não há distinção entre judeu e grego” (10,12), como [se diz] aqui primeiro ao judeu? — [Resposta.] Deve-se dizer que, quanto à consecução do fim da salvação, não há distinção entre eles, pois alcançam igual recompensa, assim como pelo trabalho na vinha os primeiros e os últimos receberam um mesmo denário, como se diz em Mt 20,1-16. Mas quanto à ordem da salvação os judeus são os primeiros, porque a eles as promessas foram feitas [cf. 3,2] e à graça deles foram associados os gentios, como se um ramo de zambujeiro fosse enxertado em boa oliveira [cf. 11,24]. Deles também nasceu o nosso Salvador: “A salvação vem dos judeus” (Jo 4,22).

b) Exposição (v. 17a)

Expõe conseguintemente como o Evangelho é para a salvação, quando diz: A justiça de Deus manifesta-se nele de fé em fé, o que se pode entender duplamente:

(1) De um modo, por referência à justiça pela qual Deus é justo, segundo aquilo: “O Senhor é justo e ama a justiça” (Sl 10,8). E segundo isto o sentido é que a justiça de Deus, ou seja, aquela pela qual ele é justo ao guardar as promessas, manifesta-se nele, ou seja, no homem que crê no Evangelho, pois crê que Deus cumpriu o que prometera sobre a vinda de Cristo; e isto [por causa] da fé em Deus, que promete: “O Senhor é fiel em todas as suas palavras” (Sl 144,12), na fé do homem que crê.

(2) Ou, de outro modo, que se entenda por referência à justiça de Deus pela qual Deus justifica os homens. Pois se chama justiça dos homens àquela pela qual os homens presumem justificar-se com as próprias forças: “Porque, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à justiça de Deus” (10,3). A qual justiça [de Deus] se manifesta no Evangelho na medida em que, pela fé do Evangelho, os homens são justificados em qualquer tempo, donde acrescenta de fé em fé, isto é, procedendo da fé do Antigo Testamento para a fé do Novo Testamento, pois um e outro justificam e salvam os homens pela fé de Cristo, pois a fé com que creram que ele viria é a mesma com que nós cremos que ele já veio; e por isso se diz: “Tendo o mesmo espírito de fé . . . também nós cremos, e por isso também é que falamos” (2Cor 4,13).

(3) Ou se pode entender: (a) da fé dos pregadores para a fé dos ouvintes: “Como crerão naquele de quem não ouviram falar?” (10,14b); (b) ou: da fé de um artigo para a fé de outro, porque a justificação requer a fé de todos os artigos: “Bem-aventurado aquele que lê e aquele que ouve as palavras desta profecia” (Ap 1,3); (c) de outro modo se pode entender: da fé presente para a fé futura, isto é, para a plena visão de Deus, que se chama fé em razão da certeza e da firmeza do conhecimento, e esta [a fé presente] em razão do conhecimento evangélico: “Nós agora vemos [a Deus] como por um espelho, obscuramente, mas então [o veremos] face a face” (1Cor 13,12).

c) Confirmação (v. 17b)

Prova esta exposição quando acrescenta como está escrito: O meu justo vive da fé, o que está tomado do texto da LXX [3]. Pois no nosso texto, que é conforme à verdade hebraica, se diz: “O justo vive da sua fé”. Ora, diz-se o meu justo, quer dizer, por mim justificado e a quem reputo justo: “Certamente, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não junto de Deus. Pois o que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e lhe foi tido em conta para a justiça” (4,2s); “O que vivo agora na carne, vivo-o na fé no Filho de Deus” (Gl 2,20).

Pois bem, quatro coisas cumpre aqui considerar acerca da fé:

(1) Primeiro, o que seja a fé. Ora, importa ela certo assentimento com certeza àquilo que não se vê, por [império da] vontade, pois ninguém crê se não o quiser, como Agostinho diz (cf. In Ioh. tract. 26, 2: ML 35,1607). E segundo isto difere o que crê de quem duvida, que não assente a nenhuma das partes; difere também de quem opina, que assente a uma parte, não com certeza mas com medo da outra; difere ainda de quem sabe, que assente com certeza por necessidade de razão [4]. E segundo isto a fé é intermediária entre a ciência e a opinião.

(2) Segundo, deve-se considerar se a fé é virtude. E é manifesto que não é virtude, se se toma por aquilo que se crê segundo aquilo: “A fé católica é esta, que [se adore ao] único Deus na Trindade” [5]; se, porém, se toma pelo hábito por que cremos, assim às vezes é virtude, às vezes não. — É a virtude, com efeito, princípio do ato perfeito. Ora, um ato dependente de dois princípios não pode ser perfeito, se a um dos princípios faltar sua própria perfeição: assim, a equitação não pode ser perfeita se o cavalo não andar bem ou se o dono não souber guiar o cavalo. Mas o ato da fé, que é crer, depende do intelecto e da vontade, que move o intelecto ao assentimento; donde, o ato da fé será perfeito se a vontade for aperfeiçoada pelo hábito da caridade, e o intelecto pelo hábito da fé, mas não [o será] se faltar o hábito da caridade; e por isso a fé formada pela caridade é virtude, mas não a fé informe (cf. STh II-II 4, 5c) [6].

(3) Terceiro, deve-se considerar que um mesmo hábito de fé que, sem a caridade, estava informe, com a vinda da caridade se torna virtude porque, sendo a caridade extrínseca à essência da fé, a vinda e a ida daquela não mudam a substância desta.

(4) Quarto, deve-se considerar que do mesmo modo que o corpo vive, pela alma, da vida natural, assim também a alma vive, por Deus, da vida da graça. Primeiro, Deus inabita a alma pela fé: “Que Cristo habite pela fé em vossos corações” (Ef 3,17). Mas não é perfeita a habitação se a fé não estiver formada pela caridade, que pelo vínculo da perfeição nos une a Deus, como se diz em Col 3,14. E pois, o que diz aqui, vive da fé, se deve entender por referência à fé formada.

Notas

  1. Santo Tomás de Aquino, Super Epistolam ad Romanos Lectura, c. 1, l. 6 (= Rm 1,16b-17). Texto-base dessa tradução: Raphael Cai, O.P. (ed.), Super Epistolas S. Pauli Lectura. 8.ª ed., Turim; Roma: Marietti, vol. 1, pp. 19–21, nn. 97–108.
  2. “A passagem sobre Barnabé figura em sua paixão apócrifa, supostamente escrita pelo evangelista Marcos. . . O costume de impor o Evangelho sobre a testa dos doentes e que se opunha aos remédios da idolatria, era praticado ainda na época de Santo Agostinho. Este, como se vê em certas passagens de suas obras (v., por exemplo, In Ioh. tract. XII, 12), tolera a prática, sublinhando porém que o Evangelho cura muito mais as doenças espirituais do que as corporais” (J.-E. Stroobant de Saint-Eloy [CERF 1999] nt. 118).
  3. Na LXX, a passagem aqui citada por São Paulo diz: ὁ δὲ δίϰαιος ἐκ πίστεώς μου ζήσεται (Hab 2,4), “mas o justo da minha fé viverá”, i.e., “da fé em mim”; na Vg, lê-se: iustus autem in fide sua vivet, “o justo, porém, em sua fé viverá”; em hebr. וְצַדִּ֖יק בֶּאֱמוּנָתֹ֥ו יִחְיֶֽה, “mas o justo por sua fé há de viver” (N.T.).
  4. Também a faculdade intelectiva é, ao seu modo, uma potência natural, razão por que se encontra, em sua própria ordem, determinada a algo uno (ad unum), qual seja captar os primeiros princípios e assentir ao que é per se notum. Por isso o intelecto não é livre com liberdade de especificação: apenas toma nota de um princípio evidente per se, não pode não conhecê-lo ou lhe negar assentimento. Noutras palavras, há evidências que, uma vez vistas ou conhecidas, “ligam” de tal modo o ato de adesão intelectual, que só podem ser negadas num plano meramente verbal (e.g., o princípio de não-contradição). Contudo, o intelecto é livre com certa liberdade de exercício, pois pode querer ou não querer entender, pode querer entender isto ou aquilo.
  5. Ou seja: a fé não é virtude, se por fé se entende o objeto crido enquanto tal. Neste caso, ela é certa perfeição existente no intelecto do fiel e corresponde a algo complexo a modo de enunciável, i.e., de juízo afirmativo imediato, conforme o modo de conhecer que nos é próprio e específico nesta vida (in statu viæ), pois “o conhecido está no cognoscente segundo o modo do cognoscente” (STh II-II 1, 2c).
  6. Crer, elicitivamente um ato do intelecto mas imperativamente da vontade, tem por objeto material per se primário (formal quod) a verdade primeira in essendo: eis dimensão noética ou intelectual do assentimento (credere Deum, crer Deus como coisa crida); e por objeto próprio (formal quo), a verdade primeira in dicendo: eis sua dimensão moral ou volitiva (credere Deo, crer a Deus ou por causa de Deus).

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