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A Fé abre as portas da Misericórdia

São Tomé, ajoelhado diante de Jesus, tocando fisicamente suas chagas e sendo tocado espiritualmente pelo Ressuscitado, afirmou: “Meu Senhor e meu Deus”. Assim se abriram as portas da misericórdia divina, e, do peito aberto de Cristo, jorraram torrentes de graça.

Texto do episódio
544

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 
(Jo 20, 19-31)

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.

Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”.

Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.

O Evangelho deste 2.º Domingo da Páscoa, Domingo in albis e Festa da Divina Misericórdia, é o de São João, capítulo 20, versículos de 19 a 31, que apresenta uma espécie de resumo dos acontecimentos desde o Domingo de Páscoa, com a aparição de Jesus uma semana antes, quando Ele, ao anoitecer do domingo, encontrou-se com dez Apóstolos (já que Judas estava morto, e Tomé, ausente) e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”, enviando-lhes o Paráclito e dando-lhes o poder de perdoar os pecados.

Foi uma espécie de gesto profético para expressar antecipadamente o que iria cumprir-se em Pentecostes, quando o número dos Doze estivesse completo com Matias (cf. At 1, 15-26) e os Apóstolos recebessem enfim o Espírito Santo (cf. At 2, 1-4).

Depois de ressuscitar, o Senhor disse: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra” (Mt 28, 18). Em outras palavras, se antes da Encarnação nós recebíamos a graça diretamente de Deus, a partir de agora nós iremos recebê-la por intermédio da humanidade do Verbo. Ou seja: um ser humano — sim, é Deus Filho; mas é também verdadeiro homem — um homem glorioso ama com um Coração humano, pensa em cada um de nós sem cessar e a todo momento nos convida a receber o Espírito Santo. 

A primeira coisa que o Espírito Santo faz é purificar-nos do pecado; ora, essa graça do perdão é recebida no Batismo e na Confissão; logo, cada vez que recebemos um ou outro desses sacramentos, o Ressuscitado sopra sobre o fiel e envia-lhe o Espírito. E o gesto de soprar sobre os Apóstolos indica exatamente que é por meio da humanidade gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo que recebemos todas as graças do Céu. A Lei, diz São João, nós a recebemos de Moisés; mas a graça nos veio por meio de Jesus Cristo. Essa é a primeira realidade do Domingo de Páscoa, e foi isso que celebramos no domingo passado. 

São João, contudo, nota um detalhe que não nos contam os outros evangelistas. É o fato de que, na primeira aparição de Jesus aos Apóstolos, Tomé estava ausente e que, ao receber a Boa-nova, sua reação foi de incredulidade. Tomé queria provas, indícios palpáveis da Ressurreição. Os discípulos certamente lhe tinham falado das chagas de Jesus, e deve ter sido o testemunho deles que o levou a reagir, dizendo: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20, 25).

Uma das coisas fascinantes do Evangelho de São João é a insistência com que o evangelista, inspirado pelo Espírito Santo, revela as chagas gloriosas de Cristo. Por que Jesus ressuscitado, que já não sofre nem tem doenças, mantém suas chagas de amor? Antes de tudo, porque Ele quer que mantenhamos viva a memória de que o Ressuscitado é o Crucificado. Não são dois homens diferentes. É um só e o mesmo, unido ao Verbo com o mesmo corpo que, glorificado, preserva as chagas como sinal de amor. 

Eis aqui uma coisa fantástica: a morte se transforma em fonte de vida, e uma chaga, em fonte de cura e de transformação. Jesus mostra aos Apóstolos sua chaga de amor. Os Apóstolos, certamente fascinados, devem ter recebido uma graça especial naquela primeira aparição no Domingo de Páscoa, quando viram as chagas gloriosas, que se tornaram como uma santa obsessão para o discípulo amado.

O evangelista que reclinou a cabeça no peito de Jesus, o mesmo que aos pés da Cruz viu-lhe o peito trespassado pela lança, hoje, Oitava de Páscoa, vê brotar do mesmo costado uma fonte de graça. Assim como ele viu sangue e água brotarem do peito de Jesus, da mesma chaga bendita ele vê brotar um caudal de graças celestes. O mesmo São João, na 2.ª Leitura, fala insistentemente da água, do sangue e da visão de fé que ele teve no Domingo de Páscoa, mas que faltou a Tomé. Este não acreditou, e só deu o passo no 2.º Domingo da Páscoa, ou seja, na Oitava, neste Domingo que estamos celebrando. 

Eis o que nos diz a 2.ª Leitura, extraída da Primeira Carta de São João: “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (Jo 5, 4). Os discípulos, antes amedrontados, fechados no Cenáculo por medo dos judeus, de repente têm a experiência da fé e encontram-se com Jesus ressuscitado: “Este é o que veio pela água e pelo sangue, Jesus Cristo. (Não veio somente com a água, mas com a água e o sangue)” (1 Jo 5, 6). São João, aqui, fala da fé que brota do lado aberto de Jesus, pela água e pelo sangue. Ele vê a fonte de vida que brota do peito do Senhor: em cujas “chagas fomos curados” (1 Pe 2, 24). 

Visão semelhante à do evangelista foi a de Jesus a Santa Faustina Kowalska, religiosa polonesa canonizada por São João Paulo II. Jesus mostrou-lhe rios, não já de água e de sangue, mas de uma luz branca e de uma vermelha, saídos do seu lado como irradiações de amor e de graça e manifestação da Divina Misericórdia.

Com a Ressurreição, abre-se um tempo de graça, no qual todos podem aproximar-se de Nosso Senhor confiantes. Se, quando éramos inimigos de Deus, Ele morreu por nós, agora que fomos reconciliados, como Ele não irá nos acolher, amar e perdoar? Confiantes, mesmo se nossa fé estiver vacilante e manca, claudicante e coxa, vamos a Cristo Jesus. Como Tomé, prostremo-nos diante da presença divina de Nosso Senhor para professar a fé. Aqui está o segredo. 

Muitos gostam de falar da Divina Misericórdia na Oitava de Páscoa, e fazem bem; mas nem sempre se dão conta de que só é possível ter acesso a ela pela fé. Não à toa este é o Evangelho de hoje: São Tomé, ajoelhado diante de Jesus, professando a fé — uma das mais belas profissões de fé, senão a mais bela de todo o Novo Testamento: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28). Assim se abriram os portões da misericórdia divina, de modo que Tomé recebeu, do peito aberto de Cristo, torrentes de graça. Mas tudo isso pela fé.

Os evangélicos protestantes insistem muito na fé, mas, infelizmente,  o conceito que eles têm dela é, no mínimo, infantil. São herdeiros de Lutero, e Lutero foi mau aluno… Em seu comentário à Epístola aos Romanos, a fé é descrita como algo emocional; ter fé em Deus seria o mesmo que confiar nele. 

Ora, confiança não é coisa ruim. A própria Santa Faustina diz que devemos confiar na misericórdia divina. No entanto, confiança é apenas um sentimento. Um macaquinho lança-se nos braços da mãe porque confia nela, de modo irracional, é verdade, mas ainda assim sentimental, passional, o que — repita-se — não é ruim. 

Confiar é importante, mas não é a essência da fé. A fé pode, sim, gerar sentimentos de confiança; mas não se resumem a eles. A fé é antes de tudo um toque do Ressuscitado.

O Evangelho deste domingo nos diz que Tomé tocou Jesus; quando, na verdade, era Tomé quem precisava ser tocado por Ele. Assim, Jesus diz ao Apóstolo como que o contrário do que dissera a Maria Madalena. Uma semana antes, Cristo disse a Maria: “Noli me tangere”, quer dizer: “Não me toques”. Agora Ele se dirige a Tomé, dizendo: “Põe o teu dedo aqui” (Jo 20, 27). Sim, Jesus pede que Tomé o toque, mas porque é Ele quem quer tocar Tomé. 

Aqui está a dinâmica da fé. O ato de fé acontece por um toque da graça do Ressuscitado. Jesus quer nos tocar com a luz da sua verdade. Cristo, “luz que ilumina todo homem”, é Aquele por meio de quem “a graça e a verdade se manifestaram” (Jo 1, 17) a nós. Isso, na prática, significa que precisamos mudar de opinião; você precisa mudar de cabeça; você precisa, tocado por Ele, fazer o ato da obediência da fé, graças ao qual a inteligência é iluminada pela verdade de Cristo, e a vontade é convidada a aderir a Ele. Com o ato de fé: “Meu Senhor e meu Deus”, abrem-se os portões da misericórdia para Tomé. De modo que São João, testemunha desse ocorrido, atesta: “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (Jo 5, 4).

Feita a experiência da fé, surge a pergunta: “Para onde iremos nós, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6, 68). Foi São Pedro quem o disse, mas Jesus já o tinha dito de forma ainda mais profunda alguns versículos antes, no capítulo 6 do Evangelho de São João: “As minhas palavras são espírito e vida” (Jo 6, 63). Portanto, ouça as palavras de Cristo. Ele quer falar com você, a todo momento, como falou durante todo o caminho com os discípulos de Emaús. Ele quer falar ao seu coração e tocar em você.

O importante do Evangelho de hoje não está em Tomé tocar Jesus, mas em Jesus tocar Tomé. Quando Ele o toca, surge a fé; quando surge a fé, a inteligência, iluminada, e a vontade, convidada, aderem a Cristo. Eis a vitória que vence o mundo. Então, sim, nasce a confiança no amor misericordioso e divino de Nosso Senhor.

Agora precisamos amá-lo de volta. É por isso que, na 2.ª Leitura, São João insiste que Cristo veio não somente pela água, mas também pelo sangue. Ora, uma das interpretações dos Santos Padres a esse respeito diz que a água é a fé, e o sangue, o amor. Nesse sentido, o que une nossa alma a Jesus é a água (fé), mas também o amor (sangue). Por isso, nossa vida espiritual necessita de atos de fé e de amor a Jesus, ou seja, precisamos crer nele e amá-lo concretamente. 

Neste Domingo da Divina Misericórdia, quando nos aproximarmos da santa Comunhão, peçamos a Jesus: 

Senhor, que nesta Comunhão sejais vós a me tocar. Mais do que experiências físicas de laboratório, de realidades empíricas, concretas e carnais, como quis Tomé ao vos tocar, eu vos peço: tocai-me Vós e soprai sobre mim o vosso Espírito Santo. Concedei-me a graça de crer, pois essa é a vitória que vence o mundo. Quando minha inteligência for iluminada e a minha vontade, atraída, o mundo não irá me seduzir nem será nada para mim. Vós sereis o meu grande amor, a minha grande verdade. Inclinado diante da vossa augusta presença na Eucaristia nesta Missa de domingo, quero dizer-vos com a mesma fé dos Apóstolos: “Meu Senhor e meu Deus”. 

Neste domingo, portanto, comungue bem, unido à água e ao sangue, aos raios de luz branca e de luz vermelha, com fé e com amor na divina e santíssima misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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