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O Papa Francisco definiu, para o próximo dia 8 de dezembro de 2015, Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, o início do Ano Santo da Misericórdia Na bula Misericordiae Vultus [“O Rosto da Misericórdia”], Sua Santidade ressaltou a grandeza da misericórdia divina e, ao mesmo tempo, a importância de os fiéis aplicarem em sua vida a virtude da misericórdia.

Definição. – Mas, em que consiste, afinal, essa virtude? O que é exatamente a misericórdia? Santo Agostinho, na obra “A Cidade de Deus”, define-a do seguinte modo:

“A misericórdia é a compaixão que o nosso coração experimenta pela miséria alheia, que nos leva a socorrê-la, se o pudermos.” [1]

Assim sendo, essa virtude supõe um desnível entre as pessoas em questão: não pode haver misericórdia entre Deus Pai e Deus Filho, já que ambos são Pessoas Divinas; é só quando Deus Se volta para as Suas criaturas que se pode falar de misericórdia. Esta se manifesta em nossa criação, quando Deus nos dá a existência, e também em nossa caminhada como cristãos, pois, quando caímos no pecado, Ele vem ao nosso encontro e nos oferece o Seu perdão, a remissão de nossas culpas.

Outra coisa a considerar é que a virtude da misericórdia ultrapassa a realidade da justiça. Esta consiste em “dar a cada um o que lhe é devido”. A misericórdia, porém, não se trata de “pagar o que se deve”, mas de dar com abundância, sem medidas. Deus, quando exerce Sua misericórdia para conosco, não nos trata de acordo com os nossos méritos. “Se levardes em conta nossas faltas – canta o salmista –, quem haverá de subsistir?” (Sl 129, 3).

Também muito importante para que se receba a misericórdia é que se tome consciência da própria miséria. Por isso, é difícil falar de misericórdia para uma sociedade que transformou o pecado em “orgulho” e promove Paradas Gays e Marchas das Vadias para ostentar a miséria do pecado. Se não se reconhece a própria pequenez, torna-se impossível viver de misericórdia.

Características da misericórdia. – Santo Tomás, ao falar sobre a virtude humana da misericórdia [2], explica que “a dor pela miséria alheia” pode ser “um movimento do apetite sensitivo” e, enquanto tal, é apenas uma paixão. Nisto está a raiz da palavra “misericórdia”: cordis, em latim, significa “coração”. Em primeiro lugar, portanto, a misericórdia é afetiva. Essa realidade passional não existe em Deus, que é impassível. Quando o Verbo, porém, assumiu a nossa humanidade, tornou-se capaz desse afeto. As Escrituras narram, por exemplo, que, vendo as multidões, Nosso Senhor sentiu pena delas, pois erravam como ovelhas sem pastor (cf. Mt 9, 36).

Em segundo lugar, a misericórdia é efetiva. Não basta compadecer-se das pessoas e ficar de braços cruzados. Importa agir para “socorrê-las”, como diz a própria definição de Santo Agostinho.

Para que se aja corretamente, porém, é preciso ter em conta a terceira característica da misericórdia, que é a reta razão. Sem ela, não há virtude moral, pois, como diz Santo Tomás, “a virtude humana consiste num movimento do espírito regulado pela razão” [3]. Uma mãe, por exemplo, que, sentindo misericórdia do filho drogado em síndrome de abstinência, se dirigisse à boca de fumo para comprar a substância química e oferecer ao filho, certamente não estaria colocando em prática a virtude da misericórdia.

No Sínodo dos Bispos, a ser realizado em outubro próximo, será discutido novamente o tema dos casais em segunda união. Como a Igreja deve agir frente a essa “vera piaga do ambiente social contemporâneo que vai progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos” [4]?

Para responder a essa pergunta, não basta colocar-se afetivamente ao lado das pessoas que se encontram nessa situação e desejar fazer algo efetivo por elas. É preciso usar a reta razão. Não se pode, sob o pretexto de “misericórdia”, trair a doutrina católica a respeito da indissolubilidade do Matrimônio. Fala-se muito que é preciso adaptar os ensinamentos da Igreja aos novos tempos, mas, quando Nosso Senhor estabeleceu, em Sua época, que “o que Deus uniu, o homem não separe” (Mt 19, 6), também as pessoas de Seu convívio ficaram escandalizadas. “Se a situação do homem com a mulher é assim, é melhor não casar-se” (Mt 19, 10), disseram os Seus próprios discípulos na ocasião. Ainda hoje, pois, a Igreja deve permanecer fiel, mesmo correndo o risco de que as pessoas se afastem. Ela não quer que isso aconteça, mas também não pode ignorar que há casais que lutam para conservar o seu matrimônio – casais que veriam baldadas as suas lutas e esforços, caso a Igreja insinuasse uma mudança de doutrina. Ao mesmo tempo em que acompanha os seus filhos em segunda união, portanto, a Igreja age com prudência e cautela, tomando cuidado para não desprezar os casais que vivem com fidelidade a “primeira união”, por assim dizer.

Verdade e misericórdia. – Para esse Ano Santo que se aproxima, uma boa maneira de se preparar é entregando-se inteiramente a Deus, pelas mãos da Santíssima Virgem, invocada pela Igreja como mater misericordiae (“mãe de misericórdia”). Ela entregou na Cruz o seu próprio Filho e recebeu, em troca, esses filhos leprosos, que somos nós (cf. Jo 19, 25s).

Ainda que sejamos pecadores, porém, Deus não nos quer convivendo com o pecado, como se fôssemos feitos para viver no egoísmo e na miséria. O Cardeal Mauro Piacenza, em uma recente conferência da Penitenciária Apostólica, recordou que a verdade e a misericórdia sempre andam juntas. Não se pode dizer aos seres humanos, criados para voar como as águias, que comecem a rastejar como as serpentes. A verdadeira misericórdia é tirar as pessoas da baixeza em que se encontram e colocá-las diante da maravilhosa “vocação universal à santidade”, anunciada pelo Concílio Vaticano II [5]; é colocar as pessoas diante de seu autêntico chamado para o alto, para o amor, para a vida eterna. A verdadeira misericórdia para com o pecador é fazer dele um santo; é dizer-lhe o que disse Nosso Senhor à mulher adúltera: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8, 11).

Referências

  1. De Civitate Dei, IX, 5: PL 41, 261.
  2. Cf. Suma Teológica, II-II, q. 30, a. 3.
  3. Cf. Suma Teológica, I-II, q. 56, a. 4; q. 59, a. 4.
  4. Papa Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis (22 de fevereiro de 2007), n. 29.
  5. Cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de Novembro de 1964), 39-42.
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