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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 

(Jo 18, 33-37)

Naquele tempo, Pilatos chamou Jesus e perguntou-lhe: "Tu és o rei dos judeus?" Jesus respondeu: "Estás dizendo isto por ti mesmo ou outros te disseram isto de mim?" Pilatos falou: "Por acaso sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?" Jesus respondeu: "O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui". Pilatos disse a Jesus: "Então tu és rei?" Jesus respondeu: "Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz".

*

Jesus veio ao mundo para implantar o Reino de Deus. Foi o que prenunciou São João Batista, ao pregar um batismo de conversão, profetizando estar próximo o Reino de Deus (cf. Mt 3, 2); e o anjo Gabriel, anunciando a Maria que seu Filho se sentaria no trono de Davi (cf. Lc 1, 32). Foi também o que indicou Nosso Senhor, ao revelar por meio de parábolas em que consiste esse Reino; ao ser condenado na Cruz como Rei (cf. Jo 19, 19); e ao revelar abertamente – como está no Evangelho deste domingo – não ser o Seu Reino deste mundo.

Esse último dado, na verdade, é o que explica a aparente discrepância entre as profecias a Seu respeito e o modo como elas se cumprem. Jesus vem verdadeiramente trazer o Reino de Deus e sentar-se no trono de Davi. O modo como se acabam os Seus dias, no entanto, parecem apontar para uma farsa: o enviado de Deus termina revestido de um manto de burla, coroado de espinhos e portando um cetro de cana. Como isso é possível?

A resposta vem da boca do próprio Cristo, quando Ele diz: "Regnum meum non est de mundo hoc – O meu reino não é deste mundo" (v. 36).

Em que consiste esse reino, então? A resposta é dada por Orígenes, um Padre da Igreja, para quem há pelos menos duas acepções desse reino a serem consideradas [1].

A primeira, cristológica, explica o Reino de Deus como sendo o próprio Jesus – "αύτοδασιλεία" (autobasileia), diz Orígenes [2]. Alguns teólogos liberais da passagem do século XIX para XX (Adolf von Harnack, sobretudo) alegam que a Igreja teria traído a mensagem de Cristo. Este teria vindo anunciar o Reino de Deus, e a Igreja, ao contrário, prega a pessoa de Jesus. A verdade, porém – evidente a qualquer um que entre em contato com os Evangelhos –, é que é Jesus quem se apresenta como objeto de fé a todo momento. "Tu crês no Filho do Homem?", Ele pergunta ao cego de nascença. "Quem é, Senhor, para que eu creia nele?" "Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo", responde Jesus (Jo 9, 35-38). Antes de Sua paixão, ele acalma os Apóstolos: "Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim" (Jo 14, 1). Passagens semelhantes a essas se repetem várias vezes. Pelo mistério da união hipostática de Cristo, da humanidade unida à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Reino de Deus verdadeiramente desce dos céus e faz a sua morada entre os homens.

Disso decorre a segunda dimensão do reino, eminentemente mística, que fala da soberania de Deus sobre os corações humanos:

"Quem reza pela chegada do Reino de Deus, reza sem dúvida pelo Reino de Deus que ele já leva em si mesmo, e pede para que este Reino produza frutos e para que chegue à sua plenitude. Pois em cada homem santo, Deus domina (= é soberania, Reino de Deus)... Por isso, se quisermos que Deus domine em nós (que o seu Reino esteja em nós), então o pecado não pode de modo nenhum dominar no nosso corpo mortal (Rm 6, 12)... Então Deus deve passear em nós como num paraíso espiritual (Gn 3, 8) e somente em nós dominar com o seu Cristo..." [3]

Esse reino místico de Cristo nas almas começa através da fé, que é como um grão de mostarda (cf. Mc 4, 30-32), uma semente lançada em terreno fértil (cf. Mc 4, 3-9). O anúncio do Evangelho existe justamente em função disto: suscitar a fé nas almas. Por essa virtude sobrenatural, de fato, confirma a autoridade do Doutor Angélico, "vita aeterna in nobis inchoatur – a vida eterna começa em nós" [4].

Esse reinado místico também pode crescer: (a) seja através da oração, quando, "de fé em fé" (Rm 1, 17), a alma vai progredindo na vida interior; (b) seja por meio da recepção frutuosa dos Sacramentos, mormente o da Eucaristia, pelo qual a própria humanidade de Nosso Senhor toca a nossa carne, elevando-nos à comunhão Consigo.

É para essa comunhão com Deus que a Igreja existe, a ponto de poder-se repetir, com São João Paulo II, que "a Igreja vive da Eucaristia" [5]. A Virgem Maria, os santos, os anjos, a hierarquia eclesiástica, os catecismos, tudo e todos existem em função deste fim: conduzir as pessoas à Eucaristia, à plena união com o Senhor. Só assim é possível fazer Cristo reinar nos corações, instaurando já neste mundo o Reino de Deus, até que ele realize a sua consumação no Céu.

Para que isso aconteça concretamente, todavia, não basta comungar sacramentalmente. É preciso receber Jesus também espiritualmente [6].

O primeiro requisito para comungar bem é estar em estado de graça. Quem toma o corpo e sangue do Senhor em pecado mortal não só deixa de aproveitar da recepção do sacramento, como pratica um sacrilégio. Por esse motivo, é incompreensível que algumas pessoas dentro da Igreja queirem lançar pérolas aos porcos (cf. Mt 7, 6), distribuindo a Eucaristia a quem não quer mudar de vida, como se a mera recepção desse sacramento fosse solucionar a sua situação de pecado.

Isso, porém, constitui o mínimo. Para receber com fruto Jesus na Eucaristia, é preciso, além disso, adquirir o hábito da adoração ao Santíssimo Sacramento, de modo a estar sempre "com fome" desse alimento espiritual. O jejum de uma hora que a Igreja pede a quem for comungar é apenas um sinal externo de um outro jejum, interior, indicando que ninguém deve aproximar-se da Comunhão sem uma verdadeira fome de Cristo e de que Ele transforme a sua alma.

Como dizem os Santos Padres, ao contrário do alimento comum, que é transformado em quem dele come, é este alimento que transforma quem dele se alimenta [7]. Quem comunga, portanto, deve ir para o Getsêmani e repetir com o Senhor: "Não seja feita a minha vontade, mas a tua!" (Lc 22, 42). Agindo assim, querendo o que Deus quer e adorando a Sua vontade, Cristo começará a reinar efetivamente em nossas almas.

Referências

  1. Cf. BENTO XVI, Papa. Jesus de Nazaré: do batismo no Jordão à transfiguração (trad. de José Jacinto Ferreira de Farias). São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 59-60.
  2. Comentário ao Evangelho de S. Mateus, XIV, 7 (PG 13, 1197).
  3. Orígenes, Sobre a Oração, 25 (PG 11, 495s).
  4. Suma Teológica, II-II, q. 4, a. 1.
  5. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17 de abril de 2003), n. 1.
  6. Cf. Suma Teológica, III, q. 80, a. 1.
  7. Cf., v.g., Santo Agostinho, Confissões, VII, 10 (PL 32, 742).

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