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Texto do episódio
1157

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 4, 26-34)

Naquele tempo, Jesus disse à multidão: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece. A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga. Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou”.

E Jesus continuou: “Com que mais poderemos comparar o Reino de Deus? Que parábola usaremos para representá-lo? O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes da terra. Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças, e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra”.

Jesus anunciava a Palavra usando muitas parábolas como estas, conforme eles podiam compreender. E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo.


Neste 11º Domingo do Tempo Comum, lemos no Evangelho de São Marcos (4, 26-34) a parábola do grão de mostarda, em que Nosso Senhor, por meio de um grande exagero, tenta representar a dinâmica de crescimento do Reino do Céu. Jesus mostra como uma coisa pequena, quase insignificante, pode se transformar em algo grandioso, cujo impacto alcança nossas vidas. 

O que é, afinal, um grão de mostarda? É uma semente minúscula, semelhante a um grão de areia, ou a um grão de pimenta-do-reino ralada. Porém, quando essa semente de dimensões insignificantes é semeada, torna-se uma portentosa árvore. Há, portanto, uma grande desproporção, que Nosso Senhor enfatiza porque quer nos ensinar a dinâmica do próprio Reino de Deus, da Igreja por Ele instituída. 

Se compararmos a Igreja aos poderes deste mundo, concluiremos que ela, Corpo místico de Cristo, é, por assim dizer, um nada. Basta observarmos como a Igreja é tratada pelo mundo. Em nosso cotidiano, no trabalho, no convívio com amigos e colegas, na escola, na universidade, a Igreja Católica é objeto de total desprezo. As pessoas criticam o sacerdócio, criticam a vida devota, chamam-nos “alienados”, “malucos”, “beatos” — no sentido pejorativo.

Assim, a tendência do mundo, ao abandonar a fé, é voltar-se para a realidade meramente material; para o dinheiro, os prazeres, o poder e o sucesso. Basta analisarmos quem manda no mundo. Aparentemente são os banqueiros, a Bolsa de Valores, os metacapitalistas, aqueles que detêm mais dinheiro e poder político; enquanto que a Igreja Católica é um nada, uma instituição fracassada, sem poder nenhum. 

No entanto, os fatos do Evangelho mostram o que aconteceu, desde o início, com a Igreja, quais foram os seus passos iniciais. Quando Nosso Senhor começou a pregar o Evangelho, a Igreja Católica, evidentemente, ainda não tinha toda essa rica história de santos, doutores e mártires; era pior: ela era um nada mesmo. E quem era Jesus? Um homem muito pobre, nascido em Belém e crescido em Nazaré, que passara a vida exercendo o ofício da carpintaria, que aprendera com o seu pai José. Jesus passou trinta anos como mero carpinteiro ao lado de José e Maria, em casa, longe dos olhos de todos. 

E tão logo Nosso Senhor iniciou seu ministério, ainda na vila de Nazaré — conforme lemos no Evangelho de domingo passado —, suas primeiras testemunhas o consideraram louco. Elas estranharam o fato de que aquele Jesus que passara a vida inteira na vila, como carpinteiro, construindo artesanalmente mesas, cadeiras e móveis, agora começasse a querer ensinar. 

Mas justamente assim é o Reino do Céu: é uma semente de mostarda pequenina, que, apesar disso, detém um poder extraordinário. E é o Verbo eterno, Deus encarnado, Jesus Cristo, que se apresentou na pequenez e na miséria; que viveu escondido durante trinta anos em uma carpintaria, aquele que detém o poder redentor do mundo. Eis o mistério da Cruz, eis a natureza da Igreja: é o mistério de um fracasso que se torna uma grande vitória transformadora. 

E como isso acontece? O Reino do Céu tem um poder e uma potência extraordinárias. E, a fim de exemplificar o que queremos dizer, podemos olhar para a vida de São Francisco de Assis. Francisco era um rapaz que sonhava em trilhar uma carreira de sucesso; seu pai tinha muito dinheiro, o que alimentava o sonho do filho de se tornar famoso. Todavia, um belo dia, Francisco foi feito prisioneiro de guerra — assim, tudo fracassou em sua vida. 

Deprimido e encarcerado, São Francisco teve a experiência de ouvir, no meio da desgraça de sua vida, no fundo do poço, Nosso Senhor falar-lhe interiormente. A verdade é que nós não sabemos como se deu a conversão do santo de Assis, sua transformação foi algo inexplicável. Ele estava preso, fracassado e frustrado; mas, quando saiu da prisão e retornou à casa do pai, ele estava diferente, transformado. Ele fora um pequeno burguês cuja ocupação havia sido gastar o dinheiro da família. Comparando com os nossos dias, podemos dizer que São Francisco gostava de comprar Ferrari, BMW, Audi, ou quaisquer carros portentosos; gastava o dinheiro com prostitutas, drogas e coisas assim. Esse era o jovem Francisco. 

É evidente que, à época, a Ferrari de Francisco de Assis era um cavalo bem-criado; ele não gastava dinheiro com grandes equipamentos eletrônicos, mas gastava com os equipamentos da época: uma armadura. Francisco sonhava em ser cavaleiro e mostrar para todos que era poderoso. Assim, ele partiu para a guerra — de armadura e montado em seu cavalo —, mas obteve uma grande derrota. Perdeu a guerra e, prisioneiro, viu o seu sonho mundano dissipar-se. 

Porém, de forma misteriosa, uma mudança começou a ser operada no interior dele: foi quando Francisco ouviu as palavras de Nosso Senhor sobre a semente de mostarda. Os santos são testemunha do poder extraordinário da semente do Evangelho, como São Francisco de Assis que, de homem fracassado, tornou-se um grande santo, porque permitiu que a pequenina semente do Evangelho, a Palavra de Deus, germinasse em seu coração. 

Assim, naquele mundo que se importava só com dinheiro — à época de São Francisco, século XIII, estava começando o capitalismo moderno — o jovem Francisco decidiu abandonar tudo por amor a Jesus. E, nu em praça pública, ele entregou todos os seus pertences ao pai, despedindo-se com a intenção de viver a pobreza por amor a Jesus, pois Jesus fizera-se pobre por ele. Ao contemplar Nosso Senhor crucificado, pobre e nu, São Francisco decidiu abraçar essa pobreza e essa nudez em uma extraordinária experiência de amor, de quem tudo abandona por amor a Jesus. O grão de mostarda transformou-se em uma árvore frondosa. 

Desse modo, com o seu exemplo, São Francisco de Assis começou a atrair outros jovens que haviam sido impactados com o seu testemunho de entrega. Muitos o procuravam com a intenção de aprender o que ele aprendeu, de ver o que ele havia visto. E com o crescimento dos galhos da árvore frondosa — outrora grão de mostarda —, subitamente, milhares e milhares de jovens de toda a Europa achegam-se a Assis, a fim de se encontrarem com Francisco. Pessoas da Alemanha, da França, de Portugal e também de outras regiões da Itália começam a vir até Francisco. 

No dia 13 de junho, nós celebramos a memória de Santo Antônio, um santo português que já era padre e, depois de ouvir falar de São Francisco, decidiu ser igual ao santo italiano. Assim, ele abandonou sua carreira sacerdotal em Portugal — por suas qualidades, Santo Antônio poderia até ter sido bispo — a fim de seguir a pobreza de Francisco. Citamos esses exemplos porque é uma forma bastante eficiente de se entender o mistério da Igreja, do grãozinho de mostarda, que é a mensagem do Evangelho a iluminar o coração das pessoas. 

A verdade é que, quando a Palavra de Deus, o grão de mostarda, cai na terra do nosso coração, nós não sabemos como se realiza o milagre. Isso porque, antes não ouvíamos, e agora passamos a ouvir; antes achávamos que a Igreja era uma grande perda de tempo, e agora contamos os minutos para a Missa dominical; antes considerávamos o Evangelho ridículo, e agora a Sagrada Escritura traz-nos imensa alegria. 

Na Primeira Leitura deste domingo, do Profeta Ezequiel, nós vemos uma comparação semelhante àquela feita por Jesus, quando Deus diz: “Arrancarei um galho da copa de um cedro” (Ez 17, 22). O cedro é a maior e mais frondosa árvore da região da Terra Santa, no Oriente Médio; e, ao norte de Israel, está localizado o Líbano, país cujo símbolo nacional é precisamente o cedro. Quando Deus, na leitura de hoje, fala em arrancar um galho da copa do cedro, temos aqui um símbolo: um galho é uma ruína, um fracasso, algo insignificante. Para que serve um galho arrancado? Para coisa alguma, senão secar e morrer. 

Acontece que Deus, ao pegar essa desgraça, essa coisa que para o mundo não tem valor, coloca-a no alto da montanha de Israel, a fim de produzir folhas, frutos e tornar-se um cedro majestoso, sob cuja sombra os pássaros construirão seus ninhos. Esse galho é a própria Cruz de Cristo; e a montanha em Israel é o Monte Sião, Jerusalém. Esse é o local no qual Nosso Senhor será crucificado séculos depois — já que estamos lendo o profeta Ezequiel. 

O galho é a Cruz, é o fracasso de Cristo. Quando a Igreja, no amor, vive um fracasso, ela, de forma extraordinária, torna-se mais atraente e mais dinâmica. Hoje, vivemos um tempo no qual a Igreja é objeto de desprezo; e o Evangelho não tem valor para o mundo moderno. É patente, basta observar o que acontece nas universidades, por exemplo: qualquer um que fale do amor de Cristo no ambiente acadêmico é tido como um tolo, ignorante da ciência moderna; no mercado de trabalho, falar dos valores do Evangelho é ser usado como exemplo de fracasso. 

Podemos experimentar falar da verdade do Evangelho a quem vive o poder ou os prazeres do mundo, mas tudo parecerá um grande fracasso. Se mostrarmos a Cruz de Cristo para o mundo, ele ficará horrorizado, pois ela representa o contrário de tudo aquilo que o mundo almeja. Porém, a força do Evangelho e da evangelização está no poder da Cruz de Cristo.

À semelhança do grão de mostarda, o Reino do Céu é pequeno, frequentemente insignificante para o mundo; ele é misterioso como uma semente que, no interior obscuro da terra, germina e cresce sem que nós fiquemos sabendo. Isso porque, tão logo recebemos as palavras do amor de Cristo, elas começam a nos transformar desde nosso interior. Sejamos práticos: temos de admitir que, quando Jesus nos tocou, foi uma experiência real e concreta; nós não sabemos dizer como isso aconteceu, mas em algum momento de nossas vidas, Jesus nos tocou, como fez com São Francisco de Assis. 

É comum que a maior parte das pessoas converta-se em momentos de grande dificuldade. Geralmente, quando estamos no fundo do poço, recebemos o milagre do toque de Jesus. Foi assim com São Francisco de Assis: depois de perder a guerra e ser trancado na prisão, ele se encontrou com Nosso Senhor. Nos cárceres de Perúgia, na Itália, o jovem Francisco viu que tudo neste mundo é vaidade. Ele viu o vazio das coisas terrenas e percebeu o quanto era tolo ao buscar a felicidade do mundo; porque só alcançou o fracasso e a derrota. 

Na prisão, São Francisco viveu a mesma experiência do filho pródigo. E é o que ocorre também em nossas vidas. O mundo moderno incentiva-nos a pedir ao Pai nossa parte da herança e, sem rumo, sair para desfrutar dos prazeres da carne. O mundo rejeita a Deus, a Igreja Católica, o Evangelho; ele quer independência e autonomia para conduzir a vida do seu jeito. E quem assim vive, termina fatalmente perdido. 

Como o filho pródigo desejou comer comida de porco, e São Francisco de Assis esteve na prisão, a maior parte das pessoas se converte depois de ter a experiência do fracasso. É Deus quem permite, porque Ele nos ama. Quando o filho perdido está no mundo, seduzido pelos acordes dissonantes dos pancadões, ele não pode ouvir a voz de Deus, que fala no silêncio do nosso coração. Obviamente, Deus está no pancadão, no baile, na festa noturna; Ele está tentando falar com as pessoas ali presentes, porém há muito ruído. 

Quando Francisco de Assis saía para guerrear, montado no seu cavalo portentoso e vestindo sua armadura, Deus estava falando com ele, o tempo todo; mas Francisco não ouvia. No entanto, aconteceu algo paradoxalmente maravilhoso: o Espírito Santo permitiu o fracasso do jovem Francisco. Temos, por fim, novamente a figura do galho arrancado, do grão de mostarda, da Cruz de Cristo: ao cair, a pessoa encontra-se consigo mesma. No meio do fracasso, o filho pródigo — que antes gastara sua parte da herança com prostitutas e bebedeiras — percebeu que o mais miserável dos empregados do seu pai era melhor tratado do que ele, que estava na condição de pecador. E, por isso, decidiu voltar. 

Eis o milagre do grão de mostarda. É o milagre da pequenina semente que cresce no interior da terra; é também o milagre do ramo de cedro arrancado da copa da árvore. A verdade maravilhosa é que, quando plantado no monte em Jerusalém, esse galho, que é a Cruz de Cristo, torna-se uma árvore frondosa, que estende sua sombra sobre o mundo inteiro. Eis o mistério do Reino de Deus. 

São Francisco, preso, ao encontrar-se com Nosso Senhor, percebeu que, apesar de seu pai ser um proeminente mercador de Assis, ele, Francisco, tinha um outro Pai, detentor de todas as riquezas do universo. O Pai que é Criador, que trouxe à existência o sol, a lua, as árvores, os animais e o homem: os lírios do campo não têm meios de fazer roupas ornamentadas, porém nem o rei Salomão, em toda a sua pompa, vestiu-se como um deles (cf. Mt 6, 28-29). São Francisco percebeu essa verdade quando o grão de mostarda do Evangelho germinou em seu coração. 

Por fim, ficamos imensamente alegres ao ver o quanto Deus cuida de nós — até mesmo nas desgraças. Deixemos que essa dinâmica extraordinária de Deus — que age por meio da pequenez do grão de mostarda — seja para nós fonte de felicidade. Lembremo-nos de que Ele está preparando para nós, assim como prepara para as aves do céu, sob a Cruz de Cristo, um lugar no qual possamos nos abrigar e encontrar a verdadeira felicidade.

COMENTÁRIO [1]

I. Parábola da semente espargida (Mc 4,26-29). — 1) Contexto: Esta é a única parábola exclusiva de Mc, assimilada por alguns exegetas à do joio em Mt 13,24ss. De fato, as duas falam de uma semente que cresce enquanto dorme o agricultor. Além disso, é o mesmo contexto de ambas as parábolas, a saber: entre a do semeador e a do grão de mostarda. Logo, a parábola de Mc parece ocupar o lugar que em Mt corresponde à do joio. Daí concluir Calmet: “É tão semelhante à parábola do joio lançado no campo enquanto os servos estão dormindo, que a mim me parece que Mc abreviou o que Mt descreve em detalhe. Com certeza Cristo as propôs ao mesmo tempo, na mesma ordem e no mesmo lugar”.

No entanto, a diferença entre os objetos formais de uma e de outra leva a concluir justamente o contrário. Em Mc, fala-se do crescimento espontâneo da semente, ao passo que Mt fala do joio semeado no meio da boa semente, mas separado dela no tempo da colheita. De resto, Mc não faz qualquer menção ao joio, e se nele a semente é imagem do próprio reino em crescimento, em Mt simboliza os filhos do reino, e o joio, os homens maus.

Nesta breve parábola, composta em tons vivos e gráficos, cabe distinguir dois momentos: a) a ação do homem que semeia a semente e já não pensa mais nela (v. 26-27a); — b) a ação da própria semente, que germina e dá fruto independentemente do semeador (v. 27b-29). A antítese entre os dois momentos, i.e., entre a indiferença do homem e o crescimento espontâneo da semente, põe em evidência o sentido formal e o fim da parábola.

2. Interpretação literal–real. — a) Ação do homem (26-27a): V. 26. Assim é o reino de Deus… (οὕτως ἐστὶν ἡ βασιλεία τοῦ Θεοῦ). Esta fórmula introdutória ocorre uma única vez e equivale a essa outra, muitíssimo frequente: É semelhante o reino… Ambas as expressões apontam explicitamente para o segundo termo da comparação. Trata-se pois de verdadeira parábola, não de alegoria. Logo, não se devem aplicar ao antítipo (reino) todos e cada um dos elementos do tipo (semente), mas o todo, i.e., o ponto de comparação formalmente intencionado pela parábola.

Com esta introdução: Assim é o reino de Deus, ὡς ἄνϑρωπος etc. devem comparar-se as introduções com que os rabinos propunham suas semelhanças: do ponto de vista literário, a relação estabelecida não é entre o antítipo e o elemento formal do tipo, mas entre aquele e a pessoa ou o objeto principal deste. A irregularidade da introdução há de ser explicada assim: “Sucede no reino de Deus como se”, ou melhor: “como quando…”. Logo, há que aplicar ao antítipo o que é característico no tipo, segundo a intenção do narrador; ora, nesta parábola em particular o elemento formal não é nem o homem nem sua ação, mas o crescimento espontâneo do tipo. “No reino dos céus”, parafraseia-o Jansênio, “acontece tal como na seguinte narração…”. 

Assim, pois, é o reino de Deus, como um homem que lança a semente etc. Em gr., ὡς ἄνϑρωπος βάλῃ (note-se o subjuntivo do aoristo). Gramaticalmente, a frase está incompleta; falta-lhe a partícula regente do subjuntivo, o que parece se deva suprir, ao menos mentalmente, por ‘ἐάν’ (assim na Vg: si), ou ‘ὅταν’ (lt. quando), como aliás se lê em vários códices. Poder-se-ia supor a supressão de ‘ἄν’ por haplografia antes de ‘ἄνϑρωπος’; mas a lição dos principais manuscritos não traz partícula (o que provavelmente corresponde ao original). Assim leem muitas edições críticas e também Lagrange, que observa a este respeito que com ἐάν ou ὅταν (como na Vg) a comparação é feita com um estado ou com uma ação; na ausência de artigo, a comparação é feita com o próprio homem, consoante ao estilo habitual dos meshalim rabínicos.

V. 27a. E dorme e se levanta, noite e dia. Jansênio opina que o verbo ‘levantar-se’ se refere à semente, que sempre, dia e noite, cresce enquanto o homem dorme. Mas a construção gramatical exige um mesmo sujeito para ambos os verbos. O sentido, portanto, é: dorme de dia e se levanta de noite. Noutras palavras, semeada na terra a semente, o lavrador segue normalmente com a vida, sem pensar na semente até a colheita; nesse meio tempo, a semente vai crescendo e germinando. “Significa-se com isso”, escreve Caetano, “que o homem está ocupado em suas necessidades naturais, entregue aos seus negócios. Pois o texto está ordenado de modo que uma coisa corresponda à outra, a saber: a noite ao dormir, e o dia ao levantar-se, como se fora dito abertamente: ‘e se ocupa de suas coisas’”. Aqui é oportuno recordar as palavras de Tiago: O lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência até às chuvas do outono e da primavera (5,7). 

Diz-se em seguida o que entrementes sucede à semente.

b) Ação da semente (27b-29): V. 27b. E a semente brota e cresce enquanto ele não sabe (melhor: e a semente brota e cresce sem ele saber como). Muitas edições críticas leem no subjuntivo os verbos ‘βλαστᾷ’ e ‘μηκύνηται’; mas se se lê ‘μηκύνηται’ no indicativo, há que ler ‘βλαστᾷ’ do mesmo modo. De acordo com essa lição, não se diz hipoteticamente o que aconteceria, senão que se descreve positivamente, como fato certo e natural, a germinação e o crescimento espontâneo da semente. É a interpretação mais adequada.

Onde na Vg se lê: dum nescit ille, em gr. está: ὡς οὐκ οἶδεν αὐτός = como, não [o] sabe ele. Ora, o semeador sabe perfeitamente que a semente está crescendo, mas não sabe como ela cresce. Destarte se reforça a antítese entre a semente, que cresce espontaneamente, e o agricultor, que sobre nada fazer, não sabe sequer como cresce a semente (cf. 1Cor 3,6s: Eu plantei. Apolo regou, mas Deus é que deu o crescimento. De modo que não é nada nem o que planta, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento). — A antítese visada entre a semente e o semeador desaparece, porém, quando o inciso dum nescit ille é referido à semente, como o quis Erasmo.

V. 28. Porque a terra por si mesma produz, primeiramente, a erva, depois a espiga, e por último o trigo abundante na espiga. As últimas palavras, em gr., podem ser lidas em sentido nominativo: εἶτεν πλήρης σῖτος ἐν τῷ στάχυϊ, i.e., eis o trigo abundante na espiga!, ou, como as precedentes, em caso acusativo: πλήρη σῖτον. — É nesta evolução progressiva, certa e espontânea (αὐτομάτη) da semente, enquanto o semeador, além de ausente, nada faz, que consiste o objeto formal da parábola. Eis por que o Senhor enfatiza a segurança do semeador: dorme à noite e se levanta de dia, ocupado em outros assuntos, sem nem pensar na semente. Pela mesma razão se descreve enfaticamente toda a evolução dela: aparece a erva, depois a espiga, e por último o trigo abundante na espiga. Tudo isso se dá infalivelmente, e o agricultor nem suspeito como… 

V. 29. E, quando produzir fruto, i.e., quando o fruto estiver maduro e lho permitir, mete logo a foice (gr. ἀποστέλλει τὸ δρέπανον, lt. mittit falcem = lit. manda a foice), porque é chegado o tempo da ceifa. Foice, aqui, não é metáfora para agricultor, como pensam alguns. Trata-se, pelo contrário, de expressão hebr. (cf. Jl 4,13: שִׁלְח֣וּ מַגָּ֔ל [šilḥū maggāl]) para ceifar; logo, meter a foice não é mais do que ceifar, arrancar espigas etc., assim como meter a espada ou a mão é o mesmo que ferir, bater etc. (cf. Ap 14,15).

Esta tranquilidade típica do lavrador, que deixa a semente crescer até a hora da colheita, pode ser vista em outras regiões, embora os agricultores, sobretudo no hemisfério norte, não vivam igualmente despreocupados, sem se importar com a próxima colheita. Se a tenra erva germina, temem pelas geadas; se cresce e vira espiga, temem pelas chuvas, por isso sulcam o terreno de canais, separados uns dos outros por intervalos pequenos e iguais. Talvez não caia chuva o bastante; mas se cair enquanto o trigo amadurece, a tempestade pode deitá-lo à terra, fazendo a lavra toda apodrecer… O agricultor que vive da terra tem, pois, inúmeras preocupações com a lavoura. Contudo, na Palestina há chuva e sol em períodos certos e regulares. Ao caírem em fins de novembro as primeiras águas, a semente passa a estar sob os cuidados da terra; o campo semeado recebe chuva abundante, o que o deixa muitíssimo fértil. A semente então se torna erva, a erva espiga, e eis enfim a espiga dourada, repleta do trigo de Deus! Daí o fatalismo e a incúria dos orientais: “Em nome de Alá, clemente e misericordioso!” Enquanto isso, aguarda pacientemente o felá palestino.

Nesse sentido, a parábola quadra perfeitamente com a natureza oriental, de modo que as palavras dorme à noite não conotam preguiça ou negligência, mas a confiança do semeador no bom sucesso da semeadura. Espalhada a semente, o lavrador nômade vai-se embora; retorna no tempo da colheita, quando os campos estão alvejados de espigas douradas. A terra, mesmo na ausência dele, deu fruto no tempo devido.

Por último, quanto à colheita mesma, cumpre observar que os felás (fellahin), agricultores orientais, utilizavam uma espécie de foice pequena e curva. Com a mão esquerda seguravam as espigas e as iam ceifando com a direita, quase sempre entre cantos. As estípulas eram deixadas no terreno para pasto dos rebanhos.

Em resumo, devem-se distinguir quatro momentos: (α) semeadura, (β) despreocupação do semeador, (γ) crescimento da semente, (δ) colheita abundante. Ora, a antítese estabelecida entre o crescimento espontâneo da semente, por um lado, e a despreocupação do semeador, por outro, é o ponto de comparação a ser aplicado ao antítipo (reino de Deus).

3. Doutrina. — 1.º Como se vê já no v. 26, o tema é o reino de Deus. Logo, deve-se-lhe aplicar, guardadas as proporções, quanto é dito da semente. Mas sob qual aspecto formal a semente é considerada tipo do reino de Deus? A resposta está na palavra ‘αὐτομάτη’ (lt. ultro), enfatizada no início do v. 28 (Vg): Ultro enim terra fructificat, por si mesma cresce a semente lançada à terra. Esta ação ultrônea da semente é descrita enfaticamente por meio de suas diferentes fases de desenvolvimento, primeiro em erva, depois em espiga, por fim em trigo abundante. Tal ação é sublinhada graças à antítese estabelecida entre o semeador que já não pensa na semente e a semente que cresce até virar espiga pronta para ser colhida: o homem dorme e se levanta, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce sem que ele saiba como (v. 27).

Por conseguinte, a semente tem em si mesma o princípio de todo o seu desenvolvimento posterior, em virtude do qual irá certamente germinar e dar fruto, sem a interferência visível de nenhuma outra causa. Eis um milagre da natureza e da vida, por comparação com o qual Jesus ensina um milagre da graça: a vida e o crescimento sobrenaturais do reino de Deus são análogos à vida e ao crescimento naturais da semente. O reino anunciado, i.e., semeado na terra como uma pequenina semente, tem em si a força necessária e suficiente para se desenvolver de modo eficaz até o fim dos tempos. O crescimento do reino de Deus, espontâneo e certo, embora lento e sucessivo — eis a doutrina formal da parábola.

2.º Não há por que investigar quem aqui é o semeador. Se dissermos que é Cristo, como na parábola anterior, teremos dificuldade em explicar o que significa o seu dormir de noite e levantar-se de dia, a sua incúria e ignorância acerca do crescimento do reino, sendo que o Mestre está sempre presente na vida da Igreja; na verdade, é da vida dele que a Igreja vive.

N.B. — O desfecho da parábola, em que o tipo é apresentado com cores e expressões do antítipo, é de caráter alegórico. Com efeito, já não era necessário à doutrina formalmente intencionada mencionar o agricultor, o qual, não obstante, reaparece como messor: no último dia, Jesus, o semeador do reino, voltará como messor e juiz. Na ausência dele, incumbe aos Apóstolos continuar, cheios de confiança na messe final, a obra do Senhor. Assim sendo, a perícope é essencialmente parabólica, embora termine com uma alegoria, por ser ilustrada, perto da conclusão, à luz do antítipo.

3.º Aos ouvintes imediatos de Cristo a parábola ensina que a fundação e o triunfo do reino não supõem necessariamente a prévia manifestação gloriosa do Messias, seguida da derrota definitiva dos inimigos de Israel. Uma vez semeada na terra, a semente, i.e., o reino de Deus cresce por si mesmo até à consumação dos tempos, imperceptível e aos poucos, mas infalivelmente.

Na ausência do Senhor, desfeita já toda esperança de um messianismo glorioso mas falso, lembrem-se os Apóstolos que o reino de Deus, apesar das perseguições, sempre há de crescer até ao fim dos séculos, pois tem em si o princípio eficaz de seu desenvolvimento. Não há gloriar-se nem desesperar-se! O reino é obra de Deus e de Nosso Senhor, que têm as suas horas e as suas demoras. Ao seu tempo, a semente que Jesus Cristo semeou na terra dará fruto abundante, e Ele então aparecerá pela segunda vez, qual Senhor e juiz, a fim de consumar sua obra na glória de Deus Pai.

4.º Aos que perseguem Cristo e sua Igreja sirva o crescimento espontâneo da religião cristã de argumento a favor de sua origem divina e ínsita virtude: Varões israelitas, disse o sábio Gamaliel aos primeiros perseguidores da Igreja, considerai bem o que estais para fazer com estes homens… Deixai-os. Porque, se esta ideia ou esta obra vem dos homens, por si mesma se desfará; mas, se vem de Deus, não a podereis desfazer (At 5,35.38s).

5.º A nós, enfim, a parábola oferece uma útil lição de humildade e confiança na vida apostólica. A edificação da Igreja para a salvação das almas é obra de Deus, por isso não nos vangloriemos por qualquer sucesso aparente. É obra de Deus, a qual tem em si um princípio infalível de incremento. Não nos desesperemos, desiludidos; antes confiemos, sabendo serem necessárias também as tribulações e as tempestades à manifestação da virtude e da glória divina da santa Igreja.

II. O grão de mostarda (Mc 4,30ss; cf. Lc 13,18ss). — O reino de Deus é semelhante à semente de mostarda (Lc: que um homem pega e atira no seu jardim). Embora seja a menor de todas, ela cresce e se torna maior do que todas as hortaliças (Lc: torna-se uma grande árvore). Trata-se de uma hipérbole ou talvez de expressão popular e corriqueira nos tempos de Cristo. O exagero expressivo do qual se lança mão alude ao vaticínio de Ezequiel, no qual um ramo de cedro é arrebatado por Deus e plantado no cimo do monte Sião. Ali, ele estenderá seus galhos e dará fruto; tornar-se-á um cedro magnífico, onde aninharão aves de toda espécie, instaladas à sombra de sua ramagem (Ez 17,22).

Assim também o grão de mostarda, espargido no mundo pelo Filho de Deus, ainda que pareça a menor e mais insignificante das sementes, vai crescendo dia após dia, a ponto de tornar-se, para espanto de muitos, uma árvore frondosa e verdejante, sob cujos ramos as aves do céu vêm fazer o seu abrigo. Esta semelhança entre o grão de mostarda e a Igreja se vê: a) por sua origem discreta e quase desprezível, pois a humildade é o selo das obras de Deus, que escolhe o que é vil, tolo e fraco aos olhos do mundo para confundir os sábios e fortes da terra (cf. 1Cor 1,27-31); — b) por seu crescimento admirável, porque assim como de um pequenino grão brota uma planta vistosa, do mesmo modo a Igreja, minúscula nos seus primórdios, cresce à base da seiva vivificante da graça e da Palavra de Deus, infundidas pelo Espírito Santo no coração dos seus ramos; — c) por seu desenvolvimento orgânico, pois assim como a planta não é mais do que a semente já madura, assim também a Igreja que hoje vemos é a mesma que Nosso Senhor instituiu há dois mil anos sobre o fundamento dos Apóstolos.

Referências

  1. A seção (I) é tradução de J.-M. Vosté, Parabolæ selectæ Domini Nostri Iesu Christi, 1 (Roma 21933) 207-16.

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